Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Executivos virtuais

Competições via softwares de gerenciamento de negócios ganham espaço e hoje chegam a ser utilizadas até mesmo para a contratação de funcionários. Jogos simulam a atuação de líderes empresariais na indústria, no comércio e na área de serviços

Que tal passar o sábado em frente ao computador, disputando com colegas o prêmio de um jogo virtual? O que parece ser bem interessante ; e bem comum ; para viciados em games também atrai profissionais engravatados, que gastam horas discutindo as melhores estratégias. Os jogos empresariais, antigamente restritos aos tabuleiros, chegaram às máquinas e hoje são utilizados por uma extensa rede de instituições de ensino superior, na graduação e na pós. O game para executivos deu tão certo que já foi utilizado, até mesmo, por empresas na seleção e no treinamento de funcionários.

Os jogos empresariais surgiram em 1950, nos Estados Unidos, e começaram a chegar ao Brasil cerca de 15 anos depois. Naquela época, a ;competição; não era sequer em tabuleiros: resumia-se a uma disputa em meio a montanhas de gráficos e números. Com o advento do computador, o processamento dos jogos ficou muito mais rápido. Mesmo assim, a primeira empresa brasileira especializada no desenvolvimento de softwares desse tipo só foi surgir em 1992, em Florianópolis. ;Até então, esses games traziam dinâmicas para estimular a criatividade e o trabalho em equipe, mas não havia uma grande cobrança técnica. Os jogadores não precisavam pensar muito em estratégias de gestão;, conta André Venâncio, gerente de marketing da Bernard Sistemas, a pioneira no Brasil.

A empresa cria softwares que simulam a atuação gerencial em cada um dos setores da economia: indústria, comércio e serviços. No primeiro, o principal foco do programa é a parte de produção, compra de insumos, controle de estoque, logística de distribuição. Na parte comercial, o desafio dos jogadores é estabelecer políticas de compra e venda que garantam o fluxo das diversas mercadorias. Por último, gerentes de negócios de serviços precisam garantir alta qualificação e consultoria especializada.

André Venâncio ressalta, no entanto, que todas as empresas virtuais são completas: cada jogador é responsável por uma área e há um líder do grupo. O software da Bernard Sistemas permite que até oito grupos ; ou oito empresas ; joguem. A concorrência é feita com os colegas e o computador simula o comportamento do consumidor. ;O simulador também dá espaço para que o professor ou instrutor do treinamento defina com a turma qual será o foco das atividades das empresas;, completa Venâncio.

Outra fabricante de softwares de simulação gerencial é a Simulation, no Rio de Janeiro. O diretor da instituição, Felipe Spinelli, explica que os programas são desenvolvidos a partir de algoritmos específicos para a lógica empresarial. A Simulation é parceira da Fundação Getulio Vargas e oferece, ao fim dos cursos de MBA (1), módulos para que os alunos apliquem seus conhecimentos. ;Esse formato de ensino tem crescido muito nos últimos anos. Com os simuladores, o aluno passa a ser o centro do processo. Ele realmente consegue testar suas estratégias e, com isso, o aprendizado se fixa melhor;, diz Spinelli.

Aluno do MBA em gestão de negócios com ênfase em estratégia da FGV, o empresário André Lima, 26 anos, estava no grupo ;campeão; da simulação gerencial. A ;empresa; de André tinha outros cinco ;funcionários; e produzia computadores. ;A gente conseguiu colocar a teoria na prática mesmo. No meio do jogo, já estávamos agindo intuitivamente. Também conseguimos perceber que dá para arriscar no mercado financeiro de forma controlada;, diz André. O jogo tem duração de oito meses. Isso não significa que os alunos ficam oito meses com a responsabilidade de gerir a empresa virtual. Cada mês corresponde a uma rodada e as rodadas terminam, no caso do curso de André, em 24 horas/aula.

