Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 13:00
Com as medidas preventivas contra a pandemia do novo coronavírus, como o distanciamento físico e os mais cuidados com a saúde, muitas mães estão em casa trabalhando em home office. Ainda cuidam dos filhos e das tarefas domésticas, às vezes, sem tempo para si mesmas, pois nem sempre têm ajuda dos familiares ou dos parceiros.
A psicóloga Adriana Cabana de Queiroz explica que o primeiro passo para lidar com a mudança do dia a dia é organizar as tarefas. “Organize as atividades da escola e das crianças no mesmo horário de antes, assim como, se possível, de forma virtual, as atividades extracurriculares. Isso ajuda aos filhos a terem o senso de responsabilidade com as rotinas diárias”.
Graduada em psicologia pela Universidade Santa Úrsula (USU), Adriana aconselha as mães a conversarem com os filhos, explicarem que o trabalho continua, mas em casa. “É preciso que todos colaborem com menos barulho e ruídos excessivos no ambiente. Uma boa dica é tentar conciliar o trabalho remoto no mesmo momento em que as crianças estão ocupados com as próprias atividades, ou em outro turno, caso essas tarefas possam ser concluídas sem o acompanhamento”, orienta Adriana.
A especialista sugere que é preciso manter a calma e o equilíbrio mental para que não perder o controle. “Busque diálogo com os parentes e com a família, refaça o orçamento doméstico, inclusive, um novo planejamento para os filhos, mantenha em home office e crie atividades colaborativas”, aconselha ela, pós-graduada em psicanálise e laço social pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Saúde mental em xeque
Mas, como lidar com o isolamento sem estresse e ansiedade, e principalmente, de maneira positiva? A psicóloga Adriana lembra que a reclusão social é um bom momento para explicar aos pequenos alguns conceitos, como: empatia (manter o afastamento para que não sejamos os transmissores do vírus para os colegas e familiares), cuidados com a saúde (importância da higienização das mãos — não só neste momento — e higienização dos alimentos), cuidado com os mais velhos, com o vovô e com a vovó. “Com os adolescentes, as mesmas dicas dos pequenos, com mais reforço, como incluir o exercício do pensamento crítico do momento atual do Brasil e do mundo.”
Para ela, as mães profissionais de saúde têm a tendência de sofrer mais com o afastamento dos filhos e familiares. “Estão na linha de frente neste momento de pandemia. O medo, a angústia e a dúvida de ser um potencial transmissor fez com que os cuidados em entrar em casa se multiplicassem”, afirma Adriana, pós-graduada em gestão da qualidade em saúde pelo Hospital Albert Einstein.
Ela observa que essa situação é de muita cautela e pode acarretar o surgimento de síndromes, como a de Burnout, patologia associada especificamente ao ambiente de trabalho, com a manifestação de sintomas depressivos, ansiedade e insônia; Síndrome do Pânico, conjunto de sinais que falam de um medo extremo e pavor que podem estar associados com o medo de transmitir a doença aos familiares e de ser contaminado; além de quadros depressivos e ansiosos associados ao estresse com a situação atual.
Cuidar de si
Com o distanciamento físico e a orientação de evitar aglomerações pela Organização Mundial de Saúde (OMS), algumas empresas adotaram o home office, faculdades e escolas suspenderam as atividades presenciais, mantendo aulas on-line. A dica da Susanne Anjos Andrade, sócia-diretora da A&B Consultoria e Desenvolvimento Humano, é desapegar-se da rotina antiga, viver o presente, olhar para o agora e evitar pensamentos ansiosos que são desencadeados com preocupações futuras. “Isso é essencial, a pessoa se estressa demais, porque está cuidando de muitas coisas ou está tão preocupada com o mundo lá fora e não cuida de si. Cuide de você, arrume suas coisas, faça as unhas e uma massagem, faça o que gosta”, sugere ela, graduada em serviço social pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
O ideal é pensar positivo. “Medite, pinte, namore, vá para o sol, isso ajuda nos conectar com nós mesmos. Fique um tempo com você, pois ajuda a mentalizar e organizar o seu mundo.” Segundo Susanne, algumas mães mais dinâmicas são consideradas ‘multitarefas’, mas não são robôs. Quando não conseguem fazer algo, sentem-se frustradas e ansiosas. “Essas pessoas precisam entender que não são perfeitas, podem falhar, dizer ‘não’, serem vulneráveis.... a vida fica mais leve, com menos autocobrança”, diz ela, especialista em terapia familiar também pela UCSAL.
