Segundo o veterinário, os sintomas da doença podem envolver salivação excessiva, movimentos que tendem a se repetir da mesma forma, lambidas no próprio corpo, vômitos, tremores musculares e na face, aumento dos tônus musculares, movimentos focais, entre outros. “São esses alguns dos sinais que o tutor vai se deparar na hora de identificar crise epiléptica.”
Bernardo de Caro Martins, mestre e doutor em clínica e cirurgia veterinária com ênfase em neurologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que as crises epilépticas têm quatro estágios bem definidos. O período prodrome é o que antecede a crise. Nele, podem ser observados sinais comportamentais, como desorientação, agressividade, andar compulsivo, fobias.
A segunda fase é definida como icto, e representa a crise em si. Os sintomas dependem da região encefálica acometida e podem variar entre sinais focais, como espasmos faciais, de membros, salivação, delírio, midríase, até generalizados, como perda de consciência, defecação, micção, tremores generalizados pelo corpo e rigidez muscular, que duram, geralmente, 60 a 90 segundos.
O terceiro estágio é denominado de pós-icto e ocorre imediatamente após a crise, com duração de minutos a dias. Nele, alterações comportamentais, como cegueira, andar em círculo, andar compulsivo, agressividade, podem ser manifestadas. A última fase, a inter-ictal, é quando o animal saiu da crise.
Ao identificar uma crise, é indicado que o tutor coloque um aparato debaixo da cabeça do animal para que o mesmo não se machuque. “Jamais ponha a mão na boca para tentar desenrolar a língua”, alerta o profissional. Deve-se levar o animal ao veterinário se a crise durar mais de cinco minutos ou se ele apresentar mais de duas crises no mesmo dia. “São eventos emergenciais, que devem ser interrompidos rapidamente pelo veterinário”, justifica.
Dois tipos
Bernardo explica que as epilepsias podem ser classificadas como idiopáticas ou estruturais. As idiopáticas são caracterizadas como genéticas — em que há um gene estabelecido para determinada raça, como o pastor alemão —; provavelmente genética — em que não há um gene ainda estabelecido, mas devido à alta incidência da doença em determinadas raças, como border colie, labrador, golden retriever, acredita-se que existe um fator genético envolvido –; e de causas desconhecidas.
Nesse segundo tipo, meningoencefalomielites, acidentes vasculares ou qualquer outra causa que altere o formato do cérebro podem levar à patologia. Os fatores relacionados podem ser diversos. Segundo o veterinário Antonio, lesões encefaálicas, neoplasias, traumas, anomalias congênitas, degenerativas, medicamentosas, intoxicação por organofosforados, carbomatos, hipoglicemias e encefalopatia hepática também podem causar a epilepsia.
Olivia, uma buldogue francês de 2 anos, conquistou a designer Carla Stanislau, 39, e toda a família desde o primeiro momento, em uma visita ao canil. “Entre muitos, escolhemos aquela que estava deitada no potinho de ração e tinha uma manchinha em formato de coração. Era a mais calma e nos conquistou com o olhar. Logo fomos percebendo que aquela buldoguinha tinha algo especial”, relembra a tutora.
Algum tempo depois, Olivia apresentou sua primeira convulsão. Apesar de nunca ter presenciado um cachorro em crise, Carla soube na hora do que se tratava e, a partir dali, a investigação começou. O diagnóstico veio dois meses depois. Sem causa identificada e com todos os exames sem alterações, a epilepsia foi classificada como idiopática.
A tutora conta que outras formas de manifestação de crises epilépticas foram novidade. “Não tive dúvida quando era uma convulsão, uma crise generalizada. Mas ela também tem muita crise focal, essa eu não conhecia. Elas acometem apenas uma parte do cérebro, manifestam-se de várias formas e, às vezes, bem-estranhas, como lamber o ar ou caçar moscas imaginárias. Para um tutor leigo no assunto, pode passar despercebido tranquilamente.”
