A vida útil de uma rede social costuma – ou costumava ter – uma certa lógica. Primeiro, a plataforma faz sucesso entre os jovens; depois de um período, a novidade passa. Os mais velhos, que tendem a demorar um pouco mais para se acostumar a novas funcionalidade e tecnologias, começam a criar seus perfis e se tornar mais ativos. Os mais jovens, então, continuam o ciclo e migram para a próxima novidade.
Ou seja, as faixas etárias costumam se dividir e ser mais ou menos presentes, a depender da rede. No TikTok, o fenômeno não se aplica. No app, todos estão ativos ao mesmo tempo e interagindo entre faixas etárias. Nestas páginas, por exemplo, temos tiktokers brasiliense de 12, 17, 30, 35 e 54 anos. A mais nova, a estudante Catarina Ribeiro Imbroisi, começou a fazer vídeos com a mãe, a empresária Luciana Ribeiro, 46 anos.
Em dezembro do ano passado, as duas faziam danças e desafios juntas. A ideia era uma diversão entre mãe e filha, mas logo a timidez de Luciana se fez presente e os vídeos individuais de Catarina se tornaram mais comuns. “Ela ficava com vergonha de fazer as dancinhas e as dublagens. A gente ri muito quando eu danço, e ela tenta copiar”, conta a estudante.
Além das danças e dublagens, os mais de 5 mil seguidores de Catarina acompanham vídeos da rotina da jovem e de desafios, que se tornaram muito mais frequentes com o tempo livre extra que surgiu com o isolamento.
Luciana, que tem um perfil para acompanhar as publicações da filha, afirma que está sempre de olho nos comentários e no perfil dos seguidores. “Já pedi para apagar um vídeo que tinha linguagem que não condizia com a idade. Além de monitorar, estou sempre orientando para não conversar com estranhos, por exemplo.”
Catarina se diverte no TikTok, interage com as amigas e segue diversos tipos de perfis, como o de idosos que produzem conteúdo com os netos. “É muito legal, porque muitos idosos estão solitários no isolamento e sentem falta de carinhos. Nos comentários, as pessoas elogiam, incentivam e eles agradecem, interagem.” Para a estudante, a rede permite que as pessoas aprendam coisas novas, distraiam-se e até mesmo descubram talentos escondidos, além de interagir com os amigos afastados.
Em busca de oportunidade
Maria Eduarda Mol Mohamed, 17 anos, entrou no Tik Tok antes mesmo que a rede tivesse esse nome, há cerca de dois anos, e permaneceu no app depois das mudanças, que considerou positivas no quesito engajamento. A estudante cria vídeos chamados de “POVs”, abreviação para a expressão em inglês point of view — ponto de vista, em livre tradução — e aposta na atuação e criação de pequenas histórias e narrativas.
Fã de comédias e POVs, Maria Eduarda acredita que o TikTok caiu nas graças do público por permitir que qualquer usuário com conteúdo de qualidade cresça e conquiste visibilidade. Com o sonho de ser atriz e investindo nas redes sociais profissionalmente, ela chega a passar cinco horas produzindo um vídeo, e acredita que o app valorize seu trabalho e traz oportunidades.
Durante o isolamento, afirma que suas visualizações aumentaram mais ainda e até o pai, que nunca tinha usado, passa o dia rindo dos vídeos de comédia no perfil recém-criado.
Quebrando preconceitos
Menos de 30 dias foi o tempo necessário para a assistente social, atleta de parabadminton e administradora Aline de Oliveira Cabral, 35, alcançar um número sólido de mais de 40 mil seguidores. Cadeirante, Aline usa seu perfil para fazer os desafios e danças e mostrar sua rotina, desmistificando estigmas sobre pessoas com deficiência e quebrando preconceitos. “Essa visibilidade ajuda até mesmo pessoas que têm vergonha das próprias deficiências. Elas percebem que podem ser lindas, sexys, engraçadas.”
Com uma rotina atribulada, resolveu entrar no TikTok com o tempo livre do isolamento e para fazer parte do que as amigas tanto falavam e comentavam. “Não tinha expectativa de ficar postando muito, mas peguei gosto e hoje posto de tudo: minha rotina, danças e meu trabalho.”
Um de seus vídeos com maior repercussão foi em que fez uma dança sensual. Ela ressalta que muitas pessoas têm dúvidas quanto à vida sexual de pessoas com deficiência e o quanto é importante desconstruir a ideia de invalidez que muita gente ainda preserva.
Para a atleta, o isolamento social ressaltou que não temos controle da vida e, por isso, precisamos aproveitar e valorizar cada momento. No TikTok, ela gosta de ver vídeos que a façam sorrir e se desligar da negatividade.
Fã dos filtros, que a livram de ter que usar maquiagem sempre que grava, avalia que as redes sociais têm ligado as pessoas ao mundo e permitido que se sintam menos solitárias. “Vejo muitos idosos e acho válido, pois o divertimento deles era sair de casa, estar com os netos e amigos, e, graças à internet, podem se distrair e se sentir amados.”
Divertimento em família
Para a família da assessora Ruzielde Aparecida de Souza, 54 anos, o TikTok é uma fonte de diversão, mas vai muito além da distração. O aplicativo funciona, também, como forma de terapia alternativa durante o isolamento social. Na rede social há três anos, Roze, como é conhecida, tem feito diversos vídeos com a filha, a atriz Maju Souza, 20 anos, e o marido, o aposentado João Henrique Rucinski, 58, que sofreu um AVC e começou a recuperar os movimentos de um ano para cá.
Ela conta que as dublagens, os desafios e as danças ajudam João a trabalhar a área motora e cognitiva, além de os deixarem extremamente feliz. “Alguns vídeos ele mesmo pede para fazer, pois o ajudam a se sentir mais seguro de si e confiante. Fica muito feliz com os comentários de incentivo, de apoio, e isso ajuda muito na superação. Tornou-se um app que me faz acreditar em um mundo melhor”, conta Roze.
Em junho, a família fez um desafio para trabalhar a coordenação motora fina e cognitiva. A cada erro cometido por Roze e Maju, João podia maquiá-las como quisesse. A terapia e a diversão foram garantidas. Além do processo terapêutico para João, o Tik Tok é onde Roze busca e ensina receitas diferentes e como se sente mais livre, mesmo estando dentro de casa. Poder mostrar para as pessoas o que sente, pensa e gosta faz com que a assessora se sinta menos solitária.
Vídeos mais sérios, de reflexão e lições de vida também são alguns dos conteúdos curtidos por Roze, além de imagens de grandes ondas e praias distantes. Para ela, a diversidade de material e de usuários permite uma interação benéfica entre idosos e jovens, por exemplo. “Você vê uma troca genuína, as pessoas comentam, elogiam, são gentis, incentivam e fazem com que o outro se sinta lindo e amado.”