Correio Braziliense
postado em 03/07/2020 08:00
Assim como os seres humanos, cães e gatos estão sujeitos a desenvolver diversas patologias e condições médicas. A cegueira é uma delas e pode exigir cuidados especiais por parte dos tutores em alguns casos.Como estamos falando de animais de audição e olfato bastante aguçados, a adaptação à nova condição costuma ser mais fácil, como no caso da gatinha Marie, de nove anos. Logo que foi adotada, com poucos meses, pela consultora em comportamento felino Ana Paula Corrêa, 32, ela apresentava a perda de visão. “Um dos olhos não tem cor, ele é branco, como se tivesse uma capa”, explica a tutora.
O problema foi um dos motivos que levou Any Corrêa, como Ana Paula é conhecida no mundo dos gatos e em seu perfil (@anycorrea.catlion), a adotá-la. “Foi amor à primeira vista. Eu sabia que a probabilidade de as pessoas adotarem um gato cego era superbaixa e como não me importava, não restaram dúvidas. Ela terminou de me conquistar ao pegar uma bolinha de papel com a boca e sair correndo para brincar”, relembra.
Segundo ela, a causa da cegueira não é exata, mas a protetora que cuidava de Marie relatou que a gata teve uma conjuntivite e não foi medicada corretamente. “Fiz alguns exames pois pretendia operar para ela voltar a enxergar, mas a veterinária falou que era totalmente estético pois Marie tinha se acostumado a enxergar por apenas um dos olhos e não valeria a pena todo o estresse da cirurgia e pós-cirúrgico. Então, optei por não fazer”.
A condição não causa praticamente nenhuma limitação à felina e Any afirma que nessas situações as vibrissas — bigodes — são um dos recursos que ajudam os gatos a se situarem no ambiente, inclusive aqueles que têm perda de visão dos dois olhos. “A única coisa que percebo é que ela é um pouco mais intolerante a alguns toques e escovação. Acredito que seja um tipo de defesa a mais justamente por só enxergar por um dos olhos. A natureza é incrível!”, relata a consultora.
Marie é ativa, brinca, pula e frequentemente estampa lindas fotos compartilhadas no Instagram da tutora, junto com conteúdos sobre comportamento felino e melhoria da qualidade de vida e relacionamento com o animal que Any produz para a plataforma.
A médica veterinária que presta serviço aos setores de anestesia e oftalmologia da rede Petz, Natalie Rodrigues, explica que a cegueira é uma condição comum entre cães e gatos e que entre as principais causas estão a catarata — que ocorre quando a lente natural denominada cristalino se torna opaca —, o glaucoma — caracterizado pelo aumento da pressão ocular e danos nas estruturas nervosas dos olhos — e algumas doenças da retina. É importante estar atento ao quadro da doença, uma vez que algumas patologias são progressivas, e levar o animal para fazer check-ups com a frequência indicada pelo médico veterinário.
Quando começam a apresentar perda parcial da visão e embaçamento, os bichos passam a utilizar os demais sentidos de forma mais aguçada e se adaptam rapidamente. Por isso, é difícil a identificação imediata das doenças. “Normalmente, quando chega ao consultório já está totalmente cego porque não foi percebida a perda gradual de visão. Os casos de cegueira súbita, em que o cachorro dorme e acorda cego, são mais fáceis de notar porque ele fica desorientado e a adaptação é mais difícil”, afirma a doutora.
Ela reforça que perceber os sinais das patologias é importante, uma vez que, quanto mais rápido o tratamento for iniciado, maiores são as chances de conter o avanço do quadro ou de revertê-lo. “O tratamento da catarata é cirúrgico. O glaucoma é complicado, mas, em alguns pacientes, quando diagnosticado muito cedo, conseguimos dar uma qualidade de vida e estacionar a doença”, explica.
Por isso, fique atento se seu pet não está mais acompanhando a bolinha quando é jogada, se esbarra nos móveis e está mais dorminhoco, se sente dor na região — perceptível quando esfrega os olhos no chão — se apresenta opacidade, mancha, mudança na coloração dos olhos ou aumento do globo ocular e procure a orientação de um veterinário oftalmologista, pois esses podem ser indícios de desenvolvimento de patologias ligadas à visão.