Depois do diagnóstico, ela passou a estudar bastante sobre a doença e, com o tempo, começou a associar alguns comportamentos como sinais das crises de Olivia, como farejar muito. “Às vezes, ela fica muito apática alguns dias antes; outras, com o olhar robotizado. Acontece, também, de acharmos que ela está estranha, ficarmos atentos por dias, e nada acontecer. Acho que o primeiro ano é o mais complicado, porque ainda estamos aprendendo e descobrindo muitas coisas sobre a doença. A primeira coisa que percebemos foi que a ansiedade e o estresse funcionavam como um gatilho para as crises, então, tentamos evitar situações que a deixa muito agitada”, afirma.
Pensando nisso, a família deixou de receber visitas por mais de um ano e viajam apenas para lugares que possa levar Olivia e que tenham clínicas veterinárias 24 horas por perto. A buldogue também tem acompanhamento da veterinária nutricionista Larissa Bitencourt e uma alimentação natural – dieta cetogênica –, que, segundo a tutora, é indicada, inclusive, para humanos que tenham epilepsia.
A buldogue faz tratamento desde o diagnóstico, e Carla conta que até hoje estão procurando o melhor para ela, fazendo ajustes nas dosagens e combinando alguns anticonvulsivantes para tentar diminuir a intensidade e aumentar o intervalo das crises. “Não podemos deixar de dar os medicamentos. Além disso, os exames básicos de sangue precisam ser periódicos.”
No perfil do Instagram (@olivia.bulldogfrances), ela compartilha um pouco do dia a dia de Oliva e de seu relato sobre a epilepsia canina, além de fazer uma verdadeira corrente de apoio com outros tutores que passam pela mesma situação. “Esse apoio emocional e a troca de experiência são importantes e trazem muitos benefícios. Inclusive, acabei criando um grupo com mais de 35 tutoras, em que conversamos diariamente, uma ajudando a outra.” Carla finaliza com um recado: “Li em algum artigo que a maioria dos cães com epilepsia tem mais dias bons do que ruins, então devemos aproveitar os bons!”
Tratamentos e cuidados
Segundo Bernardo de Caro, a epilepsia é uma doença que pode ser muito bem controlada, principalmente quando tratada de forma precoce. “Os tutores devem sair da consulta completamente esclarecidos, pois eles terão importante papel para que o tratamento seja um sucesso. É importante, também, ter a consciência de que a reprodução de animais que são diagnosticados com epilepsia idiopática é perigosa, e deve ser evitada”, afirma.
O veterinário complementa dizendo que animais com epilepsia idiopática necessitam de tratamento para o resto da vida. Já os com epilepsia estrutural, se a causa tiver sido tratada, podem ter as medicações retiradas, caso o paciente permaneça pelo menos seis meses sem ter tido uma única crise. “Dietas ricas em ácidos graxos de cadeia média podem auxiliar no controle da doença.”
É graças ao controle do tratamento que Cacau, uma cachorrinha de 7 anos, uma mistura de poodle e lhasa apso, mantém uma vida sem grandes alterações. A única preocupação diária da tutora, Emília Andrade, 46, servidora pública, é seguir rigorosamente os horários das medicações.
“O horário tem que ser seguido religiosamente para que a concentração da medicação mantenha-se no organismo dela, porque essa é a substância que controla a crise. Além disso, Cacau toma um manipulado pela manhã”, explica a tutora, que vai regularmente ao veterinário para garantir que a quantidade da medicação esteja adequada para o peso, o fígado e o bem-estar de Cacau.
Apesar do diagnóstico, o quadro de Cacau não parece ter causa identificada. Foi constatado apenas que fatores estressantes, como a ausência de um membro querido durante certo tempo, são grandes desencadeadores para as manifestações mais graves do quadro. Suas crises, normalmente, são identificadas pelos tremores, que não são sutis, como se estivesse com muito medo ou frio.
Cacau também dá sinais que são facilmente interpretados. Quando ela fica mais quieta, com alguns tremores, a tutora fica de olho porque podem ser sinais de que uma crise está próxima. Com todos esses cuidados, a cachorrinha pode manter sua boa qualidade de vida. “Ela é uma cachorra completamente normal, brincalhona, fofa, a epilepsia não altera em nada a rotina dela.”
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte