A polêmica voltou. Estaria o Flamengo pronto a levantar o título de campeão brasileiro pela sexta vez, como alega todo torcedor do clube? Ou, pelo contrário, merece uma condenação por danos morais quem assim o professar, como defende o presidente do Sport, Sílvio Guimarães? A resposta varia de canto a canto do país e não há mesa de bar que chega a bom termo. Mas, no mundo formal, regrado por normas e ordenado em leis, a verdade independe das paixões clubísticas: ;A CBF não reconhece o título do Flamengo em 1987;, diz o porta-voz da instituição, Rodrigo Paiva. ;O registro oficial, feito pelo presidente da época, diz que o Sport foi campeão.;
O caso remonta ao distante 1987, ano difícil, de inflação alta (394%) e de uma democracia incerta, confusa, recém-conquistada ; José Sarney era o presidente da República e já amargava o fracasso de um plano econômico, o Cruzado. No futebol, o Flamengo era tricampeão brasileiro, já o mais popular do país, e curtia a repatriação de seu messias, Zico, que voltara de uma experiência malsucedida na Itália.
Havia, em meados daquela década, uma instabilidade na relação de forças entre os clubes grandes e médios. Prova disso, o Coritiba sagrou-se campeão nacional dois anos antes, em final contra o também carioca Bangu. Em 1986, o São Paulo bateu o Guarani na decisão. E em 1988, o Bahia levantou a taça. Os campeonatos estavam inchados. A primeira divisão chegou a ser disputada por 94 clubes em 1979.
Em meio a tal anarquia, precisamente em 1987, os presidentes de 13 dos grandes clubes brasileiros resolveram declarar independência da CBF. Argumentaram, na época, que, organizado pela instituição, o Campeonato Brasileiro tornara-se deficitário. Para fazê-lo lucrativo, garantiam, era preciso ter clássico em toda rodada, grandes torcidas nos estádios, patrocínio de grosso calibre e cobertura da TV. Negociaram, então, um megapacote publicitário com a Coca-Cola e venderam os direitos à Rede Globo.
Primo pobre
A CBF contra-atacou. Lembrou aos rebeldes que, na força da lei, era ela quem deveria organizar o campeonato brasileiro. Mas evitou o confronto e fez o que sempre se faz no Brasil na iminência de um conflito: conchavo. Permitiu ao grupo dos 13 e seus três convidados seguir com seu torneio. Desde que ele fosse incorporado ao que ela própria forjava(1). Acomodou-lhes no que chamou de módulo verde. E pôs os outros 15 no módulo amarelo ; onde estavam os clubes sem patrocínio, sem TV nem nada. Eram 15 porque o América do Rio se negou a jogar, julgando que seu lugar era entre os grandes do módulo verde.
Pelo regulamento da CBF, os campeões e vices do rico módulo verde e do pobre módulo amarelo deveriam jogar entre si para chegar ao campeão brasileiro daquele ano. No trato do conchavo, o grupo dos 13 aceitou a letra fria do documento. Depois do calor dos jogos, porém, mudou de ideia e boicotou o cruzamento.
A CBF promoveu os jogos do que seriam as semifinais do campeonato. Houve cenas patéticas. Os times de Sport e Guarani entraram em campo, com seus uniformes e tudo, sem que nenhum adversário se apresentasse para enfrentá-los. Decidido o WO, os dois fizeram as finais. O time pernambucano venceu. E foi homologado campeão nacional.
Três perguntas para Márcio Braga
O pessoal do Sport alega que o Flamengo subscreveu o regulamento prevendo o cruzamento entre os vencedores dos módulos verde e amarelo. Foi isso mesmo?
É mentira!
O que houve, então?
O senhor Otávio Pinto Guimarães, presidente da CBF na época, veio a público e declarou que em 1987 não haveria Campeonato Brasileiro. Dizia que não tinham datas nem dinheiro disponíveis. Quando vi isso na TV, liguei imediatamente para o Carlos Miguel Aidar, então presidente do São Paulo, e disse a ele: chegou a hora da revolução. Reunimos os grandes clubes do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas e mais o Bahia e formamos o Clube dos 13. Resolvemos fazer nós mesmos o Campeonato Brasileiro, a que chamamos Copa União. Houve várias reuniões, organizamos a competição, elaboramos o regulamento. Quando a CBF ;acordou;, nosso campeonato já estava na segunda rodada. Aí, ela, a CBF, resolveu fazer aquele outro campeonato, chamou o nosso pessoal de módulo verde, os outros clubes que não estavam na Copa União entraram no módulo amarelo. Quando a Copa União acabou, o Clube dos 13 se reuniu e decidiu por unanimidade que nós não tínhamos que fazer cruzamento nenhum. Aí, o falecido e famigerado Nabi Abi Chedid, que já estava na presidência da CBF, foi lá e registrou o Sport como campeão.
Quem é, então, o campeão brasileiro de 1987?
É o Flamengo. Para mim e para o povo brasileiro não há dúvida. O Sport também pode ser, não tem problema nenhum. A gente não tem o menor problema com o Sport. Eles é que têm com a gente.