Por onde passa ; e por onde ainda vai passar ;, o Google Street View (1) provoca debates acalorados sobre a privacidade das imagens e informações coletadas. Afinal, a rua é pública, mas ninguém gostaria de ter uma foto constrangedora, o mínimo que fosse, circulando pela internet. Uma das formas de resolver esse problema seria simplesmente apagando as pessoas das imagens. Foi isso que um aluno de ciência da computação da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, fez. Com ajuda de técnicas de visão computacional, ele conseguiu resultados muito melhores do que os borrões hoje utilizados no serviço.
O projeto de Arturo Flores começou como um trabalho de faculdade, em janeiro deste ano. A ideia original era remover todos os tipos de coisas encontradas em cenas urbanas: árvores, carros, postes, telefones públicos, caixas de correio, pedestres. ;Mas isso se mostrou muito difícil. Um jeito de deixar mais fácil foi focar na remoção apenas dos pedestres;, conta o estudante de 33 anos, aluno do segundo ano do curso de computação. A delimitação da pesquisa gerou uma série de fotografias engraçadas, uma vez que as pessoas sumiram, mas não os objetos carregados por elas (veja quadro).
Para apagar as pessoas, Arturo usou diversas imagens da mesma cena, captadas de múltiplos ângulos. Em determinada foto, o pedestre estava bloqueando parte do fundo, mas em outra, não. Com isso, o estudante tinha em mãos as peças para montar uma espécie de quebra-cabeça. O processo, chamado de homografia, usa partes de diversas imagens para completar pedaços ocultos em outras. ;Usamos um (sistema) detector de pedestres e os colocamos em uma caixa delimitadora. Os pixels dentro dessa caixa delimitadora são recolocados conforme os pixels correspondentes da outra imagem;, detalha Arturo.
;O mais interessante é que esse projeto começou como uma pesquisa de classe de 10 semanas e se transformou em algo bastante útil, um software que pode ter impacto social tangível;, diz o professor da Universidade da Califórnia Serge Belongie, que orientou a pesquisa com o Google Street View. O programa, que ainda não tem nome, é voltado principalmente para ambientes urbanos. Isso porque a técnica adotada por Arturo funciona apenas em superfícies planas. É possível fazer as pessoas que estão em frente a uma parede desaparecerem, mas isso não ocorre se o fundo for composto por carros em uma rodovia.
O professor Serge acredita que a invenção de Arturo pode ser uma importante ferramenta para garantir a privacidade das pessoas fotografadas pelo serviço do Google, apesar de a companhia ainda não ter feito contato com o pesquisador. ;Pode haver, também, a demanda por uma visualização em camadas, na qual o usuário do Google Street View poderia apertar um botão para fazer as pessoas em frente a uma loja desaparecerem, simplesmente por uma questão estética;, sugere o professor.
A expectativa de Serge é que o sistema também possa ser usado em outros projetos. Um aluno da Universidade da Califórnia, por exemplo, trabalha com um programa que facilita a leitura do que está escrito em fachadas de lojas por deficientes visuais. ;Remover pedestres das cenas seria uma forma válida de melhorar a habilidade do software para ler esses textos;, aposta o docente, especialista em ciência da computação e engenharia elétrica.
No Brasil
Atualmente, o Google utiliza carros equipados com uma espécie de antena, que levam câmeras giratórias a, pelo menos, 150 cidades em todo o mundo. No Brasil, as imagens começaram a ser captadas em julho do ano passado, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Trinta veículos estão percorrendo cerca de 1 milhão de quilômetros de vias urbanas, fazendo fotografias em 360; no eixo horizontal e 290; no vertical. Ainda não há previsão para que o conteúdo seja disponibilizado na internet.
Para captar as imagens, a companhia não pede autorização de pedestres ou estabelecimentos comerciais. A única coisa que procura garantir a privacidade das pessoas é o borrão no rosto e nas placas de veículos. O recurso, porém, pode não ser suficiente para preservar a identidade dos indivíduos. A soma do endereço da foto, da roupa que a pessoa está usando, da existência de tatuagens, por exemplo, pode ;denunciar; quem é o pedestre. Para se ter uma ideia, na Alemanha, o governo obrigou o Google a oferecer aos moradores de 20 cidades a opção de não estar no Street View. Quem não quiser ter a casa exposta deve preencher um formulário antes do início da captação das imagens.
O advogado Raphael Loschiavo, especialista em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro, não acredita que o serviço gere tanta polêmica no Brasil. ;A lei não pressupõe que existe intimidade em um lugar público, mas o uso indevido da imagem pode, sim, ser considerado uma ofensa;, esclarece Raphael. Nesses casos, a pessoa que se sentir lesada pode pedir para o Google retirar a imagem da web. ;Eu não creio que haverá aumento no número de ações por aqui;, diz o especialista. ;O brasileiro não se preocupa muito com a questão da intimidade na internet, basta ver o perfil de uso de sites como o Orkut e o Facebook.;
1 - Ao alcance dos dedos
O Google Street View, lançado em 2007, permite ao usuário a visualização de diversos pontos do planeta em 360; através da internet. Com a ferramenta, é possível observar prédios, carros, ruas e pessoas fotografados pelos veículos da companhia.
Adaptações ainda precárias
O homem sumiu
Em um dos testes, Arturo Flores conseguiu fazer o senhor de blusa azul desaparecer de frente de uma porta de vidro. Como a superfície do fundo é plana, o estudante não teve dificuldades para retirar o pedestre.
O guarda-chuva vive
Na frente desse prédio, uma cena inusitada: após a aplicação da ferramenta criada na Universidade da Califórnia, a mulher se foi, mas não o guarda-chuva carregado por ela. Nas próximas etapas da pesquisa, Arturo pretende desenvolver homografias para resolver o problema.
Cadê o dono?
Em outra cena bastante comum nas grandes cidades, um jovem leva seu cão para passear. O programa de Arturo faz o rapaz sumir da foto, mas o cachorro permanece.