A outra dica é pedir ajuda. “Peça ao filho maior, parentes, marido, amigos e outros. Às vezes a pessoa está tão acostumada a fazer tudo sozinha e não dá espaço para outra. Principalmente, deixe-a ajudar com os afazeres do jeito dela.”
A digital influencer Kamylla Andrade (@myuca_andrade), 19 anos, tem uma filha de 3 anos. O processo de cuidar da pequena Isabelly e da casa é bem agitado. “Tenho ajuda de amigos e familiares, principalmente da minha mãe”, diz. Para ela, ficar em casa não é novidade, e ganhou mais tempo: “Eu tenho mais momentos para ficar com a minha filha e criar mais conteúdos para o Instagram”.
A influenciadora coloca desenhos para a criança assistir, enquanto produz as publicações para a rede social. “Criei uma rotina para ela, pois é muito inquieta e sente tédio”, observa. A jovem tem 21,8 mil seguidores no Instagram, com um perfil sobre beleza, cabelo e lifestyle. “Eu inspiro outras pessoas a cuidarem de si. Nós podemos ser quem bem entendermos e quem quisermos ser!”
Mãe em tempo integral
Unir as tarefas de mãe e profissional nem sempre é fácil. Segundo a Pesquisa dos Profissionais, da Catho, de 2018, feita com mais de 2 mil pessoas, 30% das mulheres largaram o mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Para os homens, esse número é quatro vezes menor, atingindo 7%. Em outro estudo, relatou que o principal conflito interno enfrentado por essas mulheres e empresas ou gestores é o sentimento de angústia.
Os pensamento mais preocupantes são: “Onde meu filho ficará no meu local de trabalho?”, “Vou perder o vínculo com meu bebê depois que retornar ao trabalho?”, “Vou ter tempo para mim?”, entre outros. Além dessas questões, 48% têm receio de faltar o trabalho porque o filho adoeceu ou de pedir para chegar mais tarde para ir à reunião da escola (24%).
Beatriz Sousa, 24 anos, dedica-se em tempo integral à filha. “Eu não trabalho desde que ela nasceu, somente o meu marido”. Ela conta que com a quarentena está sendo difícil. “Por mais que ficar em casa não faça diferença para mim, ficar sem sair é ruim. Estou bem preocupada com a pandemia, mas vamos vencer tudo isso”, diz. A jovem é mãe de primeira viagem e tinha medo de não dar conta da rotina. “É bem tranquilo o dia a dia! Ela tem horários para dormir, pois é difícil controlar o sono, já que tem só 1 ano”. A jovem tem um perfil no Instagram em que compartilha conteúdos sobre maternidade.
A influenciadora fica cansada com as mudanças da pequena, como dentinhos crescendo. “Eu aprendo constantemente com ela. Estou conseguindo conciliar: cuidar de mim e dos afazeres, porque tenho apoio familiar e do meu esposo”, relata.
Ingrid Barros, 37 anos, é fonoaudióloga há mais de dez anos, mas, desde 2017 decidiu parar de trabalhar fora para ser mãe. “Atualmente, minha filha tem 2 anos, o processo de cuidar dela e da casa é tranquilo, pois já faz parte da rotina”, diz. Ela decidiu ser mãe aos 35 e explica que foi a melhor decisão: “Tenho tempo para vê-la crescer e invento muitas brincadeiras. A minha formação me ajuda muito nesse processo: faço atividades que estimulam a coordenação motora e a vida diária dela.”
Mesmo em casa, Ingrid encontrou um jeito de ganhar uma renda extra. “Faço enxovais de bebês e confecciono jogos da memória. Ainda posso acompanhá-la e quero ter outro filho. Meu marido me ajuda, pois minha família está em Minas Gerais e optamos por não ter babá ou empregada”. Ela não está aceitando encomendas, pois a agenda está cheia e precisa de cuidar da pequena.
“Queria mais tempo...”
