Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Pesquisadores desenvolvem calçado para atletas que regula a temperatura e alcança o nível de calor ideal

Especialistas advertem, no entanto, que medidas de segurança devem ser tomadas para evitar complicações vasculares

Imagine correr em um asfalto quente ou andar em um gramado molhado em pleno inverno sem ter a temperatura dos pés alterada. É isso que promete um novo tênis desenvolvido por pesquisadores do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Franca, no interior de São Paulo. A novidade, batizada de Hybrid Thermic Shoes, um sistema elétrico abastecido por pilhas comuns do tipo AA, aquece ou resfria os pés segundo o interesse do usuário. A invenção, segundo seus criadores, pode ser útil tanto para atletas ; profissionais ou de fim de semana, quanto para pessoas que costumam ter problemas com o controle da temperatura dos pés, como diabéticos e idosos.

De acordo com Alberto Lima, orientador do projeto, todas as partes do tênis foram pensadas para garantir que ele seja o mais confortável possível. ;O material que a parte externa é feita é o mesmo de roupas de mergulhador, o que garante a impermeabilidade. Já a parte interna é de uma lycra especial, que se adapta a todos os formatos de pé;, afirma Alberto. ;Assim, se uma pessoa tem o pé torto, calo, ou qualquer problema, ela poderá utilizar o tênis com o mesmo conforto;, conta.

Para manter a temperatura próxima do ideal, o calçado possui um pequeno circuito que mantém o interior do sapato entre 29;C e 35;C, considerada por especialistas a ideal para os pés . ;Embaixo da palmilha existe uma pequena chave, que a pessoa pode ajustar para aquecer ou resfriar a parte interna do tênis. Mesmo assim ela não ultrapassa esses limites de temperatura, o que garante a segurança do calçado;, afirma Alberto. ;Isso só é possível devido ao uso de umas placas de cerâmica localizadas na parte de cima do tênis, que retiram ou fornecem calor para a tênis;, afirma.

Fenômeno
Este duplo funcionamento é possível graças a um efeito conhecido como Peltier (1). Quando a corrente elétrica que aquece o tênis passa pelo interior dessas placas, uma face se aquece e a outra se resfria. ;Isso garante que o calor da parte interna seja ;jogado para fora;, deixando a parte de dentro mais fria;, explica Alberto. ;Quando o sentido dessa corrente se inverte, a placa usa o calor da área externa para aquecer a parte interna do sapato, deixando quentinho;, completa o pesquisador.

Esportistas que precisam se exercitar em quadras e terrenos muito quentes serão alguns dos beneficiados pela tecnologia desenvolvida em Franca. Este é o caso do fisioterapeuta Diogo Pena, 23 anos. ;Quando vou jogar futebol sinto especialmente esse problema. A quadra, e às vezes o campo de futebol, estão muito quentes e acabam esquentando muito os pés;, conta Diogo. ;Com certeza ter uma ferramenta que minimizasse esse problema seria bastante útil; afirma.

Para ele, no entanto, existem alguns outros aspectos que devem ser observados neste caso. ;É importante que o amortecimento não seja comprometido. Não adianta um tênis que deixe seus pés frescos, mas que não amortece os impactos;, afirma, como corredor e como fisioterapeuta. ;Outro aspecto que não deve ser deixado de lado é o peso. Para nós que praticamos esporte é importante que o calçado não pese muito e não atrapalhe na corrida;, completa Diogo.

Quem concorda com o fisioterapeuta esportista é o dermatologista Gilvan Alves. Para ele, este tipo de trabalho seria especialmente útil para quem mora ou visita regiões muito frias. ;Acho que esse tipo de invenção pode ser interessante para locais cujas temperaturas durante o inverno chegam a abaixo de zero;, afirma o médico. ;Nesses casos uma temperatura muito baixa realmente poderia comprometer a circulação e causar até mesmo problemas mais sérios, como gangrenas e amputações;, explica.

Apoio
Ele lembra também que é importante que o calçado tenha um peso baixo e que absorva o impacto, como também observou Diogo. ;Não sei como vai funcionar isso neste tênis, mas para que ele tenha algum sentido é essencial que ele seja bem leve e possibilite a respiração e a transpiração dos pés;, afirma Gilvan Alves. ;Do contrário, a relação custo-benefício não seria tão vantajosa;, conclui o especialista.

A invenção foi uma das vencedoras da feira de inovação promovida pelo Senai anualmente, e selecionada para exposição na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada pela Universidade de São Paulo (USP), no início do ano.

Segundo os criadores, ainda não há previsão sobre o prazo para o produto chegar aos consumidores. ;Estamos trabalhando para melhorar o projeto, tanto nos materiais quanto nos custos de produção, para que ele seja viável comercialmente;, explica Alberto. ;Também estamos esperando o interesse de alguma indústria de calçados para criarmos uma parceria para o desenvolvimento do produto;, completa seu criador.

1 - Dupla energia

O efeito Peltier é a produção de um gradiente de temperatura em duas junções de dois condutores feitos de materiais diferentes quando submetidos a uma corrente elétrica. Foi observado pela primeira vez em 1834 pelo físico francês Jean Charles Athanase Peltier. Na verdade, o fenômeno termelétrico resulta em dois efeitos que podem ser considerados como diferentes manifestações do mesmo fenômeno físico.