Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Aliar visual moderno à funcionalidade é o principal desafio das fabricantes de eletrônicos

Ideias incessantes, trabalho árduo e conversações intensas entre diversas áreas de uma fabricante de equipamentos para chegar a uma simples palavra que sintetiza o sucesso de um projeto. ;Quando o consumidor pega o produto, aperta um botão e diz ;uau!’, temos a certeza de que ele foi bem feito;, conta Cláudio Ribeiro, um brasileiro que se mudou nos anos 1990 para os Estados Unidos e atualmente comanda a equipe internacional de design da Motorola. Pensada de forma minuciosa para seduzir o usuário, a estética de um equipamento tem se tornado cada vez mais importante no setor de consumo eletrônico. No entanto, desenvolver um projeto para produção em série, considerando aspectos estéticos subjetivos, viabilidade comercial e técnica, sem perder de vista a usabilidade dos aparelhos, é o principal desafio enfrentado pelos times de design das maiores companhias do mundo.

Uma tendência visual que vem crescendo nos últimos anos é a do design mais contido, que esconde toda uma complexidade que existe por trás do seu projeto. ;Muitas vezes a experiência que o cliente tem com o produto é mais importante que o produto em si;, defende Ribeiro, responsável pela criação de celulares que correram o mundo como o Razr V3x, VN5 e i9. ;Obviamente temos que criar um produto que desperte desejo no consumidor, mas sempre buscamos, com o design, simplificar o que é complicado para o usuário;, diz.

O processo de criação de um eletrônico pode acontecer por vários caminhos. O mais comum deles é partir da própria necessidade de mercado, em que a equipe de marketing de uma marca detecta uma oportunidade e solicita o desenvolvimento de um novo produto focado em um determinado nicho. Depois disso são feitos diversos esboços que levam em consideração aspectos apontados em pesquisas de mercados que pretendem entender os desejos dos consumidores. ;Nesse momento, os times de criação e engenharia das companhias trabalham bem próximas, desenvolvendo produtos que atendam as diferentes necessidades dos consumidores;, explica o vice-presidente de desenho industrial para consumidor final da Dell, Ed Boyd. O próximo passo, então, são os protótipos e testes, até chegar ao resultado final.

Fuga do padrão
Nesse contexto, a inovação é algo buscado a todo momento. Um ângulo distinto, uma função que foge do padrão, um toque moderno que dê um ar diferenciado ao modelo no meio de tantos concorrentes. Porém, mais do que inventar um desenho próprio, o design tem que estar alinhado com as necessidades do público. ;A cada 10 produtos lançados no mercado, oito fracassam;, conta Fábio Righetto, fundador da Domus Design. ;Não se justifica criar um item só para ele ser diferente. O design tem que se justificar, respondendo a um determinado problema de uma maneira criativa;, aponta Righetto, lembrando que aspectos como responsabilidade social e ambiental também devem compor a lista de prioridades de uma equipe de criação.

Na incessante busca, por meio do design, da saída para um problema, a solução pode nascer longe da mesa de reunião de uma empresa. ;Eu costumo dormir com post-its na cabeceira da cama para anotar os insights que tenho durante a noite. Acho que, quando estamos relaxados, algumas boas ideias surgem com facilidade;, relata o executivo da Motorola, revelando que importantes detalhes que constituíram alguns dos produtos de maiores sucesso da fabricante de celular nasceram de lampejos tidos, por exemplo, quando Ribeiro estava debaixo do chuveiro ou dentro de uma piscina.

A inspiração também pode vir das coisas mais banais que fazem parte do cotidiano das pessoas. ;Passamos muito tempo buscando ideias fora da indústria. O Adamo (notebook de luxo da Dell), por exemplo, teve muita influência dos relógios Swiss. Procuramos reunir a pureza e a incrível atenção dada aos detalhes que ela (a fabricante suíça) transmite;, revela Boyd.

Apesar de estar muitas vezes diretamente relacionada com a questão do status, os profissionais do setor defendem que o design não deve ser mais um fator que diferencie as classes sociais. ;O designer deve trabalhar pensando no consumidor, seja ele qual for. Quando há uma valorização do produto ; e ele se torna mais caro por causa do seu visual ;, há uma elitização, e isso não é bom;, opina Righetto.


; Perfil
A mente criativa da Apple

Poucas empresas no mundo se relacionam tão profundamente com a questão do design quanto a Apple. Dona de inúmeros produtos que mudaram diferentes segmentos da indústria eletrônica, a marca se reinventa a cada lançamento. E o principal responsável pelas linhas harmoniosas e ao mesmo tempo revolucionárias da Maçã é Jonathan Ive.

Líder do departamento de design industrial da empresa desde 1996, Ive atuou, ao lado do fundador Steve Jobs, na criação de uma série de produtos de sucesso que iniciou a retomada de crescimento da companhia. O primeiro deles foi o iMac G3 translúcido, que revolucionou o mercado de computadores pessoais, dando um fim à ditadura bege dos micros, oferecendo equipamentos com o CPU integrado ao monitor em diversas cores como vermelha, azul e verde. Na sequência vieram outros lançamentos que mexeram com o mercado, como o iPod, com o seu inovador sistema de scroll wheel, e o iPhone, com uma interface que mudou a forma de interação com o celular. Tido como um cara tímido, Ive se esforça, com sua equipe, para descomplicar a tecnologia e torná-la o mais simples possível para o usuário. ;Tentar simplificar e refinar é algo muito desafiador. Fazemos montes de protótipos: o número de modelos que criamos para chegar a uma solução chega a ser embaraçoso, mas é uma parte positiva do que fazemos;, disse o designer em uma entrevista reproduzida por Leander Kahney, no livro A cabeça de Steve Jobs, em que conta a trajetória do fundador da empresa de São Francisco.

Em 2003, Ive foi eleito o designer do ano pelo Museu de Design de Londres e pela Sociedade Real de Artes. Também recebeu, das mãos da rainha Elizabeth II, da Grã-Bretanha, o título de Comandante da Mais Excelente Ordem do Império Britânico. Já a conceituada revista norte-americana Fast Company foi ainda mais longe e o elegeu como a mente mais criativa do mundo dos negócios. Nada mau para quem, na época da faculdade, chegou a declarar que não tinha a menor afinidade para lidar com computadores.