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Entrevista: Grafite busca nova escrita: dar primeiro título ao Wolfsburg

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Edinaldo Batista Libânio, conhecido como Dina na infância em Campo Limpo Paulista (SP), pode protagonizar neste sábado mais uma peculiaridade em sua já curiosa carreira. Aos 30 anos, Grafite, artilheiro do Campeonato Alemão com 26 gols até agora, precisa de uma vitória em casa sobre o Werder Bremen para garantir ao Wolfsburg, clube com pouca tradição no país, a primeira taça em seus 63 anos de história.

O feito se uniria às histórias raras que acumulou ao trocar a venda de sacos de lixo no interior paulista para ganhar a vida com o futebol. A começar por seu primeiro treinador, Estevam Soares, que lhe apelidou de Grafite por ver semelhanças entre um ex-companheiro seu e o então Dina, recém-chegado na Matonense.

O atacante saiu de Matão (SP) e passou por Ferroviária, Santa Cruz, Grêmio e Anyang LG Cheetahs, da Coréia do Sul. Sem adaptação à vida asiática, voltou ao Brasil para defender o Goiás, em 2003. O atacante, sempre criticado por falta de pontaria, ajudou a tornar Dimba o maior artilheiro em uma edição do Brasileiro até então, com 33 gols. Até aí, nada incomum.

Em 2004, Cuca o levou para São Paulo. E foi quando ficou conhecido internacionalmente. Despertou ódio na torcida tricolor ao fazer os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre o Juventus que evitou, indiretamente, o rebaixamento do Corinthians no Campeonato Paulista de 2004. Virou reserva e só retomou o sucesso com a chegada de Emerson Leão, no segundo semestre.

O bom momento, porém, contrastava com casos chamativos. Em partida contra o Quilmes, da Argentina, foi expulso e fez a Polícia Militar esperar o fim do confronto no Morumbi para interrogar o zagueiro Desábato, acusando-o de racismo. O hermano foi preso e Grafite foi homenageado até no Senado pelo ato. Em meio a tudo isso, ainda teve que lidar com o sequestro de sua mãe, em Campo Limpo Paulista (SP).

Em 2005, foi convocado para a seleção brasileira, substituindo Romário na despedida do Baixinho e marcando o último gol nos 3 a 0 aplicados na Guatemala no Pacaembu - a lembrança ruim é uma banana com a inscrição "MACACO" atirada no campo na comemoração de seu tento. Meses depois, não entrou em campo, mas foi chamado para o lugar de Ronaldo em duelo contra a Argentina, em Buenos Aires, pelas Eliminatórias.

Pelo São Paulo, ;forçou; o joelho e sofreu lesão que o tirou da reta final da Libertadores e da Copa das Confederações. Voltou a jogar só na semifinal e final do Mundial de Clubes daquele ano, em dezembro. O São Paulo apostava no bom retorno dele no ano seguinte, mas o atacante foi embora para o Le Mans. Teve seu caráter e sua qualidade questionada pelo então presidente tricolor Marcelo Gouvêa e agora, dois anos depois de trocar o futebol francês pelo Wolfsburg, prova que fez a opção certa para sua carreira.

Na primeira temporada na Alemanha, levou seu clube pela primeira vez em dez anos à Copa da Uefa. Na segunda, já garantiu a inédita vaga na Copa dos Campeões. Virou ídolo, com camisa especial feita pela diretoria, que até organizou recentemente uma missa como homenagem póstuma a seu pai. Neste ambiente, Grafite conversou por e-mail com a Gazeta Esportiva.Net direto da concentração dos Lobos. E falou de tudo. De seleção brasileira a treinos em uma praia nudista.

Na seleção brasileira, você tem a média de um jogo e um gol. Muitos dos convocados por Dunga tiveram muito mais chances e nem balançaram as redes. Você se sente merecedor de uma convocação?
Grafite: Estou vivendo um bom momento na minha carreira, talvez o melhor destes últimos anos. E todo jogador que vive um bom momento principalmente jogando na Europa, pensa em ser convocado para seleção brasileira.

Você já foi campeão da Libertadores e do Mundial. Neste ano, está perto de ser o protagonista do único título da história do Wolfsburg. Este troféu pode ser o mais importante da sua carreira?
Grafite: Todo título é importante. Todo título tem suas dificuldades. É complicado você apontar este ou aquele como mais importante. O mais legal é sempre estar ganhando.

Ser artilheiro do Alemão era um projeto ou apenas um sonho?
Grafite: Sonho é muito pesado. Todo atacante entra no campeonato pensando em fazer gols e ajudar sua equipe.

Como está a expectativa para enfrentar o Werder, possivelmente abatido pela derrota na Copa da Uefa? A cidade está ansiosa?
Grafite
: A expectativa é a melhor possível. Estamos trabalhando bem durante a semana sem pensar que sábado é uma decisão histórica para todos no clube. As pessoas da cidade estão orgulhosas deste grupo de jogadores e isso é muito bom. Mas olha, sinceramente, não podemos nos preocupar com o momento vivido pelo adversário. Temos que entrar em campo respeitando o Werder Bremen. Esse negócio de estar abatido é para o torcedor, dentro de campo todo mundo quer vencer.

