Natural de Ribeirão Preto, no interior paulista, Gustavo Borges é um dos maiores nomes da natação do Brasil. Quatro vezes medalhista olímpico, o atleta começou a dar as suas primeiras braçadas por volta dos 10 anos, na Associação Atlética Ituveravense (em Ituverava-SP). Formado em economia pela Universidade de Michigan, ele dedicou 22 anos de sua vida à natação. Em 2004, depois das Olimpíadas de Atenas, decidiu se aposentar, com 32 anos. Desde então, o campeão olímpico viaja pelo Brasil para ministrar palestras e falar sobre a técnica de ensino de natação que criou, o Método Gustavo Borges. Na capital do país, ontem, ele conversou com o Correio sobre a aposentadoria, a vida como empresário, a contratação de César Cielo pelo Flamengo e de Poliana Okimoto pelo Corinthians, e como analisa hoje a natação no Brasil.
Com a bênção do medalhista olímpico
Você já vinha trabalhando com a ideia de se tornar um empresário quando anunciou que ia se aposentar, em 2004, depois das Olimpíadas de Atenas?
Em 2002, eu inaugurei minha primeira unidade de academia, que foi em Curitiba, e isso já foi um caminho no sentido de ser um empreendedor do ramo de academia de natação e fitness. Foi um momento bastante importante na minha carreira porque a gente direciona um trabalho durante tanto tempo para um esporte e depois chega a certo ponto que tem que parar e mudar o direcionamento. Eu encerrei a carreira em 2004, mas já vinha desenvolvendo algumas coisas, como palestras, academias. Então, isso me ajudou a dar suporte para parar de nadar e seguir outro caminho. A metodologia de ensino foi um desdobramento desses trabalhos que faço.
Como foi para você parar de competir?
Não é fácil você fazer uma transição como essa. Normalmente, se você chega a um trabalho de atleta de elite, de alto rendimento, fica muito tempo fazendo essa atividade. O que poderia estar ganhando em termos de mercado, de trabalho, de experiência fora do esporte, não dá, porque você está dentro do esporte. Mas chega um dia que ele acaba e você está com 25, 26, 30 anos, está jovem, e é muito difícil essa transição. Você está acostumado com uma coisa e de repente faz outra. Sinto falta pra caramba de nadar, obviamente, mas me sinto muito feliz e realizado com o que faço.
Ter continuado no meio esportivo ajudou a atenuar o efeito da aposentadoria das piscinas?
Com certeza. Quando estou em uma palestra, estou relembrando os meus melhores momentos. Apesar de ter o lado empresarial inserido nesse sistema, tudo está envolvido com coisas que fiz no passado. As coisas que eu faço no presente, a parte do ensino, da dedicação, tudo isso está inserido no meu dia a dia.
E quais são as diferenças entre ser um empresário e ser um atleta?
A principal diferença é que no esporte você se prepara durante muito tempo e resolve sua vida em poucos segundos ou minutos. A emoção é imediata, porque você se dedicou tanto, fez tantas coisas e, na hora que chega a um evento específico, pode sair com medalhas, com índices ou sair sem nada. Pode chorar, pode vibrar. O momento é muito forte dentro do esporte, aquela ação de você realizar e comemorar ali, naquele momento. E na vida profissional não. As coisas são mais a longo prazo. Você vai conquistando e vendo as coisas acontecerem ao longo do tempo. E aí não pode esquecer de comemorar com tanta intensidade quanto na vida de atleta, apesar das diferenças, as pequenas conquistas e os pequenos momentos. Essa foi uma diferença que eu senti bastante.
Em que consiste o Método Gustavo Borges?
É uma metodologia de ensino estruturada para a parte aquática. A gente tem todos os processos e dinâmicas de ensino com uma consultoria e pessoas envolvidas para que possa aplicar em uma unidade, como é o caso da Academia Torp, aqui em Brasília. Dentro disso, a gente estruturou uma mecânica de ensino, assim como fazem as grandes redes de ensino do Brasil. É o que fazemos com a natação. Temos o nosso material pedagógico, a divisão de níveis e turmas, a capacitação de profissionais e as avaliações dos alunos em um processo bem didático. Formatamos um método devido a uma necessidade própria que tínhamos dentro das nossas unidades e ele se tornou um produto para qualquer instituição.
O que você tem visto durante suas viagens pelo Brasil, tendo contato com nadadores que sonham em se tornar atletas?
Como eu visito muito as academias da nossa rede de ensino, vejo evolução dentro do aspecto do ensino aquático. Meu desejo é que todo esse ensino, tudo o que a gente faz dentro das academias e dos clubes possa refletir de uma maneira direta ou indireta no alto rendimento. E isso, com certeza, vai alimentar os clubes. É o mais importante. A nossa vontade, o nosso desejo, o nosso negócio não é formar atletas profissionais, é trabalhar com empresários e instituições na qualidade de ensino. A partir daí, o caminho que vai ser feito é pela academia, pela instituição e, com certeza, vão ter grandes campeões aí.
Como você analisa a contratação de atletas dos esportes ditos amadores, como César Cielo e Poliana Okimoto, por grandes clubes de futebol?
Eu acho interessante. Acho que o clube de futebol tem uma dificuldade que é só focar no futebol. Mas falando de Flamengo, é um clube que tem uma tradição incrível no esporte amador. Só que o futebol vai sempre estar em primeiro lugar. Então, o grande desafio desses clubes e dos presidentes é garantir que o esporte amador tenha o investimento necessário, independentemente do que acontecer no futebol. Mas eu fico feliz de a natação estar em pauta, de os clubes estarem investindo.
