Você já deve ter esbarrado em alguma foto de uma pessoa usando uma maquiagem cujo efeito deixa o olhar puxado e levantado. Em um primeiro momento, o foxy eyes pode parecer um simples delineado, mas, na verdade, traz detalhes específicos para chegar ao resultado que virou tendência. O uso de efeitos mais duradouros, porém, tem levantado polêmica.
A make, inspirada nos olhos da raposa, vem sendo usada por celebridades, modelos e atrizes há algum tempo, mas foi, no começo do ano, que passou a ficar mais conhecida e replicada. Fã de delineados, a maquiadora e influencer Kendra Morimoto, 23 anos, logo percebeu que o foxy eyes se encaixava perfeitamente no que queria: um efeito alongado e sexy no olhar. “Acredito que a moda tenha começando com as famosas Bella Hadid e Kylie Jenner, que são nomes que sempre vem à minha cabeça quando o foxy eyes é citado.”
Para quem já domina o bom e velho delineado, fazer um foxy eyes talvez não seja muito difícil, uma vez que a técnica consiste na junção do delineado egípcio — que realça e adiciona uma pontinha no canto interno do olho — com o gatinho, que traz um traço alongado no canto externo. É possível, ainda, apostar nas linhas mais esfumadas, suavizar o canto interno ou externo do olho ou mesmo se jogar nos traços pretos marcados e gráficos — vai de acordo com a preferência pessoal.
Para Kendra, não existe uma regra a ser seguida, mas compartilha o que funciona para ela: “Gosto de usar um pincel chanfrado e a pastinha para sobrancelha na cor mais escura, acho bacana quando traz um efeito mais natural e menos marcado. Após delinear os traços, venho com uma sombra por cima para fixá-los e aumentar esse efeito alongado”. Ela acredita, porém, que o foxy eye não funciona para todos os tipos de olhos.
Procedimentos
Segundo a médica dermatologista Ana Carolina Rocha, muitas pessoas têm se espelhado em Bella Haddid e outras celebridades e procurado alternativas para obter o olhar de raposa. As opções vão da própria maquiagem até cirurgia — denominada blefaroplastia ou ritidoplastia —, mas os procedimentos menos invasivos, feitos em consultório, são os mais realizados. “Porém, é fundamental que haja indicação. A escolha deve ser muito bem planejada com um médico de confiança.”
O procedimento de consultório, conhecido como lifting de sobrancelha, é feito a partir de uma combinação de técnicas com uso da toxina botulínica em regiões específicas associado ao preenchimento da cauda do supercílio — visando repor a perda de gordura profunda que serve de estrutura para a sobrancelha arqueada. Em alguns casos, o preenchimento de têmpora também pode ajudar a estruturar essa região. Em seguida, fios à base de ácido poli-l-láctico são utilizados para reposicionar os tecidos e firmá-los na posição desejada.
O resultado final confere aspecto de rabo de cavalo apertado e costuma durar mais ou menos um ano. “O objetivo é elevar a cauda da sobrancelha, contudo, com o terço final nivelado. Esse aspecto, assim como o arqueado – cada um com sua indicação específica, que se baseia na anatomia da paciente —, melhora o aspecto da flacidez da pele da pálpebra, disfarçando-a, e deixa o olhar mais sedutor”, explica a dermatologista.
Todo procedimento, mesmo que minimamente invasivo, envolve riscos. Por isso, Ana Carolina alerta que apenas médicos podem realizá-los e que existem contraindicações do lifting para alguns casos.
Cuidados
Os olhos de raposa também são destaques em encontros científicos, como o 64º Congresso Brasileiro de Oftalmologia — CBO 2020. Para Ricardo Morschbacher, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, o interesse por esses procedimentos nem sempre leva em consideração a anatomia complexa e delicada dos olhos e, por isso, um oftalmologista deve ser consultado nos casos de cirurgia — ainda que não seja ele a fazê-la.
“As pessoas deveriam se perguntar: o meu olho está bem para uma cirurgia? Devo me submeter a um risco cirúrgico sistêmico? Infelizmente, é mais comum a procura por orientações quando algo dá errado, após os procedimentos”, afirma o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular — SBPCO.
