Revista

A alma da cidade


O ministro falou mal de Brasília. E quem liga? Não reconheço críticas a uma cidade – qualquer uma – de quem nunca frequentou seus botequins. E daqui o ministro só conhece as recepções, os salamaleques, a falsidade da alta roda, o champã oriundo de descaminhos, as vinhas da ira. Não sabe nada do ambiente do bar, que é a alma das cidades.

É no botequim que a cidade se revela. No desfile dos personagens, nos casos, na convivência e até nas discussões mais acirradas, que se forja a personalidade comunitária que, por incrível que pareça, alcança até quem – coitado – não frequenta o boteco. Mais que no confessionário, é no bar que são feitas as revelações mais honestas.

O ministro não conhece o bar da Baixinha, no Lago Norte, frequentado pelas mesmas pessoas quase todas as noites extrapandemia, mas que ferve aos domingos com uma animada roda musical onde todos são bem-vindos. Não conhece o Armazém do Ferreira, que tem uma freguesia menos fiel, mas não menos animada.

Não sabe onde ficam o Amigão, o Faisão Dourado, o Luiz. Nunca encontrou o poeta Climério Ferreira tomando sua cervejinha no Fausto & Manoel da 209 Norte, nem viu um jogo de futebol no Shot Rock de Taguatinga, sequer sabe da existência do Bar do Magal, em Vicente Pires. E é claro que não experimentou o caldo de feijão do Cartório’s, em Taguatinga, nem o torresmo do Tião, no Posto Colorado.

Beira a irresponsabilidade falar bem ou mal da cidade sem conhecer a camaradagem do Butiquim do Tuim, no Lago Norte, a distribuidora de bebidas Piauí, na Asa Sul, ou o Sarará do Gama. Sem provar o sarapatel do Silvio’s, na Asa Norte, ou o charuto do Luizão, outro do Lago Norte, ninguém pode dizer que conhece Brasília.

Uma opinião será sempre tendenciosa se o sujeito não tomar uma cervejinha no Beira Lago de Brazlândia, um chopinho no Bierfass do Pontão do Lago Sul ou um uisquinho no Marina do Clube do Congresso – todos com uma deslumbrante paisagem aquática à frente. E como dizer que se conhece Brasília sem frequentar os Beirutes, sul e norte?

O ministro deve achar que sabe alguma coisa da vida talvez porque admire a filosofia de botequim do tal Olavo de Carvalho ou porque sabe um ou dois palavrões e, por isso, acha que o mundo é um bar de má fama. Mas ele não sabe que ninguém frequenta boteco para xingar ou para beber, embora se faça as duas coisas; quem vai ao boteco sai em busca de humanidade, calor, aconchego e companhia – até mesmo quando a vontade é de ficar só. 

O bar é um lugar de conflito com paz, contraditório como os homens. Ali, vícios e virtudes se completam. Mas não se mistura bar e política dos homens do poder; porque o bar é a cidade, não é federal. Botequim não é risca-faca, bar não é cabaré, alcoceifa, lupanar ou qualquer lugar de porneia. Aliás, o que a gente menos precisa é de um ministro sem educação.