Márcia Cordeiro, 39 anos, tem dois filhos, Ian (11 anos) e Ícaro (6 anos). Ela conta que está bem atarefada com as crianças, a casa, o trabalho e em manter estáveis a saúde mental e física de todos na quarentena. “A mudança de rotina foi bem brusca para todos nós. A dinâmica familiar era bem agitada durante a semana. Eu e o meu marido trabalhamos o dia inteiro e as crianças ficavam na escola em período integral”, conta a arquiteta, graduada em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub).
Moradora da Asa Norte, ela e o marido se revezavam para estar com os filhos e resolver pendências, além de receberem ajuda de familiares e empregados. “Tínhamos uma funcionária durante a semana, no entanto, a dispensamos — com remuneração — nesse período de isolamento. Estou com meus pais idosos em casa e ficamos com medo do percurso que ela fazia todos os dias para chegar até o trabalho", explica.
O home office nem sempre é fácil. “Nos primeiros dias, foi muito complicado estabelecer um horário para estudo e atividades escolares. Depois de alguns dias, adaptamos e organizamos dentro do possível”, diz a servidora pública do Distrito Federal.
Ela conta que os filhos estranharam bastante não poder sair, nem descer para brincar. “Esse processo foi essencial para que eles entendessem a gravidade da situação e a diferença de estar de férias e de quarentena. ”O serviço doméstico é muito cansativo para Márcia. “Parece que nunca acaba. Quando tive que dividir a atenção das crianças com o trabalho e as roupas para lavar, a casa para limpar e as refeições para fazer, complicou bastante”, relata. Para arquiteta, o segredo é se organizar. “Criei uma rotina, mas não muito rígida”, analisa. “Estamos preocupados com o futuro acerca dessa pandemia e tudo o que ela acarreta. A meta é manter os compromissos com a sanidade e sem estresse.”
Com todos os afazeres domésticos, fica sem espaço para ela. “Queria ter mais tempo para ficar sozinha, para meditar ou ver um filme no meio da tarde sem ser interrompida. Mas essa vontade não surgiu com a quarentena, apenas se intensificou”, constata. “Toda mãe, por mais que ame os filhos, gostaria desse tempinho a mais.”
Home office com filhos
Com a mudança de rotina por causa da quarentena, algumas mães inseridas no mercado de trabalho se sentem sobrecarregadas e improdutivas. Não é fácil juntar o trabalho, tarefas domésticas e, principalmente, fazer com que as crianças compreendam que ela está em casa, mas a trabalho. Lívia Bolognini, 32 anos, é mãe de dois meninos, um de 3 anos e outro de 9, e conta que está se adaptando à nova realidade. “A minha loja física está fechada há um mês e meio. Tivemos uma queda considerável nas vendas. E, agora, vendemos pelo Instagram e WhatsApp”, diz.
A designer de moda observa que as coisas mudaram bastante. “Trabalho pelo computador ou celular, intercalando, com idas à loja física uma ou duas vezes por semana para separar as vendas, tirar fotos e organizar as entregas que estão sendo feitas por meio do entregador”, analisa. A empresária tem ajuda do marido que também está trabalhando remotamente. “Ele fica com as crianças nesses dias em que preciso sair.”
O processo de cuidar dos filhos, fazer tarefas domésticas e trabalhar pode ser muito exaustivo. “As demandas não diminuem, pelo contrário, é trabalho que nunca termina. Às vezes, acordo antes para conseguir ter um tempo maior para mim. Muitas vezes não consigo devido ao cansaço.”
Ela relata que as crianças não entendem quando está numa ligação importante ou precisa terminar uma planilha até determinada hora. “Paro o meu trabalho dez vezes por dia para atender às demandas da casa e das crianças. O mais novo quer a minha atenção toda hora. Tem sido um desafio e tanto”, diz. “Mas entendemos que ficar em casa é pela nossa segurança, das pessoas que amamos e do próximo. Além disso, o meu mais novo é asmático.”
Produtividade
Às vezes é difícil para as crianças entenderem a gravidade da situação atual e a necessidade de ficar em casa. Entediadas, elas podem atrapalhar o trabalho remoto. A Catho, empresa de tecnologia, dá dicas de como ter um dia de trabalho produtivo com a presença dos filhos:
1 - Converse com filhos (as): esclareça que, apesar de estar em casa, contínua com as responsabilidades profissionais. Por isso, precisa estar focado (a) e disponível no horário determinado para o trabalho. É necessário encontrar alternativas para entretê-los durante a quarenta.
