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Entrevista Amanda Ribas

Estrela do evento realizado em Brasília, a ex-judoca fala ao Correio sobre a guinada na carreira e fama de musa do MMA

Correio Braziliense
postado em 16/03/2020 06:09


Do sonho olímpico ao UFC

Faixa preta em jiu-jitsu e judô, a brasileira Amanda Ribas teve de adiar a expectativa de lutar no UFC diante do tradicional “caldeirão” que a torcida brasileira faz nas arquibancadas em dia de evento. A primeira luta dela pela organização em solo brasileiro não contou com público, em cumprimento ao decreto do GDF que proibiu aglomerações por causa da pandemia do novo coronavírus. Mas essa não foi a primeira vez que a lutadora de 26 anos teve de adiar um sonho no esporte.

Filha do também lutador Marcelo Ribas, Amanda começou a treinar artes marciais com o pai aos três anos. Experimentou fazer dança quando os colegas da escola zombaram que ela ficaria muito forte no jiu-jitsu. Mal sabiam que, anos depois, se tornaria uma lutadora de UFC com fama de “musa”. “A coisa legal disso é para as meninas verem que dá para ser musa e lutar”, defende, a atleta do peso-palha.

Como judoca, dividiu quarto com Ketleyn Quadros, a primeira medalhista olímpica mulher do Brasil em esportes individuais e chegou a ser selecionada para a seletiva dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, mas se lesionou e ficou fora. A lesão lhe custou duas cirurgias no joelho direito no intervalo de um ano e a afastou do esporte. A volta já foi no MMA. Quando alcançou a sexta vitória, em 2017, foi convidada para integrar o UFC. O que era para ser um sonho virou o segundo drama da vida de Amanda Ribas.

Flagrada no exame antidoping antes da primeira luta, ela foi punida com dois anos de suspensão. Quando havia cumprido 1 ano e 8 meses, teve a inocência comprovada. Amanda havia tomado um suplemento contaminado. Bem humorada, a mineira de Varginha estava na 15ª posição do ranking do peso-palha quando encarou — e venceu — a norte-americana Randa Markos no sábado. Antes da exibição em Brasília, havia somado duas vitórias em duas lutas. Sobre Emily Whitmire, dos EUA, por finalização com um mata leão. E com a também brasileira Mackenzie Dern, por decisão unânime.


O seu gosto pelas lutas marciais já começou em casa, com o seu pai Marcelo Ribas. Como é a relação da sua família com a sua carreira?
Tenho uma relação muito boa com o meu pai. Brigamos muito também, por ter tanta intimidade. Às vezes, só no meu olhar ele já sabe o que eu estou sentindo, o que tenho de melhorar. Minha mãe chegou a fazer luta, mas hoje cuida da administração da academia. Meu irmão já lutou, agora é o meu preparador físico. Minha irmãzinha, 10 anos mais nova do que eu, ajuda na academia também. Tá todo mundo no meio da luta. Essa relação é muito importante para mim, porque no esporte precisamos de pessoas em que confiamos totalmente. Para eu poder focar na luta, na dieta, tudo certinho, eu preciso de alguém por trás de mim para olhar o meu marketing, contratos, patrocinador… Até pra dirigir, que meu pai sempre me ajuda.

Então você não sofreu nenhum tipo de preconceito na famíliapor ser mulher no ambiente de luta?

Com a minha família, eu nunca senti preconceito pela luta estar na minha família. Mas na escola, quando era mais nova, eu até parei de lutar por uma época. Por volta dos 12 a 13 anos, eu estava começando a ficar fortinha. Querendo ou não, com os treinos o corpo começa a ficar mais definido. Tanto na escola quanto na academia ficavam falando: “Amanda, vai ficar muito forte. Vai ficar parecendo homem”. Isso pesou um pouco na minha cabeça. Mudei para a dança, fiz jazz, apresentei em teatro, mas eu sentia que estava faltando alguma coisa. Umas amigas estavam viajando com o judô, foi quando falei para o meu pai que queria voltar a treinar. Ele me respondeu que eu só voltaria para o jiu-jitsu se entrasse no judô, para melhor no jiu-jitsu. Depois fui me destacando no judô.

Você é faixa preta em judô e chegou a sonhar com os Jogos Olímpicos de Londres-2012. Como foi esse momento da sua vida?
Depois que eu comecei a me destacar no judô, fui morar em Belo Horizonte com 14 anos para treinar no Minas Tenis Clube. Foi um período muito importante para mim, porque morei em república, morei com a primeira medalhista olímpica no esporte individual, a brasiliense Ketleyn Quadros inclusive, foi muito legal, cresci muito. Era o meu sonho ir às Olimpíadas, mas me machuquei muito no judô. Depois da minha segunda cirurgia, eu fiquei muito decepcionada. Voltei para casa para estudar, a minha família me acolheu. Mas eu nem queria mais fazer esporte. Só que, sabe aquele foguinho de competidor? Estava sentindo falta. Enquanto isso, eu via o meu pai treinando uns amigos para uma seletiva do MMA amador e isso me incentivou a disputar também. Depois, fui ao Mundial Amador de MMA, ganhei em Las Vegas. E depois me profissionalizei na modalidade.