Você tem receio de que esses projetos falhem, assim como aconteceu com o projeto olímpico do Vasco?
Eu acho que é muito cedo para dizer. Foi uma experiência que os clubes podem utilizar como modelo. Tem a história do Thiago (1) (Pereira) com o Corinthians, que é um clube que também sempre teve tradição na natação. Nunca foi dos tops, mas está sempre entre os 10 primeiros, com equipes boas, e agora volta com nomes importantes da natação. Eles entram em um território que sempre foi do Pinheiros, Minas, Flamengo e UniSanta, em outro contexto. Agora, esses clubes vão dar uma polarizada um pouquinho maior. Acho até que vai aumentar um pouco o interesse pela competição. A gente espera que isso aconteça de uma maneira adequada. Agora, se vai dar certo ou não nos clubes de futebol, isso só o tempo vai dizer. Eu espero que dê.
Ainda existe uma diferença muito grande no desenvolvimento do esporte amador no Brasil se comparado com países como os Estados Unidos e a China. Por que isso ocorre?
São dois modelos que são muito difíceis de comparar e analisar. A China é controlada pelo Estado de uma maneira bastante austera, então, é muito difícil você ter um país com o crescimento que eles têm, com o dinheiro e com o investimento para o que quiserem. Não é um modelo a ser comparado. Os Estados Unidos, por outro lado, são um modelo que daria para se comparar, mas eles estão muito à frente de qualquer país em termos de estrutura de treinamento, de faculdade, de estrutura de esporte de uma maneira geral. O que daria para comparar com o modelo do Brasil seriam os países da Europa, a Austrália, países onde o modelo ;clube; funciona muito bem.
Em que o Brasil precisa evoluir?
Acho que a gente tem que investir na infraestrutura dos clubes, nos treinamentos de atletas, na estrutura multidisciplinar e no próprio competidor em termos de patrocínio e educação. Precisamos capacitar profissionais para que sejam capazes de liderarem essas turmas. A gente vê muito investimento que vai ter no Brasil nos próximos anos. Não podemos só imaginar que vai ser bom até 2016. Temos de pensar além disso. Tem que investir muito. Há muito trabalho pela frente, e a gente não pode deixar chegar a 2018, 2020 e falar ;foi bom enquanto durou;, né? ;Surfamos nessa onda e agora passou;; A gente tem que pensar mais a longo prazo.
Você tem receio de que os projetos de formação de atletas sejam abandonados depois de 2016?
Eu acho que tem um risco, mas o Brasil é um país inteligente. Não é só o que vai ser construído no Rio de Janeiro que vai dar ritmo a isso. Todo e qualquer clube ou escola tem o direito de trabalhar com a Lei de Incentivo ao esporte. A gente, como cidadão, pode fiscalizar isso de uma maneira ou de outra. Então, eu acho que cada um de nós tem uma responsabilidade muito grande.
Você está satisfeito com o desempenho dos brasileiros na natação?
Na natação, especificamente, sim. Eu acho que a gente vem desenvolvendo um trabalho excepcional. A natação vem crescendo muito, liderada pelo César (Cielo). Os resultados são excepcionais. Temos um plantel de talentos hoje. Basta observar o nível dos atletas, o físico, a força e os resultados. A gente está muito bem encaminhado.
Nas maratonas aquáticas, a Poliana Okimoto também vem apresentando excelentes resultados;
A Poliana está lá no topo da pirâmide. Você vai hoje a um campeonato de categoria, ao Open de natação, juvenil, júnior, sênior, e vê atletas altíssimas, meninas fortes, dando resultados importantes, que a gente não tinha antes. Acho que é um grande passo.
No ano que vem, ocorrem os Jogos Pan-Americanos, em Guadalajara. Você acredita que o Brasil tem chance de trazer bons resultados?
O Pan-Americano talvez não seja mais uma competição tão importante para o Brasil na natação, como foi no passado. Acho que a gente evoluiu um pouquinho do Pan. Acredito que essa competição é um termômetro individual e não como equipe. Para mim, o parâmetro é sempre o Campeonato Mundial, que vai ter no ano que vem, em Xangai, depois do Pan. Essa vai ser a grande competição. Acho que a equipe vai ter que se dedicar a um ou outro torneio. Acredito que, no nível que o Brasil está hoje, tem que se dedicar ao Mundial, mas o Pan-Americano também deve ser levado em conta.
1 - Contratação
Na última sexta-feira, o nadador Thiago Pereira ; ganhador de seis medalhas de bronze, uma de prata e uma de bronze no Pan do Rio (2007) ; assinou contrato com o Corinthians até dezembro de 2012.
PERFIL
Nome: Gustavo França Borges
Nascimento: 2/12/1972 - Ribeirão Preto (SP)
Altura: 2,03m
Peso: 98kg
Principais títulos: prata nos 100m livre nos Jogos Olímpicos de Barcelona-1992; prata nos 200m livre e bronze nos 100m livre nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996; bronze nos 4 x 100m livre nos Jogos Olímpicos de Sydney-2000; três vezes recordista mundial em 1993 e novamente recordista mundial no revezamento 4 x 100m livre em dezembro de 1998, no Rio de Janeiro; maior medalhista brasileiro em Jogos
Pan-Americanos: 19 medalhas nas edições de Havana-1991, Mar del Plata-1995, Winnipeg-1999 e Santo Domingo-2003; 31 vezes medalhista em copas do mundo.