Noeme Rocha da Silva, 49 anos, ficou cega depois de sofrer um acidente automobilÃstico há duas décadas, na Ponte das Garças, no Lago Sul. Ainda assim, enfrentou e ultrapassou todos os obstáculos que a acessibilidade precária no Brasil colocou em seu caminho. Ela cursou a faculdade de filosofia, fez pós-graduação em gestão de pessoas e deve concluir, no fim deste ano, o segundo curso superior, em assistência social. Noeme é uma das cerca de 23,7 milhões de pessoas portadoras de necessidades especiais no paÃs (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica, IBGE) que podem ser beneficiadas com o aperfeiçoamento do atual sistema de reconhecimento de voz por computadores. Um grupo de pesquisadores da Universidade de BrasÃlia (UnB) estuda maneiras de reduzir a margem de erro e produzir sistemas mais eficientes. O bom desenvolvimento dessa tecnologia é um passo gigantesco para melhorar o grau de acessibilidade de portadores de necessidades especiais. Além disso, o recurso pode ser transformado em mais segurança e comodidade.
Durante a calibragem da máquina que irá reconhecer os comandos, os cientistas trabalham com um programa que faz a caracterização do áudio gravado, usando informações do funcionamento do sistema auditivo humano. "Os ruÃdos atrapalham bastante todo o sistema de reconhecimento de voz. O nosso maior desafio é atingir bons resultados em ambientes externos, porque, no laboratório, o percentual de acerto chega a 100%", explica Bruno de Assis Rolim, integrante do grupo que pesquisa o assunto na UnB. "A questão do reconhecimento de comandos é bem resolvida no campo da inteligência artificial (1). O gargalo do estudo é o treinamento, a calibragem do sistema. Quanto mais precisa for essa etapa, melhor será o resultado final", completa o cientista.
Longe dos ambientes ideais dos laboratórios, a fragilidade nos sistemas de reconhecimento de voz atualmente disponÃveis no mercado é latente em situações muito simples. A tentativa de uma ligação em um telefone celular é frustrante. Ao ordenar um telefonema para alguém chamado Mauro, o usuário frequentemente pode ser conectado com outro, por exemplo, de nome Lauro.
No caso de Noeme, a aplicação prática do sistema de reconhecimento de voz por computadores, quando resultados expressivos forem alcançados, poderá ser encontrada em inúmeras situações. No ambiente acadêmico, por exemplo, onde Noeme paga uma pessoa para acompanhá-la nas aulas, ajudá-la com a leitura dos materiais de apoio e digitar os trabalhos do curso, um computador poderia resolver esses problemas. Para tanto, depois de dizer em qual sala teria aula, um aparelho de GPS daria as coordenadas para que a estudante pudesse andar pelos corredores da universidade. Um computador equipado com o programa de reconhecimento de comandos seria capaz de ler textos e digitar os trabalhos para Noeme.
"Com certeza, esse tipo de recurso iria facilitar a minha rotina. Não é muito fácil encontrar livros em braille (2) nas faculdades. O esforço dos portadores de necessidades especiais é muito grande, e todo tipo de tecnologia é bem-vinda para melhorar as nossas vidas", avalia Noeme. Ela ainda explica que cada página impressa com tipografia comum equivale a quatro páginas em alfabeto braille. "Eu demoraria menos tempo escrevendo, carregaria menos peso para os lugares, além de economizar um bom dinheiro. Isso faria com que eu conseguisse alcançar com mais tranquilidade o meu objetivo de fazer um pós-doutorado", diz.
Ouça entrevista com o cientista Bruno Rolim