2 - Tenha disciplina: é fundamental para fazer o seu trabalho, pois renderá mais.
3 - Crie um “escritório”: mesmo que improvisado, para determinar quando inicia e quando encerra o dia de trabalho. O espaço deve ser confortável e adequado para conseguir melhor desempenho. Para que mantenha o seu nível de produtividade é fundamental que você trabalhe durante períodos de 40 a 50 minutos sem interrupções (podendo fazer intervalos de 10 a 20 minutos para atender às necessidades do bebê, se tiver um).
4 - Atenção: exceto em alguns casos em que a criança demande maior atenção, a mãe, pai e responsável são quem deve controlar e policiar o tempo, e nunca a criança. Portanto, se necessário e possível, contar com a ajuda de outra pessoa para tomar conta enquanto trabalha.
5 - Garanta conforto: que a cadeira tenha boa ergonomia. Não trabalhe deitado ou com notebook no colo. Cuidado com a postura!
6 - Ajuste temperatura e iluminação: a temperatura ideal é entre 20° e 23°. A iluminação deve ser uniforme sem contraste ou ofuscamento.
7 - Internet: garanta boa qualidade.
8 - Marque reuniões diárias ou semanais on-line: isso ajudará a organizar o tempo e a programar uma agenda.
9 - Mantenha-se distante de possíveis distrações como televisão e smartphone.
10 - Faça um checklist das tarefas que devem ser feitas e estabeleça prazo para todas as atividades.
Ajuda e organização
Há mulheres sobrecarregadas, que fazem jornadas duplas ou triplas, tendo menos tempo para si, se sentindo improdutivas e frustradas. Em alguns lares, essas mães não têm ajuda com os afazeres domésticos e com o cuidado das crianças ou não há auxílio com tanta efetividade da parte do companheiro. Em outras famílias, há parceiros e familiares que ajudam com os cuidados dos filhos e da casa.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, a situação no mercado de trabalho pouco impactava nessa jornada doméstica. Mesmo trabalhando fora, a mulher cumpria 8,2 horas a mais em tarefas domésticas que o homem também ocupado. A diferença era maior entre homens e mulheres não ocupados. Nessa condição, elas trabalhavam 11,8 horas a mais do que eles.
Já a participação dos parceiros no país é de 78,2%, menos cumprimento das atividades em casa, que no Distrito Federal, que tem um índice maior de homens que cumprem afazeres domésticos (88,3%). Além de ser a segunda com menores diferenças entre ambos gêneros nesses serviços. De acordo com IBGE, esse número teve um aumento de cerca de 5% em relação ao ano de 2017, que tinha 83,1%.
Lorrayne Janaína de Souza Paiva, 32 anos, tem dois filhos, Igor (3 anos) e Lia (2 anos). “Eu tenho apoio da família e do meu marido. Lembro dos relatos da minha avó, mesmo vendo meu avô interagindo com meus filhos hoje em dia. Antigamente, ele nem pegava os filhos. A função do cuidado e da criação era estritamente da mulher, e, quando se envolviam, era na punição”, observa.
Para ela, há uma diferença: o parceiro troca as fraldas, dá banho e participa ativamente. “Dentro do que eu vou permitindo, porque tem coisas que tomo para mim mesma, como o horário e a qualidade da alimentação. Mas é ele quem coloca para dormir, por exemplo”, lembra risonha.
Lorrayne é professora da rede particular de ensino e sentiu bastante com o isolamento. “Estou trabalhando em casa, fazendo os planos de aula, e indo periodicamente à escola gravar vídeos das aulas", conta.
O home office pode ser um processo puxado juntando outras funções, como cuidar da casa, dos filhos e de si. “Existem coisas sobre os cuidados com as crianças que não podem esperar: a vontade de ir ao banheiro, o horário das refeições, a demanda de atenção durante as brincadeiras e as tarefas da escola”, analisa.
Para conseguir fazer as coisas fluírem, ela nota que o ambiente precisa estar organizado. “Agora, que estão mais crescidinhos, quando possível, coloco para participarem comigo”, afirma. Porém isso dá um trabalho! “Eu me importo em criar memórias positivas desse período da vida deles, como tenho da minha infância”, explica.
*Estagiária sob supervisão de Taís Braga
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