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Mindful eating: alimentação consciente e autoconhecimento

Identificar o tipo de fome e escolher o que comer é uma forma de autoconhecimento e ajuda no equilíbrio nutricional



São inúmeras as piadas, algumas de gosto duvidoso, sobre comer demais e sobre ganho de peso durante o período de isolamento imposto pela pandemia do coronavírus. Mas, se, em vez de focar no número na balança, em alimentos proibidos por serem muito calóricos, concentrarmo-nos totalmente nos momentos das refeições e nos sentimentos que antecedem aquele desejo que parece incontrolável por atacar uma caixa de chocolate inteira? Consciência na alimentação: é isso que o mindful eating propõe.

“O mindful eating é mais uma forma de autoconhecimento que dá ferramentas para escolher os alimentos antes e para se alimentar com atenção plena”, explica a instrutora Luiza Bittencourt. Nele, usa-se todos os sentidos para identificar o tipo de fome que se sente e escolher os alimentos que são satisfatórios para você naquele momento e nutritivos para seu corpo, além de reconhecer as reações que eles provocam.

Na adolescência, Vanessa Campos, 40 anos, ativista body positive e dona do perfil @blogueirafail no Instagram, sofreu de diversos transtornos alimentares. Ao longo da vida, tentou inúmeras dietas, até fazer as pazes com o próprio corpo e criar uma consciência alimentar, graças à terapia, meditação e autoconhecimento. Mesmo assim, há algum tempo, descobriu o mindful eating e decidiu aplicar. “Eu já estava praticando a meditação mindfulness, então, resolvi sair do lugar de arrogância de que não preciso de mais nada e tentar”, conta.

Com o auxílio da nutricionista e instrutora de mindful eating Marcela Brum, Vanessa deu-se conta de várias coisas que acreditava saber estavam erradas. “Eu descobri que não dava importância para a hora de comer e achava que isso era bom. Parar de trabalhar para comer, pra mim, era um inferno. Eu tinha que produzir — isso, sim, era importante”, lembra. Alguns dias, chegava em casa tarde, cansada e ficava no dilema entre comer ou dormir. Sempre escolhia dormir.

Um hábito que mudou foi o de não tomar café da manhã. “Eu achava que não tinha fome, mas aí, por volta das 10h30, eu precisava comer. Não comia, porque estava perto da hora do almoço. Quando ele chegava, depois de tantas horas sem me alimentar, eu comia muito e rápido.” Vanessa precisou, então, descobrir como era essa fome que sentia perto da hora que acordava. Uma fruta ou um suco já lhe saciaria para que a fome das 10h30 não aparecesse e ela não jejuasse até o almoço.

A nutricionista Marcela explica que o jejum deixa o corpo em sinal de alerta, o que não lhe faz bem. “O cérebro não entende que a dieta é para emagrecer. Ele acha que lá fora está acontecendo a Terceira Guerra Mundial, então, além de armazenar, quando pode, ele manda comer o máximo”, explica. Já as dietas que impõem se alimentar a cada três horas fazem com que percamos a noção de quando estamos com fome. Deixamos de escutar nosso corpo.

É isso que o mindful eating prega: que prestemos atenção no nosso corpo e em cada refeição. Desde que conheceu as ferramentas dele, Vanessa deixa o celular longe, quando vai se alimentar. Também não assiste à televisão ou fica no computador. “Em casa, faço meu prato e monto uma mesa bonita pra mim. Também coloco uma música instrumental, pra não pensar na letra dela”, recomenda. Ela admite que não é fácil esvaziar a cabeça e não pensar nos problemas ou em tudo que tem pra fazer depois daquela refeição, mas é um esforço diário.

Dessa forma, Vanessa aprecia o visual do alimento, os cheiros, come devagar, sente os sabores, o tempero. Se algo não está tão bom, deixa de lado. Não come no automático, só porque está no prato na frente dela. Uma das dicas de Marcela é sempre deixar os talheres descansarem, enquanto mastiga. “Se não, a gente está mastigando e já pensando na próxima garfada. O ideal é, só quando terminar de mastigar (e é bom mastigar bastante), pensar na próxima”, sugere. Segundo ela, o cérebro demora cerca de 20 minutos para entender que está saciado, portanto, é bom que a refeição dure um pouco mais.

Apesar de não fazer dieta há muitos anos, Vanessa ainda vilanizava alguns alimentos. “Eu demonizava o pão de um jeito. Farinha de trigo, então...”, conta. O mindful eating fez a ativista ver que nenhuma comida faz mal, se for comida com atenção, com prazer e respeitando o corpo e a fome que ele sente.

Emagrecimento

Vale ressaltar que Vanessa não procurou o mindful eating porque queria emagrecer. Nem é esse o foco da prática. “Existe uma crença de que se alimentar bem deixa a gente magra, mas isso vem da crença de que os magros são saudáveis e os gordos, não”, afirma Vanessa. “A ideia é tratar o corpo com gentileza e se ele não estiver confortável como está, ele vai responder, vai mudar”, explica Marcela.

O mindful eating, portanto, é para todos: magros, gordos, para quem quer emagrecer, para quem quer engordar e para quer continuar como está. “Com ele, muitas pessoas passam a dormir melhor, embora o peso não mude”, explica a profissional. Um dos objetivos é que as pessoas façam as pazes com a comida e com o corpo. Segundo ela, de 30% a 35% das meninas de cinco anos já não gostam do próprio corpo. “O que é muito louco, porque os meninos não se sentem assim”, lamenta.