Além de competir com os colegas de turma e de enfrentar o comportamento do ;consumidor;, os jogadores também enfrentam crises econômicas, desastres ambientais, guerras, como costuma ocorrer no mundo real. O professor da disciplina pode inserir variáveis de turbulência no game para estimular ainda mais a criativadade dos estudantes. Para o servidor público Clóvis Lores, 25 anos, colega de André, o simulador o deixou mais próximo da realidade organizacional. ;Eu não sou formado em administração, isso me preparou mais para lidar com minha profissão;, avalia o jovem, que trabalha no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Falta prática
O professor Antônio Sauaia, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo, acredita que os jogos empresariais também cumprem papel importante na aproximação entre o mundo corporativo e a academia. Sauaia, que coordena o Laboratório de Gestão da USP, afirma que as organizações operam com linguagem prática em 95% das vezes. Paradoxalmente, as escolas de administração, contabilidade e economia têm currículos em que a teoria ocupa 95% do tempo e a prática, apenas 5%.

Por conta disso, o Ministério da Educação editou regulamentos no começo dos anos 2000, incentivando o uso de novos métodos educacionais (2) ; entre eles, os simuladores gerenciais. ;Ainda há um abismo entre a academia e as empresas. No Laboratório de Gestão da USP, estudantes e executivos que participam das oficinas são orientados a usar as ferramentas de gestão para compreender e agregar valor às organizações;, afirma o professor Sauaia. No caso das oficinas, feitas em parceria com a Fundação Instituto de Administração (FIA), os executivos entregam, em quatro páginas, o resultado da pesquisa feita com ajuda dos simuladores. Já os estudantes de pós-graduação elaboram artigo científico de 20 páginas.

A equipe do professor Sauaia já ajudou a selecionar estagiários para a direção da empresa de embalagens Dixie Toga. Os simuladores foram usados em três etapas da seleção, reduzindo de 256 para oito o número de concorrentes. ;A máquina ajudou a escolher os trainees em um processo vivo de tomada de decisão, muito mais eficiente que uma entrevista, em que palavras são apenas palavras;, conta o professor. Os jogos empresariais também já foram utlizados por grandes empresas, como a NET, o Boticário, o Carrefour e a Unilever.

Sílvia Mendes Azevedo, coordenadora de Recursos Humanos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, conheceu softwares de simulação gerencial em 2008, durante um congresso do setor de RH. Sílvia ficou impressionada com o ambiente amigável dos programas e com a interatividade que os aplicativos proporcionam. Mas ela acredita que os softwares só são realmente funcionais para selecionar empregados de alto escalão. ;A proposta é muito interessante e bastante válida para funções que têm perfil competitivo. Não acho que isso poderia ser usado para escolha de pessoal operacional;, opina.

1 - Visão empresarial
MBA é a sigla em inglês para master of business mdministration, ou mestrado em administração de negócios. A expressão surgiu nos Estados Unidos e foi popularizada por aqui com a explosão de cursos de pós-graduação na década de 1990. O MBA pode ser feito por pessoas formadas em diversas áreas. O curso aproxima o aluno de todos os assuntos relativos à gestão de um negócio: marketing, recursos humanos, controle de produção e vendas, entre outros.

2 - Faz de conta a distância

Outra invenção que contribuiu para difundir o uso dos simuladores de gestão foi a internet. Os jogadores podem acessar o game a distância e competir com colegas espalhados em vários cantos do país. A diferença é que, a distância, os estudantes testam as estratégias de gestão individualmente, deixando o debate com o grupo para os fóruns de discussão.

Leia mais sobre a simulação gerencial:

O Laboratório de Gestão da USP e a Fundação Instituto de Administração (FIA) organizam periodicamente oficinas de vivência empresarial. Nesses encontros, profissionais da área de negócios, pesquisadores, consultores e docentes discutem decisões gerenciais e as aplicam em softwares de simulação organizacional. O aprendizado ocorre pelo método indutivo (problema primeiro, teorias depois), ao contrário do tradicional método dedutivo (teoria primeiro, prática depois).

Nesta segunda e terça-feira, 17 e 18 de maio, será realizada em São Paulo uma oficina preparatória para o 7; Congresso Internacional de Gestão de Tecnologia e Sistemas de Informação. A oficina terá 16 horas de duração. Para mais informações, acesse o site da FIA () ligue para (11) 3091-5985.