Outro drama que você viveu foi com a suspensão por doping logo na entrada para o UFC. Como foi receber essa notícia e como foram os dois anos sem poder lutar?
Eu tinha acabado de assinar com o UFC, estava feliz pra caramba, já tinha a minha primeira luta. Eu estava nos Estados Unidos quando o meu professor me ligou avisando que eu tinha caído no meu primeiro exame de doping no UFC. Foi um susto para mim, porque estava fazendo tudo direitinho, dieta, treino. Até então eu não sabia como eu podia ter caído no doping. Passou até pela minha cabeça alguém ter colocado alguma coisa na minha garrafa. Fiquei tentando provar a minha inocência, não deu. Levei punição de dois anos. Fiquei muito triste no começo, porque estava sem os meus pais. Mas o meu empresário e meu professor dos Estados Unidos me deram todo o suporte e eu continuei treinando. Nesse tempo que fiquei parada, aproveitei para conhecer mais o UFC, fui a muitos eventos. Tem muita coisa, é uma estrutura muito grande e estudei muito.

E, já no fim da suspensão, você foi absolvida do doping.
Quando tinha 1 ano e 8 meses de suspensão, o meu empresário ligou dizendo que o UFC concluiu que eu estava limpa naquela época. Falaram que foi uma contaminação de suplemento na urina. Quando me avisou isso, eu chorei de felicidade. Só sabia chorar. Agradeci. Nesse tempo, eu aproveitei para estudar muito, para me preparar a lidar com a pressão, a aprender como falar com a mídia, como tirar foto legal, fazer vídeo… Para aproveitar o melhor do UFC.

Como se sentiu na sua primeira luta no UFC?
Quando fui liberada da suspensão do doping, eu queria lutar. E já veio uma luta contra a Emily Whitmire e foi muito bom. Adorei as entrevistas, a pesagem, tudo! Eu estava receosa antes da primeira luta, porque foi contra uma americana, lá nos Estados Unidos. Mas eu escutava só o pessoal gritando e imaginava que era para mim (risos). Foi muito doido quando entrei no octógono, porque eu jogo videogame e me imaginei no joguinho. Aquela lona branca linda lotada, os flashes... Foi muito bom.

Você é nascida em Varginha, Minas Gerais, e agora se divide entre ela e a Flórida. Como é essa divisão?
Moro em Varginha, minha cidade. Lá tem muita gente que compete e os treinos são muito bons para mim. Quando tem luta, vou um mês antes à Flórida, nos Estados Unidos, para ajustar o fim da preparação para a luta.Sobre as saudades de casa… Da comida sempre dá saudade, porque fico de dieta mas continua assistindo Masterchef, fico babando nas comidas da minha mãe. Eu adoro comer. Depois da luta, eu só como.

Quais são seus pontos fortes no octógono?
Gosto de levar a luta para o chão, por causa do meu judô e meu jiu-jitsu, mas o meu psicológico é muito bom. Meu ponto forte é a cabeça depois de ter passado por tantas coisas e por competir desde novinha.

Quais tipos de imagens você, como uma lutadora mulher, acha importante quebrar para as meninas que sonham em se tornar lutadoras também?
Existe um estereótipo de que lutadora tem de se vestir igual homem, de que não pode fazer a unha, que tem de falar grosso. Eu não acho nada disso. Cada um tem o jeito que acha melhor, mas eu gosto de fazer a unha, gosto de usar um shortinho e um top, não gosto de grosseria. Não acho que para lutar bem tem de ser bruto com alguém. A força está na cabeça, na técnica. É possível impor respeito com uma unha rosa e um mata leão (risos).

Você já foi chamada de musa do UFC. O que acha disso?
Eu acho legal, porque estou solteira (risos). Mas eu não me vejo assim. Acho que o pessoal ainda não tirou foto minha na rua andando descabelada. A coisa legal disso é para as meninas verem que dá para ser musa e lutar. Porque colocam medo nelas dizendo que ficarão muito fortes e grossas por causa da luta. Eu sofri com isso sendo que era do meio do combate. Imagina as meninas que gostam de lutar, mas não cresceram nesse ambiente como eu? A Ronda Rousey, por exemplo, quebrou os tabus todos do UFC e serviu para mim como inspiração.

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