Cinco anos depois de ter sido implantado, o projeto Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, transformou-se numa caixa-preta espetacular, com crescentes indícios de desvio de verbas públicas que se destinariam a programas de esportes para estudantes.
A mais recente decisão do Tribunal de Contas da União (Acórdão n° 3.450/2009) sobre o assunto, condenando o Ministério do Esporte a se explicar, é de 1º de julho. Em investigação, os auditores identificaram irregularidades no convênio (39/2006) entre o ministério e a ONG Instituto de Tecnologia Aplicada à Educação Novo Horizonte, de Brasília, que já fechou as portas. O processo trata de "possível não aquisição de materiais, no valor de R$ 397.500, objeto de notas fiscais inidôneas" incluídas na prestação de contas.
O convênio, assinado em 2006, repassou R$ 1,6 milhão ao Novo Horizonte, para instalar 30 núcleos do Segundo Tempo. A auditoria comprovou que, para justificar os gastos, foram usadas notas fiscais frias.
Uma delas, apresentada pela Novo Horizonte, é da JG Comércio de Alimentos Ltda., de R$ 397.500. No entanto, esse valor não foi contabilizado pela JG, como se a transação não tivesse ocorrido. "Não há registros contábeis que deem suporte à compra anterior dos estoques supostamente vendidos ao Instituto Novo Horizonte", afirma o relatório do TCU.
Em outra transação, uma nota de R$ 216 mil da Infinita Comércio e Serviços de Móveis Ltda., também não teve registro da transação em seu caixa. O mais estranho é que a Infinita é um comércio atacadista de móveis e colchoaria, mas a nota fiscal em favor da Nova Horizonte refere-se ao fornecimento de "kit de lanches".
No dizer do ex-ministro Agnelo Queiroz, o Segundo Tempo era o "maior projeto social-esportivo do mundo, atendendo mais de 1 milhão de crianças". Os números, nunca confirmados, revelam, porém, que o Segundo Tempo provocou o surgimento de dezenas de entidades filantrópicas. Muitas passaram a se dedicar ao atendimento de crianças carentes. Mas investigações em vários níveis indicam que, para entrar na farra do dinheiro do Segundo Tempo, bastava apresentar nomes fictícios de beneficiados. Sem estrutura para acompanhar a execução dos projetos, o Ministério do Esporte teria sido omisso na gestão do dinheiro público.
Burocracia provoca prejuízo
A implantação de 30 núcleos do projeto Segundo Tempo em Brasília, que receberia 6 mil crianças, foi uma fraude reconhecida pelo próprio Ministério do Esporte, que identificou "diversas impropriedades, destacando-se a não implantação de 10 núcleos". Também foi constatatdo "baixo quantitativo de beneficiados nos demais núcleos, além de número significativo de crianças cadastradas em duplicidade no mesmo convênio", informa a assessoria do ministro do Esporte, Orlando Silva, que não quis comentar a denúncia.
Só nessa brincadeira foram gastos R$ 1,2 milhão, repassados em 2006 ao Instituto Novo Horizonte. E, apesar de as denúncias terem sido feitas há mais de um ano, os técnicos do ministério ainda estão "providenciando o cálculo do total de recursos a serem restituídos ao erário pelo convenente".
A burocracia e a lentidão - que já duram três anos - com que se processa esse trabalho não deverão chegar a tempo de encontrar os diretores da Novo Horizonte na cidade. Ontem, a reportagem do Correio foi à sede da ONG (710/711 Norte, Bl. A, 4º andar) e por ali os vestígios são de horizontes passados. "Fecharam as portas há mais de um ano e não apareceram mais aqui", disse o segurança do prédio.
Tempestades na ONG
Pesquisando as ações da ONG Instituto de Tecnologia Aplicada à Educação Novo Horizonte, não ficam dúvidas de que a instituição, que teve sede em Brasília, encontrou na área educacional fácil fonte para a obtenção de recursos, sem muito trabalho.
Além dos indícios de falcatruas com o Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, os diretores do instituto estão enrolados numa ação civil de improbidade administrativa obtida em março pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Conforme processo na 3ª Vara Cível da Justiça Federal, o réu Antônio Carlos de Souza Medeiros - um dos responsáveis pela ONG - não prestou contas de R$ 71.291,16 para a execução de projeto de apoio educacional. Pior: "Não houve nem sequer execução de alguns itens do convênio", diz o processo. Em resumo: o FNDE transferiu o dinheiro para a Novo Horizonte, mas o serviço não foi executado, a exemplo do que ocorreu com o Segundo Tempo.
Por conta dessa falcatrua, o juiz federal da 3ª Vara do DF determinou a indisponibilidade dos bens de Antônio Carlos de Souza Medeiros e do Instituto Novo Horizonte, no limite de R$ 104 mil.