Cuidados para adaptação
A professora de educação física Carla Lowrrainy, 27, percebeu que seu cachorro Paçoca (@pacocasantos, no Instagram), de cinco anos, estava perdendo a visão quando jogou uma bolinha e ele não sabia onde estava. “Como ele brincava de pique esconde comigo, achei estranho, pois sempre foi muito esperto”. O cãozinho teve catarata e perdeu completamente a visão dos dois olhos. Segundo Carla, a veterinária de Paçoca acredita que a nova condição pode estar ligada à doença do carrapato assintomática. Hoje, ele faz tratamentos com colírios para evitar a retirada dos globos oculares.
Juntos desde 2016, a professora afirma que o companheiro de quatro patas é dócil, manhoso, brincalhão, dorminhoco e que poucas coisas mudaram na rotina, uma vez que ele se adaptou à condição e consegue fazer tudo sozinho. “Inclusive passear. Meu pai ensinou isso para ele quando era novinho e ele continua tendo a mesma rotina. Paçoca acompanha Carla nas corridas na pista de caminhada do Guará II. Essa parceria rendeu novas formas de sinalização: ela dá dois tapinhas na perna para que ele entenda quando tem que desviar de alguém.
Quando se mudou da casa dos pais, há um pouco mais de um ano, ela decidiu não levar o companheiro para a nova residência. A separação pode ser dolorosa e a saudade pode apertar, mas a decisão de Carla foi acertada e segue uma das principais dicas dos veterinários sobre adaptação de pets com cegueira total: não alterar a disposição dos móveis ou espaço que ele vive, uma vez que isso poderia causar estranheza ou até um acidente com o animal.
Além disso, deve-se tirar objetos pontiagudos do alcance deles e não deixá-los perto de piscina sem supervisão, nem em locais altos, desconhecidos por eles ou de escadas — o melhor é colocar um portãozinho para evitar que ele tente subir ou descer os degraus sozinho. É indicado passear sempre com a coleira e a guia, para que ele fique perto e não sofra o risco de cair em buracos ou se perder.
Adoção responsável e especial
Animais portadores de condições especiais, como a cegueira, muitas vezes são preteridos por potenciais tutores na hora da adoção porque alguns mantém um pensamento de que esse é um quadro de difícil convivência.
Heloí Fernandes, psicóloga, 27, descobriu o amor ao ver a foto de Capitão Sirius Rocco Black, quando ele estava recuperado e em busca de adoção, no perfil do abrigo Toca Segura. “Mandei mensagem e agendei uma visita ao abrigo. Mandei fotos da minha casa, respondi o questionário que eles mandam para os adotantes e, na visita, assinei o termo de responsabilidade. A princípio as visitas são para conhecer os animais, mas, quando eu o vi, já sabia sem dúvida que era ele que eu ia adotar!”, explica.
Capitão havia sido vítima da violência humana e teve um de seus olhos esfaqueado. Por isso, teve que fazer uma cirurgia de emergência para a retirada do globo ocular e para fechar a ferida. “Apesar de ter sofrido tanto, ele é um cachorro extremamente amável, se dá bem com a maioria dos cachorros e é muito dócil com pessoas. Quando eu voltei pra casa com ele, ficou no meu colo por todo o trajeto. Eu me senti muito feliz por essa escolha”.
A psicóloga afirma que nunca pensou nele como um animal incompleto ou limitado. Para ela, ele sempre foi um cachorro e ponto. Mas, ela sabe que a realidade para animais especiais em adoção, no geral, é complicada. “Há o receio das pessoas de, talvez, ser mais difícil pra cuidar ou achar que não é bonito. Nem sei, porque pra mim ele é a criatura mais linda. Se posso dizer alguma coisa é que animais com necessidades especiais vão te amar da mesma forma ou talvez mais”, alerta ela.
*Estagiária sob supervisão de Taís Braga
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