Jornal Correio Braziliense

Superesportes

Leia a íntegra da entrevista com o velejador Robert Scheidt

Em visita a Brasília, onde veio posar para um material publicitário, Robert Scheidt falou sobre seus planos para Pequim e disse ter grandes expectativas para estes Jogos, que ele acredita serão os maiores da história

À beira do Lago Paranoá, na marina do Iate Clube, sob um belo céu azul, o velejador Robert Scheidt repete exaustivamente um mesmo movimento. Com os punhos cerrados, como quem comemora mais uma conquista, o octacampeão mundial da classe Laser, campeão mundial da classe Star em 2007, ao lado de Bruno Prada, e dono de três medalhas olímpicas (ouro em Atlanta-1996 e Atenas-2004 e prata em Sydney-2000) posa para uma campanha publicitária de um de seus patrocinadores. Sem ventos, os raios de sol cintilam nas águas do Paranoá, que se transforma quase em um espelho d´água. Mas a calmaria para Scheidt não dura muito. Após as fotos, ele tem apenas mais algumas horas na visita relâmpago que fez a Brasília na última terça-feira. À noite, o velejador pegou um vôo para São Paulo, visando à reta final de sua preparação antes de seu próximo compromisso, a Breitling Regata, na Holanda. Campeões mundiais em 2007 na classe star, Scheidt e Prada não conseguiram repetir o título no Mundial deste ano, em abril, nos Estados Unidos. Terminaram em terceiro. Mas, ainda assim, chegarão às Olimpíadas de Pequim, em agosto, como um dos principais favoritos ao ouro. Entre o intervalo das sessões de fotografia, Robert Scheidt conversou com exclusividade com a reportagem do Correio Braziliense. Ele falou como está a preparação para os Jogos de Pequim, contou como será o novo barco que está sendo construído na Itália para a dupla e analisou as possibilidades dele e de seu parceiro subirem ao pódio na China. Para o velejador, o Brasil tem ótimas chances de superar a campanha das Olimpíadas de Atenas, em 2004, quando o país conquistou 10 medalhas e terminou na 16ª colocação geral. Como está sua preparação até as Olimpíadas de Pequim? Quantas competições vocês ainda têm pela frente antes dos Jogos? Nós temos mais três campeonatos importantes: a Semama de Spa, na Holanda, que hoje se chama Breitling Regata (de 25 a 29 de maio), temos o Campeonato Europeu, na Croácia (de 3 a 10 de junho), e a Semana de Kiel, na Alemanha (de 19 a 25 de junho). Esses são os três principais torneios. Depois disso temos 15 dias no Brasil e aí já seguimos para Pequim. Vamos com bastante antecedência para tentar velejar um pouco e nos habituar às condições locais, que são bastante complicadas. Você e Bruno Prada vão, em breve, ganhar um barco novo, que está sendo desenvolvido na Itália. Esse barco tem alguma novidade em relação ao que vocês vêm usando? Ele é um barco um pouco mais otimizado para ventos fracos, que são as condições que a gente deve encontrar na raia de Qingdao (800km de Pequim), onde serão disputadas as regatas olímpicas. Lá as condições de vento giram normalmente entre 7 e 10 nós (de 12km/h a 18km/h). Você é octacampeão mundial na classe Laser, foi medalha de ouro nas Olimpíadas de Atenas-2004 e prata nos Jogos de Sydney-2000 nessa categoria. Como será disputar uma olimpíada em uma nova classe. Você acha que vai ser mais difícil ganhar uma medalha em Pequim, mesmo estando amparado por um título mundial que você e o Bruno conquistaram em 2007? Nós estamos muito animados. Nossa dupla evoluiu muito nos últimos dois anos e meio. Quando eu comecei na classe Star muita gente tinha dúvida se eu conseguiria ter a mesma performance ou pelo menos uma performance parecida nesta categoria, já que o meu currículo na Laser sempre foi muito forte. Mas eu acho que provamos que temos o nosso valor. Ganhamos o Mundial (em 2007), fomos vice-campeões mundiais em 2006 e este ano ficamos em terceiro lugar no Mundial. Somos a única dupla que ficou entre as três primeiras nos três últimos mundiais. Então, vamos com muito ânimo, muita força, muita dedicação. Mas sabemos que a nossa condição para esta olimpíada é de muita igualdade com oito ou nove duplas que também estão muito bem preparadas. Vai depender muito do momento, da semana que a gente tiver. Mas eu acredito que temos todas as condições de representar muito bem o Brasil. Nota da redação: No último Campeonato Mundial, disputado em abril, nos Estados Unidos, Scheidt e Prada terminaram em terceiro. Os brasileiros foram superados pelos italianos Diego Negri e Luigi Viale, que ficaram em segundo lugar, e pelos poloneses Mateusz Kusznierewicz e Dominik Zycki, os novos campeões mundiais. Este ano nós não teremos Torben Grael (dono de cinco medalhas olímpicas ; duas de ouro, uma de prata e duas de bronze) competindo em Pequim. Sempre que você e ele chegavam aos Jogos Olímpicos, o Brasil tinha grandes esperanças de duas medalhas na vela. O fato de o Torben não competir e você ser o maior nome da vela do país faz com que você sinta uma responsabilidade maior? Acho que a equipe agora é renovada. As coisas mudaram muito na vela e hoje temos uma nova geração. Eu ainda sou um dos remanescentes da geração do Lars (Lars Grael, irmão de Torben, dono de duas medalhas de bronze em olimpíadas), do Torben e fico muito feliz de ter participado de três olimpíadas na mesma equipe que o Torben e de também ter participado das Olimpíadas de 1996 (em Atlanta) junto com o Lars, que foi o melhor retrospecto do Brasil em jogos olímpicos até hoje na