Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Google testa serviço que pode sacudir o mercado de telefonia via internet

As tarifas do Call foram estipuladas para balançar o virtual monopólio do Skype. A empresa ainda não definiu, porém, expansão para outros países

A voz é uma das mais antigas expressões humanas. Com ela, é possível perceber medo, raiva, satisfação, mesmo que as palavras digam o contrário. Essa carga simbólica fez com que a voz mantivesse sua importância, a despeito de tantos recursos do mundo virtual que privilegiam a escrita. Não à toa, gigantes da internet lançam ferramentas que colocam a fala em evidência. Há três semanas, o Google anunciou o início de sua aventura no mundo da telefonia. O Google Call, que, por enquanto, funciona apenas nos Estados Unidos, promete ligações para qualquer parte do mundo a um preço ínfimo.

O serviço pretende ganhar um mercado dominado pelo Skype, o recurso mais popular de VoIP ; sigla para voz sobre IP, ou voice over internet protocol. Basicamente, o VoIP permite que usuários façam ligações via internet, e não pela rede telefônica. Há diversas formas de se fazer uma chamada desse tipo: entre computadores que têm o mesmo software, em uma rede telefônica local adaptada para essa ferramenta ou entre um PC e um aparelho de telefone ; celular ou fixo. ;Essas chamadas são tarifadas, porque começam na rede de computadores e terminam na rede pública de telefonia. Para fazer essa transição, é preciso remunerar a outra rede;, explica Gilberto Zorello, consultor da área de infraestrutura em telecomunicações.

É exatamente nesse nicho que o Google decidiu entrar. E entrou de uma forma bastante competitiva. As tarifas da companhia são, muitas vezes, metade do preço das do Skype (veja quadro) ; já muito mais baixas do que as da telefonia convencional. Além disso, a empresa garantiu aos internautas ligações gratuitas para dentro dos Estados Unidos e para o Canadá até o fim deste ano. Os valores também são baixos para chamadas destinadas a telefones móveis. Para ligar dos EUA a celulares brasileiros, o usuário pagará US$ 0,15 por minuto. Se esse mesmo usuário fizer uma ligação a cobrar com uma operadora brasileira, por exemplo, a chamada não sairá por menos de US$ 0,45 o minuto. Para aparelhos fixos, as chamadas são bem mais baratas ; US$ 0,02 para São Paulo e Rio de Janeiro e US$ 0,04 para qualquer outro lugar do país.

O Google Call funciona dentro do Gmail: basta baixar o plug-in com as funções de voz. A compra de créditos é feita mais ou menos como no Skype. Há um botão ;adicionar crédito; do lado direito da caixa de entrada, que leva a uma página pela qual o usuário informa o valor que quer adquirir e os dados do cartão de crédito. É permitido comprar até US$ 70 em créditos por vez. A companhia ainda não confirmou se pretende lançar o serviço em outros países, nem quando isso pode ocorrer.

Usuário constante do VoIP, o empresário Pedro Sorrentino, 22 anos, testou a ferramenta do Google três vezes. O morador da cidade de Boulder, no Colorado, fez ligações locais e para São Paulo. ;Achei que funciona muito bem e que o desenvolvimento é satisfatório. Mas nada de diferente da minha experiência com o Nimbuzz (outro software de VoIP) e com o Skype;, contou. Opiniões como a de Pedro reforçam o palpite de alguns especialistas de que o Google terá um certo trabalho para conquistar usuários do Skype. Para se ter uma ideia, o tradicional serviço VoIP tem 560 milhões de usuários cadastrados, enquanto há cerca de 200 milhões de contas no Gmail.

O consultor Gilberto Zorello, que trabalha com ligações via internet há mais de 20 anos, lembra que o Skype possui uma solução própria para melhorar a qualidade da voz nas ligações. ;Eu acredito, contudo, que o Google pode abocanhar esse mercado. Não sei exatamente qual o modelo comercial do serviço, mas a companhia é conhecida por implantar facilidades de uso que conquistam os internautas;, afirma o especialista.

Aposta
A jogada do Google reflete a crescente utilização da rede de dados para baratear o custo de ligações telefônicas. ;Antigamente, a voz era uma coisa diferenciada, que precisava de um canal específico para transmissão. Hoje, ela é mais um serviço que a internet pode oferecer, assim como o de texto, de imagens e de vídeos;, explica o professor Mário Dantas, do Departamento de Informática e Estatística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Há 20 anos, conta o professor, circulavam na rede de telecomunicações 90% de voz e 10% de dados. Atualmente, menos de 10% correspondem a voz.

Isso porque as próprias operadoras se valem da web para reduzir seus custos. ;As empresas de telefonia são centrais de computadores que transmitem os dados de voz. Fica mais barato, porque há muito mais computadores disponíveis do que redes de transmissão;, esclarece Mário. Um projeto que teve participação do professor da UFSC conseguiu reduzir a conta telefônica de uma empresa da casa dos R$ 30 milhões para menos de R$ 1 milhão por mês. Reduções como essa ainda podem ser maiores, quando o Brasil começar a utilizar a rede elétrica(1) para a transmissão de dados. ;Agora imagine como as operadoras de telefonia não devem gostar dessa ideia;, comenta o professor.

1 - Pela tomada
A transmissão de energia elétrica no Brasil ocupa uma frequência muito baixa, da ordem de 60 hertz. Porém, os cabos que chegam até as tomadas têm capacidade muito maior: podem transmitir em megahertz ou gigahertz. Isso permitiria, por exemplo, o acesso à internet via rede elétrica, com a instalação de um modem na saída da tomada.