O Wolfsburg não começou o campeonato tão bem, mas deu uma arrancada no fim e pode ser campeão em uma das edições mais concorridas da história da Bundesliga. Em que momento você achou que o título era possível? Vocês começaram a temporada com estas pretensões?
Grafite
: O pensamento aqui na Europa é diferente. Ser campeão não é o único objetivo por aqui. Para eles, chegar em uma das competições continentais é muito bom. Percebemos que o título poderia ser possível na vitória diante do Bayern de Munique (5 a 1, pela 26; rodada, com dois gols de Grafite, um deles marcado de calcanhar após driblar dois zagueiros e o goleiro adversário). Naquele momento, o grupo se sentiu forte, capaz de lutar por algo maior.

Juntos, você e o Dzeko marcaram 51 dos 75 gols do Wolfsburg no Campeonato Alemão. Ele é o melhor parceiro que você já teve no ataque?
Grafite
: Já joguei com muita gente boa. Luís Fabiano, Amoroso, Christian, Diego Tardelli, Luizão, Aloísio e Dimba. O Dzeko também é um grande jogador como os outros.

Você pode ganhar a Chuteira de Ouro da temporada se fizer quatro gols no sábado e Eto;o, do Barcelona, Forlán, do Atlético de Madri, e Janko, do Salzburg, da Áustria, não fizerem nas ligas nacionais. Vai "secar" alguém?
Grafite
: Secar não. O Eto;o é um excelente atacante e joga em um time fantástico como o do Barcelona. Não adianta secar. Mas, se ele bobear, quem sabe não fico com essa Chuteira?

Este sucesso no Wolfsburg prova que sua transferência para o Le Mans não foi tão ruim como a diretoria do São Paulo previa? A passagem pela França acabou sendo boa para você?
Grafite: Claro que foi boa para mim. Aprendi muito na França, cresci profissionalmente... Não me arrependo de ter jogado no Le Mans.

Que lembrança guarda do São Paulo? Alguma mágoa depois de criticarem sua ida para o Le Mans?
Grafite
: Só guardo boas lembranças do São Paulo. Fiz muitos amigos, ganhei muita coisa com a camisa do clube. E o Juvenal Juvêncio (vice de futebol do São Paulo na época da transferência) é um amigo especial. Quando eu estava na França, sempre nos falávamos por telefone. Tenho um carinho especial por ele.

Há muitas especulações sobre clubes que querem seu futebol na próxima temporada. Seu empresário até já confirmou sondagem do Milan. Como você tem lidado com isso?
Grafite
: Estou com minha cabeça totalmente voltada para o final da temporada. Só depois que acabar a Bundesliga é que vou sentar com meu empresário e ver o que realmente tem de verdade nisso tudo. Mas tenho contrato com o Wolfsburg até 2011 e estou muito feliz por aqui. Só saio daqui se for uma proposta muito boa mesmo.

Pretende ficar na Europa até quando?
Grafite: Até quando eles me aceitarem. O respeito com o futebol aqui é muito grande. Em todos os aspectos. O respeito com o jogador, com a imprensa e principalmente com o torcedor. Dá gosto fazer parte de algo como o futebol europeu.

O Wolfsburg já tinha chamado atenção ao fazer a pré-temporada em uma praia de nudismo na ilha alemã de Usedom, no mar Báltico. Como foi esta experiência?
Grafite
: Foi diferente. Mas não tinham muitos nudistas. A parte onde treinamos era isolada do resto do pessoal.

Seu primeiro ano no Wolfsburg não foi de tanto destaque como o atual. O que mudou?
Grafite
: Agora entendo mais a maneira de jogar na Alemanha. Já entendo o que o treinador (Felix Magath) pede, entendo a língua, a cultura e a maneira de se viver na Alemanha. Isso mudou de um ano para o outro.

Quanto a presença do Josué (ex-São Paulo e Goiás) e do Rodrigo Alvim (ex-Paraná) no elenco te ajudam? O atacante Caiuby (ex-São Caetano), último brasileiro contratado, pode repetir seu sucesso?
Grafite
: É bem legal ter brasileiros ao seu lado. A gente pode conversar, discutir sobre assuntos do nosso país e viver um pouco do Brasil na Europa. E o Caiuby é um garoto de muitas qualidades. Não é à toa que chegou à primeira divisão da Alemanha com 20 anos. Tem um grande futuro pela frente.

Sua família está adaptada à Alemanha? Não bate saudade do Brasil?
Grafite: Estamos felizes aqui na Alemanha. Minha família se adaptou bem. Mas saudades do Brasil nunca deixaremos de ter.

Você sofreu com racismo na Alemanha ou na França?
Grafite: Ainda não. Se eu disser que aconteceu, estarei mentindo. Sempre tem uma gracinha ou outra, mas nada pesado direcionado a mim. Aqui na Alemanha as campanhas anti-racismo são muito fortes.

Ainda conversa com o Cuca e o Leão, técnicos com quem você mais se destacou?
Grafite
: Nunca mais falei com o Cuca. Com o Leão falei poucas vezes. O trabalho toma muito nosso tempo.

Você tem produtos pessoais à venda no seu site oficial, como uma pulseira com seu nome e bolas com sua caricatura. Os pedidos são muitos?
Grafite
: Os pedidos aumentaram agora com essa fase do Wolfsburg. Não posso reclamar da venda, não.