Segundo Marcela, as dietas vão de encontro com o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define como saúde: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. “As dietas não cobrem nem o físico, quem dirá o emocional”, defende. “Existem estudos que mostram que 95% das pessoas que fazem dieta vão engordar de novo, além de desregular o centro de fome e saciedade. Você tomaria um remédio para dor de cabeça que tem 95% de chance de não dar certo e de ainda piorar?”

Para ela, quando se restringe um alimento específico como o chocolate, pensamos ainda mais nele e temos mais desejo. “A primeira sabedoria é que não existe proibição. A segunda é saber dosar”, resume. De acordo com a nutricionista, também há estudos que mostram que, quando se come com culpa, come-se mais rápido e mais desatento. Além disso, a proibição provoca o overeating (comer demais). Se você abre exceção para aquele alimento, vai comer mais do que precisa, afinal, é só aquela vez e nunca mais.

As nove fomes


Fome de ouvido: Barulhos servem como gatilhos para a fome. Pacote abrindo, pipoca estourando, o som de alguém comendo. Perceba os sons de cada alimento e note quais  o atraem e como isso influencia nas suas escolhas. É possível comermos apenas pelo barulho. O que pode satisfazer essa fome? Sons de natureza, música, conversar com quem você gosta. Note o que anda ouvindo e pense se você está se nutrindo. Uma dica mindful é refletir se existe algum alimento que você come por puro prazer de ouvir o barulho ao mastigar.

Fome do tato: A primeira exploração é feita com as mãos. Sentimos a temperatura, a consistência do alimento. Percebemos se a fruta está madura e notamos que algumas comidas são mais gostosas se comemos com as mãos. Observe texturas, como a casca da fruta. Manuseie a comida e perceba quais toques te atraem. É importante sentir a aversão também, as sensações do tato que desagradam. O que satisfaz essa fome? Cozinhar é uma boa opção. Uma dica mindful é perceber se algo muda ao comer um sanduíche com garfo e faca.

Fome celular: Comer o que o corpo está, de fato, pedindo. Quando não damos atenção a essa fome, podemos sentir cansaço, dores de cabeça, tontura e irritação. Perceba os sinais de fome no corpo e respeite essa sabedoria interna. Exemplo: se estou com azia, devo tomar café depois do almoço? Se estou com dor de cabeça, o que posso comer para ajudar? Essa fome se satisfaz de nutrientes. Dica mindful: ouça seu corpo.

Fome dos olhos: A visão tem uma enorme influência no que comemos. Mesmo já satisfeitos, pedimos uma sobremesa se ela está nos chamando a atenção. Esse tipo de fome é satisfeita pela beleza. Você pode nutrir a fome dos olhos apreciando uma bela paisagem. Você também pode preparar um prato bonito e arrumar a mesa. Dica mindful: olhar bem o alimento antes de consumi-lo. Procure notar algo novo naquela comida. Observe as escolhas feitas e reflita se foram conscientes.

Fome do nariz: Note aromas, cheiros e fragrâncias. Perfumes agradáveis despertam essa fome, que possui conexão com memórias afetivas. Perceba quais aromas de alimentos o atraem (pão de queijo assando, pipoca). A fome do nariz é satisfeita com fragrâncias, chás, ou essências para o ambiente. Uma dica mindful é levar a comida perto do nariz antes de colocá-la na boca. Feche os olhos, sinta o cheiro e como seu corpo responde.

Fome do estômago: Quais são os sinais de fome? E de saciedade? Barriga roncando nem sempre é sinal de fome, pode ter relação com ansiedade ou nervosismo. Existem três níveis para o estômago: vazio, o “posso comer mais” e o cheio. A autorregulação vem se você estiver em contato com o corpo. Não esqueça de fazer o check-in da sua fome: antes de comer, no meio da refeição e ao final. Essa fome é satisfeita pela quantidade certa de alimento consumido. Dica mindful: repare nos sinais que o corpo e o estômago dão ao longo do dia. O que acontece quando está com fome? 

Fome da boca: Observe texturas e sabores, perceba a salivação, a mastigação e os movimentos da língua. Muitas vezes repetimos o prato porque não sentimos o gosto do primeiro direito. Isso ocorre por estarmos sempre comendo correndo e desatentos no momento das refeições. Se a fome da boca não é satisfeita, ela leva à compulsão. Dica mindful aqui é perceber que o nosso paladar também muda, então é importante estarmos sempre abertos a experimentar, dando novas chances aos alimentos.

Fome da mente: Essa fome é baseada em nossos pensamentos e no que ouvimos no dia a dia. Regras de dietas, “devo ou não devo?”, “é saudável?". Envolve o que acreditamos (“deveria comer menos carboidrato”) e também o merecimento (“hoje o dia foi difícil, mereço doce.”). O que satisfaz essa fome? A informação, investigar com curiosidade e abertura os pensamentos, por exemplo: ao pensar que "não está dando conta", responda que está dando conta, sim. Dica mindful: note se os pensamentos ligados a comida fazem bem para você. Lembre-se de que pensamentos são só pensamentos, não são inimigos. Não precisa brigar com eles, mas aprenda a não comprar todas as suas ideias.

Fome do coração: O que você come para se confortar? O que nutre seu coração? Quais as emoções que estão envolvidas quando come (tristeza, ansiedade). O comfort food pode ser um café, um chá quentinho, uma fatia de bolo comum, alguma comida da infância ou momentos de carinho, relaxamento, descontração, amizade. Tudo isso também nutre a fome do coração. Verifique o que tem por trás da emoção e o que você realmente está buscando. Não há mal em usar a comida para alterar um estado de ânimo. A quantidade consumida é que fará a diferença. Cuidado para não "comer" as emoções e criar um novo problema (culpa por ter comido).

Fonte: Luiza Bittencourt, instrutora de mindfulness e mindful eating, baseado no protocolo de Jan Chozen Bays