Fortaleza — Era 17 de julho de 1994. As mãos do goleiro Taffarel não estavam cansadas apenas de defender a trave do Brasil na campanha do tetracampeonato, inclusive o pênalti cobrado por Massaro no momento crucial da final contra a Itália, no Estádio Rose Bowl, em Pasadena, nos Estados Unidos. Também havia risco de lesão por esforço repetitivo de tanto distribuir autógrafos aos fãs dos heróis do quarto título do Brasil na Copa do Mundo. Foi assim na festa da conquista e no desfile apoteótico na volta ao país após o fim dos 24 anos de jejum. Fazia apenas quatro anos que o telefone celular havia começado a ser comercializado em território nacional. Obviamente, os tijolos, como eram chamados os aparelhos, não permitiam fotos. Serviam tão somente para telefonar.
Nove mil trezentos e sete dias depois daquela decisão, Brasil e Itália se reencontrarão hoje, às 21h30, no Estádio Presidente Vargas, numa partida batizada pela Confederação Brasileira de Futebol de “Seleção de Lendas”. A relação dos torcedores com a geração de Taffarel, Jorginho, Aldair, Bebeto, Mazinho, Zinho e companhia mudou e assusta os tetracampeões. “Rapaz, estava conversando sobre isso com a minha mulher, sobre a tietagem. Impressionante. Acabou a caneta, esqueceram o papel. Todo mundo só quer saber de selfie agora. Em 1994, a gente assinava bloquinhos, camisas da Seleção e até de times”, recorda o zagueiro Márcio Santos, ex-Gama, companheiro de Aldair no time titular comandado por Carlos Alberto Parreira.
Fissurado em redes sociais, Ricardo Rocha respondia a uma mensagem de WhatsApp, enquanto filosofava sobre a revolução no relacionamento dos jogadores com a torcida. “É o poder do celular. Abriu um campo de possibilidades. Realmente, raramente dou autógrafos. As pessoas querem foto para mostrar que estiveram comigo ou outro herói do tetra. Mais importante do que isso é eles entenderem o privilégio que estão tendo de assistir a uma partida em que campeões mundiais estarão em campo. Vinte e cinco anos depois, todos estão vivos.”
Bebeto era o mais assediado. Não conseguia dar dois passos sem ser tietado. Impressionava a paciência para atender a todos os fãs exibindo o sorriso simpático. O camisa 7 do tetra ignorou até o protocolo na caminhada em direção ao ônibus e atrasou o embarque rumo ao treino para deixar os fãs felizes. “Vocês merecem essa lembrança”, dizia, enquanto miravam o celular em direção ao rosto dele. O atacante chegou a gravar um vídeo ao lado de Jorginho e Zinho, que segurou a câmera durante a filmagem para uma fã do trio.
A interação dos torcedores com jogadores que prestaram serviços à Seleção Brasileira deve virar rotina. Mais do que uma homenagem aos protagonistas da final da Copa de 1994, o evento é considerado pela CBF o pontapé inicial para as exibições da Seleção Master. Lançada em 1987 pelo locutor esportivo Luciano do Valle, na chamada Copa Pelé organizada pela Tevê Bandeirantes, aquela Seleção não tinha vínculo com a CBF. A partir de agora, a entidade pretende retomar a ideia e torná-la uma atração em cartaz no Brasil e no mundo.
Por enquanto, o técnico permanente da Seleção Master é Carlos Alberto Parreira. É dele a responsabilidade de convocar a turma da velha guarda. “Esse projeto é sensacional. Os jogadores são ídolos. Os torcedores adoram vê-los e não podemos deixá-los longe da torcida. Essa primeira convocação foi mais seleta, relativa a jogadores campeões na Copa de 1994 ou que participaram da campanha nas Eliminatórias”, explicou o treinador do tetra. Há intenção de reunir em breve os heróis do penta. A conquista completará 20 anos em 2022.
“Impressionante. Acabou a caneta, esqueceram o papel. Todo mundo só quer saber de selfie agora. Em 1994, a gente assinava bloquinhos, camisas da Seleção e até de times”
Márcio Santos, zagueiro
“Nada melhor do que começar a Seleção Master em Fortaleza, diante de um público que sempre nos acolheu tão bem. Mais do que celebrar, queremos nos confraternizar com a Itália”
Taffarel, goleiro
Sacchi lembra um trauma brasileiro: 7 x 1
Mentor do revolucionário Milan bicampeão da Copa dos Campeões da Europa (atual Champions League), em 1989 e 1990, e treinador da Itália na Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, o técnico Arrigo Sacchi foi “sincerão” e causou uma saia justa na entrevista coletiva após o treino de ontem no gramado do Estádio Presidente Vargas.
Questionado sobre a evolução tática dos dois países, Sacchi citou o 7 x 1 e deixou Carlos Alberto Parreira sem graça ao criticar os treinadores brasileiros. “A Itália é difícil mudar. Culturalmente, não muda. Hoje há mudanças, mas precisamos de coragem e inovação. Isso está acontecendo. No momento, o Brasil está um pouquinho atrás. Não se pode jogar futebol individualmente. A final com a Alemanha traumatizou o futebol brasileiro”, criticou. Parreira era coordenador técnico de Luiz Felipe Scolari na Copa do Mundo de 2014.
Perguntado se a Seleção de 1994 tinha alguma pitada de Arrigo Sacchi, Parreira respondeu: “A minha escola é a brasileira. Comecei com o Zagallo em 1970. Não desconheço o que ele fez com o Milan e a Itália, mas, em 1994, jogamos à brasileira”, frisou.
Arrigo Sacchi elegeu o Liverpool como referência no futebol mundial na atualidade e criticou o Manchester City, de Pep Guardiola. “O Liverpool tem um futebol generoso, bem jogado e com alegria. O Liverpool é a referência. O Manchester City perdeu o entusiasmo. Os jogos do Liverpool são uma diversão. Assim tem de ser”, elogiou.
Romário não treina, mas vai jogar
Dos 22 campeões mundiais em 1994, cinco não participarão do duelo de hoje contra a Itália: Ronaldo, Dunga, Leonardo, Branco e Zetti. Leonardo tem compromissos no PSG. Capitão do tetra, Dunga justificou a ausência alegando problemas pessoais. Zetti também não compareceu. Branco, acompanhando a Seleção pré-olímpica na Granja Comary, completa as baixas.
Para o elenco não ficar tão desfalcado, foram convocados o zagueiro Mauro Galvão, o meia Palhinha e o centroavante Careca. Romário e Cafu desembarcarão hoje na capital cearense.
A surpresa do evento é a presença de Romário. Depois de comandar uma CPI no Senado, o Baixinho aparentemente reatou relações com a CBF. Ele também é adversário de Dunga em uma batalha judicial, mas a razão da ausência do capitão não tem a ver com o tapetão. Como sempre, Romário não participou do treinamento de ontem no Estádio Presidente Vargas.
Carlos Alberto Parreira comemorou o reforço inesperado e se esquivou de explicar quem convenceu o Baixinho a voltar a vestir a amarelinha. “Eu não fiz nada. Gostaria que o Romário estivesse aqui sempre. O mérito é da CBF. É muito bom tê-lo conosco”, comentou o técnico.
*O repórter viajou a convite da CBF