Na segunda reportagem da série sobre os problemas do atletismo nacional, Robson Caetano desabafa. Não é novidade que a modalidade no país não evolui há no mínimo uma década como o Correio mostrou na edição de ontem. Mas para o ex-velocista, a culpa não deve ser jogada sobre a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). A questão é mais complexa: ;Vamos cobrar das pessoas certas: não é a CBAt que entra na pista;, ressaltou.
Robson argumenta que o avanço tecnológico favorece o atleta de hoje, lembrando que em sua época, corria com sapatilhas com pregos e mesmo assim era mais rápido do que os atletas atuais. ;É uma premissa da nova geração. O esforço físico não é tão necessário. Os caras querem boa vida;, diz, ressaltando que conhece bem o tema. ;Eles têm que colocar na cabeça que o trabalho dá resultado;, prega. De origem pobre, o recordista brasileiro teve no atletismo sua oportunidade para crescer. ;Quando você tem a necessidade, corre atrás;, ensina, citando sua trajetória como exemplo. ;Hoje você não tem essa cobrança com os atletas;, reclamou.
Brasil sem superatletas
Atual primeiro do ranking nacional nos 100m, o amazonense Sandro Viana não aceitou a crítica de Robson Caetano. ;Até parece que só os atletas são responsáveis pelo resultado;, ironizou. O velocista, de 32 anos, cravou 10s11, em 24 de julho último. A marca ainda está acima do tempo de Robson Caetano em 0s11.
Sandro alega que o avanço tecnológico entre a época do recordista brasileiro e a nova geração não chegou ao Brasil. ;Ainda treinamos nas mesmas condições que ele treinava;, garante. Apesar da defesa, Sandro Viana reconhece que o atletismo nacional está mesmo estagnado. ;Nos últimos 20 anos, é assim. Vi muitos atletas talentosíssimos brigando pela ponta, mas os resultados não saíram. Precisaria de um estudo aprofundado para explicar isso;, sugeriu.
A principal reclamação do velocista é que o país segue uma filosofia de treinamento equivocada, muito aquém das implantadas em países europeus ou nos Estados Unidos. ;Já somos grandes atletas, mas precisamos virar superatletas;, acredita. ;Infelizmente, essa evolução está demorando para chegar;, lamentou.
Índice é consenso
Apesar das divergências sobre quem é o maior responsável pela fraca evolução do atletismo nacional, em um ponto não há discussão: os atletas brasileiros precisam ser mais exigidos.
Um dos mecanismos para isso é o índice necessário para se classificar para uma grande competição. Para o Mundial de Berlim, os competidores tinham que fazer o índice ;A;, estabelecido pela Federação Internacional de Atletismo (Iaaf) uma vez, e o ;B;, mais fraco, outras duas.
;Os atletas entraram numa zona de conforto. Hoje, os caras têm tudo. No passado, quando se exigia índices melhores que o da Iaaf, eles corriam atrás;, defende Ricardo D;Ângelo, treinador-chefe da seleção brasileira em Berlim. ;Tem que ser mais exigente;, enfatiza. Parte do conselho técnico da CBAt, Ricardo garante que essa será uma de suas propostas na próxima reunião.
Robson também desaprova a opção de não cobrar um índice mais severo que da Iaaf. ;O atleta faz o índice e fica livre. o cara acha que correr 10s20 (índice A para os 100m) é bom;, critica Caetano. Mas o que causa a indignação mesmo do medalhista olímpico é apostura dos atletas. ;Treinar para alcançar índice é no mínimo sem propósito. Você tem que treinar para ser o melhor do seu país;, ensina.
Atual líder do ranking brasileiro, Sandro Vianna não vê com maus
olhos a postura dos atletas. Mas concorda que a CBAt poderia exigir um índice mais forte. Sua sugestão é que tal marca fosse estipulada fazendo a média dos tempos dos três primeiros colocados da última edição da competição. ;O atleta não seria obrigado a alcançar o índice, mas se o fizesse, teria regalias;, explica.
Sandro argumenta que uma inovação assim serviria de incentivo. ;Venho fazendo índices há quatro anos e confesso que não tenho parâmetros;, admitiu. Segundo o corredor, apenas os atletas de qualidade alcançariam uma marca mais forte e assim poderiam investir mais em viagens ; as regalias ; para evoluírem ainda mais.
Marcas da IAAF
Os índices A e B são tempos ou distâncias mínimos que um atleta deve obter para se credenciar para grandes eventos internacionais como campeonatos mundiais ou olimpíadas. Esses tempos ou distâncias podem variar de acordo com o período em questão. Os índices ;A; são sempre os mais elevados e mesmo assim não correspondem à realidade de várias provas (nos 100m masculino, por exemplo, o índice A para o Mundial de Berlim foi 10s20).
Impensável
Se a sugestão de Sandro Viana fosse acatada, o Brasil dificilmente disputaria o próximo Mundial em várias provas, já que a média dos três primeiros colocados nos 100m, por exemplo ; Usain Bolt, da Jamaica (9s58); Tyson Gay, dos Estados Unidos (9s71) e Asafa Powell, da Jamaica (9s84) ;, seria 9s71. Nenhum brasileiro até hoje na história correu a prova abaixo dos 10s.
Jovens rebatem
A declaração de Robson Caetano de que o atleta brasileiro é preguiçoso ofendeu quem está começando sua carreira nas pistas. ;Para fazer um atleta recordista leva 10 anos;, ressalta Caio Sena, 18 anos, atual campeão juvenil de marcha atlética. ;A gente só teve investimento há cinco anos, com a Bolsa Atleta. Daqui a cinco anos poderemos falar se é preguiça ou não;, esbraveja Caio.
O jovem atleta destaca que o país ainda está longe de ter uma boa estrutura esportiva. Seu colega de prova, Dejaime César Oliveira, 20 anos, concorda. E reclama que o dinheiro não chega aos atletas de base. ;Nunca chegou.;
Além disso, o marchador destaca que, enquanto os atletas nacionais compete em muitas provas para alcançar o índice, os europeus disputam poucas, mas de qualidade. Isso faz com que eles cheguem bem melhores à competição principal. E como se não bastasse tudo isso, Caio aponta outro fator para o fracasso: o psicológico. ;O Brasil tem a fama de amarelar;, admite.
Estrutura deficiente
Um dos erros de estrutura apontados por Caio Sena é a falta de planejamento. Ele não foi o único atleta a reclamar: os brasileiros traçam como meta atingir o índice e chegam ao seu melhor condicionamento físico do ano neste período. Quando a hora de competir se aproxima, o rendimento já está
em queda.