Esqueça os estereótipos, porque com o russo Eugene Kaspersky eles não têm vez. Kaspersky, que completou 45 anos em outubro passado, é fundador e CEO de uma das principais empresas de segurança digital do mundo, uma companhia que cresceu 177% somente no ano passado, conforme números da fundação Software Top 100. Uma evolução que, segundo o próprio empresário, ocorre graças ao estilo pessoal de administrar o negócio, investindo no diálogo com parceiros e na contratação de engenheiros formados na Rússia.
O próprio dono do laboratório Kaspersky é um deles, apesar de não parecer um russo típico. Ele não usa os tradicionais gorros de seu país, não toma vodca e abandonou gravatas há, pelo menos, 20 anos, depois de passar um período no exército da então União Soviética. ;Não gosto dessa indumentária. Estive com os militares por quatro anos, foi o bastante para mim;, justifica ; para ele, o estilo lembra muito os uniformes. O jeito bonachão esconde o pulso de um administrador que corre o mundo atrás de seus objetivos, viajando ;como o Papai Noel;. ;Temos muitas conferências, exibições. Algumas vezes, não tenho tempo de dormir. Mas a vida é assim;, conforma-se o CEO, que calcula permanecer em Moscou apenas três meses por ano.
A paixão de Kaspersky pela tecnologia nasceu quando ele ainda estava no equivalente russo para o ensino médio. Ainda adolescente, frequentava aulas extracurriculares de física e matemática em um programa especial organizado pela Universidade de Moscou. Quando chegou a hora de ingressar em um curso de graduação, o garoto prodígio foi para o Instituto de Criptografia, Telecomunicações e Ciência da Computação, o mesmo órgão que fornecia recursos estratégicos e logísticos para a KGB, a famosa agência de espionagem da União Soviética.
A passagem pelo instituto, inclusive, gerou uma polêmica na vida do hoje empresário de sucesso. Em janeiro de 2008, uma reportagem do jornal britânico The Guardian o descreveu como um ex-agente da KGB. No mês seguinte, a publicação teve de alterar o artigo, o que não impediu que a história se espalhasse pelo mundo. ;Minha educação em matemática e criptografia foi na escola da KGB, mas eu nunca estive em um escritório da KGB. Eu era um estudante e logo depois fui para o serviço militar;, conta Kaspersky. ;Na verdade, isso não faz muita diferença, porque se tratava da construção de sistemas criptográficos para proteger informações. Os caras da KGB trabalhavam para proteger informações do Estado e eu estava trabalhando para proteger informações militares. Qual é a diferença?;, questiona, apimentando o caso.
Poder assustador
Kaspersky ficou fascinado pelo que se tornaria o mundo do cibercrime em 1989. Naquele ano, seu computador no Ministério da Defesa russo foi contaminado pelo vírus Cascade. Os arquivos maliciosos atacavam algoritmos criptografados e esse poder assustou Kaspersky. ;Tudo o que eu sabia sobre vírus de computador antes de ter um deles na minha máquina vinha de artigos de jornais e revistas. Quando o Cascade apareceu, fui ao meu gerente e falei que aquilo era uma coisa bastante perigosa, que a gente precisava pensar em algum tipo de proteção para todos os computadores.;
E foi exatamente o que Eugene fez. Em 1991, ele criou um software que detectava vírus e os removia dos aparelhos. Nos anos seguintes, fundou uma empresa de segurança, a AVP, em parceria com sua ex-mulher. O negócio acabou tendo que mudar de nome, porque ;AVP; já era utilizado em produtos norte-americanos. O Kaspersky Lab nasceu oficialmente em 1997 e hoje, 14 anos depois, tem participação de mercado representativa. A estimativa da empresa é de que 7,5% dos antivírus comercializados no mundo tenham a marca Kaspersky, o que deixaria a companhia russa entre as cinco maiores no ramo de segurança, praticamente empatada com a Trend Micro, japonesa que tem perdido clientes nos últimos anos.
;A Trend Micro está indo para baixo, acho que eles cometeram erros graves nos últimos anos. Eles mudaram a fábrica para as Filipinas, onde há bons programadores de software, mas não bons engenheiros como os que temos aqui na Rússia;, analisa o ufanista Kaspersky. Para ficar mais forte na briga, a empresa russa cruzou o Atlântico e passou a fortalecer sua imagem nas Américas. Somente no Brasil, a marca Kaspersky passou a ser conhecida por 47% dos usuários de computador, contra 32% no ano anterior. ;Eu espero continuar crescendo, me tornar reconhecido como um dos principais concorrentes da Symantec e da McAfee nos próximos dois ou três anos;, planeja o russo, em referência às duas maiores empresas de segurança digital, que juntas dominam mais da metade do mercado.
O dono do Kaspersky Lab aposta que seu jeito de comandar o negócio será a principal arma na briga contra os gigantes. ;Não há um senhor Symantec. Não há um senhor Trend Micro. Até havia um senhor McAfee, mas ele deixou a empresa há muito tempo, quando vendeu sua parte por US$ 100 milhões;, compara. ;Eu acredito que, para uma companhia ter sucesso, é preciso haver uma combinação de vários fatores: um time bom de especialistas em tecnologia, foco na educação e a nossa estratégia de ter 100% da empresa baseada na parceria;, define. ;A gente mantém nossas portas abertas e pedimos que as pessoas dividam coisas conosco, sempre;, reforça. Que venha a guerra, pois.
De olho nas pistas
Eugene Kaspersky lançou suas cartas também em outros setores. Em novembro passado, a companhia anunciou acordo com a Ferrari para apoio nas temporadas de 2011 e 2012 na Fórmula 1. A empresa russa já havia fechado negócio com a escuderia no início do ano, quando patrocinou a equipe AF Corse para o campeonato e Mans Series. Tudo sem divulgar os valores.