De acordo com Ricardo, um dos problemas mais comuns, quando algo não sai bem, é a síndrome do olho seco. Quando acontece, o paciente precisa passar por tratamento com colírios, receitados pelo médico. “Pode haver, também, problemas de superfície ocular ou até complicações cirúrgicas. Por exemplo, algumas intervenções nas pálpebras podem ocasionar alterações no piscar dos olhos e, se o paciente apresentar problemas para fechá-los, será necessário uma nova cirurgia de correção”, explica.
Apropriação e opressão?
O foxy eyes tem gerado debates calorosos na internet, com o questionamento: seria essa uma tendência que carrega preconceito e opressão? Para a estudante de engenharia florestal Mayara Yukari, 22 anos, que tem descendência japonesa, trata-se, sim, de um tipo de apropriação da cultura asiática. “O que predomina nos traços da nossa origem são os olhos puxados e, querendo ou não, muita gente já passou por situações constrangedoras por ter o olho nesse formato. Não considero o foxy eyes algo racista, porque não insulta a nossa aparência, mas é importante parar para pensar que a utilização dessa técnica é vista como algo atraente e bonito, só que alguns asiáticos a consideram algo engraçado ou feio.”
Ela afirma que a técnica começou a fazer sucesso quando bandas de K-Pop — gênero musical originado na Coreia do Sul — passaram a ter mais visibilidade e a aparência tornou-se tendência. “Não me sinto oprimida por quem usa essa maquiagem, mas me sinto desrespeitada por pessoas que fazem procedimento estético e tiram fotos segurando as têmporas. Nossas características não são algo da moda, para ser bonito em outras pessoas”, diz Mayara. “Sofri bullying a minha infância inteira e ouvi diversas piadas sobre minha aparência. Tentei, por diversas vezes, mudar meu jeito para parecer um pouco ‘normal’, odiava ter meus olhos puxados e sentia vergonha disso”.
Giovanna Akiyama Valles, 22, estudante de relações internacionais e neta de japoneses, afirma que também já sofreu inúmeras vezes por ter traços asiáticos. “Essa tendência me gera um desconforto, pois é algo que passo desde pequena, por não me sentir tão bonita ou sempre diferente dos outros. Ver outras pessoas se apropriando de uma característica que nos faz ser quem somos, como asiáticos, incomoda-me, pois, isso de puxar as têmporas é o principal sinal de repressão contra nós. Quando criança, fui extremamente excluída em alguns casos e, até hoje, sofro ataques machistas de homens que têm fetiche em mulheres amarelas”.
Ela acredita que muita gente tem um pouco de dificuldade de compreender as problemáticas do foxy eyes, mas que esse é um debate importante. “É recente para nós nos abrirmos e falarmos sobre nossas dores como minoria asiática. Os procedimentos ou técnicas de levantar o olhar é literalmente puxar os olhos. Isso é problemático porque vivemos em uma sociedade com hierarquização racial, isto é, o branco é o padrão. Por conta disso, ficamos nesse limbo entre pretos e brancos, e somos sujeitos a violências, uma delas é a fetichização, explica. Segundo a estudante, uma das cirurgias mais comuns na Ásia é a de ocidentalização dos olhos, justamente pela pressão que sofrem do padrão americano e europeu.
Nas redes sociais, Giovanna, também, tem compartilhado publicações e sua opinião sobre o assunto. “Maquiagem é uma forma de expressão, mas se o que você expressa de alguma forma afeta negativamente alguém e oprime o outro trazendo dores, por que continuar? Essa técnica vai muito além, ela reforça que porque pessoas não amarelas decidiram que é uma trend, então, vai ser considerado bonito. Mas e antes? Existe agora, após toda essa polêmica, uma diferença entre pessoas que ainda não entenderam a discussão e as que entenderam, mas não ligam. A problemática toda não é brancos fazerem ou não, mas, sim, por que, quando eles usam, é valorizado e, quando é visto em nós, é tirado sarro?”, questiona.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte