Os números são claros: há mais de 10 anos, boa parte das marcas do atletismo brasileiro não evoluem, estão estagnadas. Atletas, ex-atletas e treinadores admitem que a situação piorou na última década e que a modalidade carece de renovação.
Mas o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, não aceita essa ideia. ;Dizer que não houve uma evolução nos últimos anos não é verdadeiro;, afirma. Para justificar, Gesta cita que nos mais de 20 anos de sua gestão, o Brasil conquistou seis medalhas olímpicas, e nos 60 anos anteriores tinham sido apenas oito.
Ao mesmo tempo que utiliza os pódios como forma de demonstrar o crescimento, Gesta diz ser absurdo que se fale em uma exigência de resultados em contrapartida ao patrocínio da Caixa Econômica Federal, que desde 2001 já repassou à CBAt R$ 63,5 milhões. ;Um patrocínio implica numa série de programas que são desenvolvidos naturalmente. Por isso, é sem sentido vinculá-lo às medalhas. O retorno que damos à Caixa é inúmeras vezes maior do que apenas medalhas e tem crescido geometricamente;, argumenta o dirigente.
De acordo com o presidente da CBAt, além dos programas de apoio a atletas e treinadores, a Caixa tem grande retorno de marca em eventos como os Grandes Prêmios de Fortaleza, Rio de Janeiro, Uberlândia e Belém, todos realizados em maio deste ano, e que contaram com atletas internacionais.
Mas nem tudo é discordância. Pelo menos em um ponto Roberto Gesta de Melo alia o coro com o que atletas, ex-atletas e treinadores vêm dizendo nos últimos dias: a escola é o caminho para a massificação da modalidade. ;Não temos dinheiro para ter núcleos de busca de talento no país inteiro;, discursa. ;Temos que entrar diretamente e em todas as escolas. Precisamos fazer algo que leve à prática regular do esporte. Senão, vamos ficar chovendo no molhado.;
O presidente da Confederação de Atletismo, no entanto, joga a responsabilidade para os governantes. ;Qual a única possibilidade de se descobrir uma quantidade grande de atletas para que seja tirado um número razoável de jovens com qualidade? Na escola. Isso é óbvio;, defende. ;Mas a única entidade que pode entrar nas escolas é o governo federal, por meio do Ministério da Educação. Se isso não foi feito, não foi por falta de atitude da confederação;, garante.
Sem comparação com o vôlei
Há mais de 20 anos à frente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, apesar de contestar os números que mostram que a modalidade estagnou na última década, afirma que não sabe mais o que fazer para o atletismo brasileiro evoluir. ;O que a federação deve fazer que ela não faz? Eu quero aprender. Quero que me ensinem o caminho;, apela.
O que o dirigente parece não recordar é que ele já teve uma longa experiência em uma confederação extremamente bem sucedida. Gesta foi vice-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) entre 1981 e 1989, quando Carlos Arthur Nuzman (hoje presidente do Comitê Olímpico Brasileiro ; COB) revitalizou a modalidade que se tornou o segundo esporte mais popular do país e que hoje é referência no mundo.
;O vôlei tem uma diferença radical do atletismo: é um esporte coletivo;, justifica Gesta. O presidente da CBAt alega que é muito mais fácil trabalhar com apenas 12 atletas. ;É um grupo que pode atuar sob o comando de um técnico, com um objetivo em conjunto;. Enquanto isso, no atletismo, são diversos atletas, em diferentes provas, cada um com seu treinador. ;São problemas muito mais complexos;, assegura.
Segundo Gesta, uma das dificuldades da CBAt é o acúmulo de funções. ;Lá fora a confederação só organiza as competições. Aqui, temos que apoiar os centros de descoberta de talento, cuidar do controle antidoping; Tudo tem que ser feito pela confederação;, reclama. ;Ainda temos que ajudar as federações, os clubes. Se houver uma melhor maneira de distribuir, peço que aqueles que tenham como contribuir que venham ao nosso fórum (Fórum do Atletismo Brasil). Estamos ávidos por essas informações.;
O dirigente promete mais um Fórum do Atletismo Brasileiro até o fim do ano para discutir e planejar a modalidade para as próximas temporadas. ;A confederação tem sido norteada pelo Fórum do Atletismo Brasileiro (que teve três edições até aqui). Durante dois dias, são expostos os problemas e para onde vai o dinheiro. Tudo que é pedido, a Confederação faz;, garante Gesta.
Ao fim da entrevista ao Correio, o cartola deu a entender que está cansado de sua batalha e prometeu: ;Não pretendo ficar (na presidência) muito mais tempo;.
Falta material humano
São Paulo ; Integrante das equipes brasileiras de revezamento 4 x 100m finalistas nos Jogos de Moscou-1980 e Los Angeles-1984, Katsuhico Nakaya é técnico da equipe BM e da Seleção Brasileira Feminina de Revezamento 4 x 100m. Para ele, não faltam treinos, competições ou investimentos no atletismo. Falta, sim, material humano. ;O treinamento não muda (em comparação à Jamaica ou Estados Unidos). O que muda muito é a qualidade do material humano com quem você trabalha;, lamenta. ;No Brasil fica difícil encontrar atletas promissores. Mas, com certeza, temos corredores tão bons quanto os do Caribe;, acredita.
O técnico prepara a equipe do BM, uma das principais do país, de acordo com o calendário da temporada. Geralmente, divide o ano em três fases visando o Mundial Indoor, o Troféu Brasil e o Mundial (ao ar livre). Em todas essas etapas, exige que seus atletas alcancem bons tempos, ritmo e condicionamento físico em treinamentos diário de três a quatro horas.
Ontem, apenas meia dúzia de atletas correram na pista do clube Vila São José, em São Caetano do Sul, por pouco mais de duas horas. Questionado se não falta treino, Nakaya se defende. ;O treinamento tem que ser qualitativo, não quantitativo.;