vela, com dois ouros e um bronze. Mas eu não me sinto muito pressionado não. A gente vai para fazer o nosso papel e velejar tranqüilo. O que eu pude tirar de lição dos três jogos olímpicos de que participei é que a competição é muito mais mental do que qualquer outra coisa. Então, é importante estar tranqüilo, relaxado e velejar solto. É com essa mentalidade que a gente vai, sabendo que se a gente não arriscar um pouco também não teremos chance. É importante ir com um certo desprendimento, com uma certa dose de agressividade, principalmente nos primeiros dias. Um bom começo de olimpíada vai ser crucial porque vamos ganhar confiança. Você ressaltou a importância do aspecto mental na disputa de uma olimpíada. Você tem feito ou faz alguma preparação especial nesse sentido? Não. O que eu sempre faço nos grandes eventos é tentar ficar um pouco mais introspectivo. Eu não sou uma pessoa que gosta muito de badalação, de conversar demais. Sou uma pessoa que gosta de ficar mais focada, cuidando do meu equipamento, treinando, cuidando do meu físico, alongando bastante e tentando mentalizar as regatas com um pouco de antecedência para pensar como vai ser o dia seguinte, como vai ser o vento e tentar me preparar mentalmente para cada regata. Eu não faço nenhum trabalho psicológico propriamente dito. O Torben abdicou das Olimpíadas de Pequim para participar da Volvo Ocean Race, onde será o capitão do Ericsson Racing Team. Depois dos Jogos da China, uma possível medalha de ouro pode fazer você pensar em algum projeto nesse sentido, já que aí você teria sido campeão olímpico tanto na laser como na star? Não descarto. Tenho muito interesse, principalmente pelas regatas de America´s Cup. Mas, por outro lado, eu, com 35 anos, ainda sou considerado novo para velejar de star. Tenho todas as condições de seguir na star por mais uma ou duas olimpíadas. Se você for lembrar, o Torben ganhou a última medalha olímpica dele (ouro em Atenas-2004) com 43 anos, acredito eu (na verdade, 44 anos). Então a gente ainda tem muita lenha para queimar na star e esse foi um dos motivos pelo qual eu troquei a classe laser e fiz a dupla com o Bruno Prada. A gente sabia que em caso de classificação para Pequim não era só uma empreitada de apenas uma campanha olímpica. A gente sabia que teria chance de representar o Brasil em várias olimpíadas. Então quer dizer que depois de Torben Grael e Marcelo Ferreira o Brasil pode estar vendo nascer mais uma dupla olímpica de sucesso, desta vez com Robert Scheidt e Bruno Prada? Acho que nossa idéia é continuar após Pequim. Mas vai depender de várias coisas. Eu ainda não conversei com o Bruno sobre isso. Preciso ver qual a disposição dele, já que ele tem família e outros afazeres. Preciso ver a vontade que ele vai ter de seguir. Mas a minha vontade é de seguir para Londres, sim. Mas vai depender das classes que serão olímpicas lá. Mas eu acredito que a Star siga olímpica pelo menos para 2012. Você e o Bruno já competiram na raia olímpica dos Jogos de Pequim? Sim. Na verdade a nossa competição é em Qingdao, que fica a 800 quilômetros ao sul de Pequim. É uma raia difícil, complicada, com pouco vento e muita onda. A gente participou do evento-teste em agosto do ano passado e já pôde ter o primeiro contato com as condições locais. Vejo uma olimpíada de muito equilíbrio e de muitas surpresas. Nas 11 classes olímpicas eu acho que vamos ter muitos resultados surpreendentes, justamente pela condição ser tão diferente e complicada. Os ventos fracos e as ondas nivelam os participantes. Você acha que os Jogos de Pequim vão mesmo ser os mais impressionantes da história como se vem alardeando? Você acredita que a China vai mostrar para o mundo algo impressionante para mandar uma mensagem definitiva do que eles são capazes? Eu acho que vai ser um show maior do que todas as outras olimpíadas. O evento-teste já foi quase do mesmo nível que as Olimpíadas de Atenas em termos de estrutura, organização, marina e das regatas. Acho que vai ser uma olimpíada inesquecível e a gente fica muito feliz em poder participar dessa olimpíada que certamente vai entrar para a história. Pelo que tem acompanhado de outros esportes você acha que é possível superar a campanha de Atenas (o Brasil terminou em 16º, com 10 medalhas ; cinco de ouro, duas de prata e três de bronze)? Acho que é possível. É uma equipe bem diferente e bem renovada. Muitos nomes consagrados do esporte acabaram se aposentando nesse ciclo olímpico e agora temos novos nomes como o Tiago Pereira (da natação), Jade Barbosa e Diego Hypólito (ambos da ginástica olímpica), temos novos nomes na vela, como Ricardo Winick (windsurf) e André Fonseca (classe 49er). Então, acho que é uma olimpíada com grande potencial para surpresas agradáveis. O judô também é um esporte com grande potencial, temos o vôlei masculino, que está no auge, e o vôlei de praia, que sempre traz medalhas. Acho que a equipe é muito forte. Para encerrar, como foi essa tarde de modelo aqui em Brasília e esse momento "Paulo Zulu"? (Risos) Tenho um grande parceiro, que está me patrocinando há mais de seis anos. É uma parceria que é muito importante para a nossa campanha. Eles têm essa visão de longo prazo e então é importante a gente dar esse feedback ao patrocinador para que eles usem a imagem do atleta. É muito importante quando o atleta aparece associado a uma imagem forte assim. Todos ganham: o atleta, a empresa e o esporte em geral.