Revista

Um país de tontos

Eu nunca tinha lido uma bula de remédio até esta quarentena. Continuo achando que elas têm tanta importância quanto esses manuais que deveriam ensinar como se monta um móvel, quando a gente é surpreendido: nem a porca cabe no parafuso e ainda vem faltando três arruelas. Prefiro ficar sem usar remédio que um médico não receitou.

 

Mas é época de recolhimento e a gente tem descoberto um tempo que achava que não tinha mais. Dá para ler bula. É possível voltar a ouvir uma sinfonia inteira, redescobrir que não se pode aproveitar John Coltrane com pressa, reler livros e gibis que pegavam poeira na estante – mesmo aqueles que a gente já sabe o final, especialmente os policiais.

 

É um tempo ruim para quem não se suporta. Pior ainda para quem não consegue administrar um tempo que corre mais devagar, que exige alguma sabedoria para não se transformar num inferno. O que estava cada vez mais escasso é agora oferecido com fartura.

 

Porque sobra tempo até para lustrar a nossa cultura inútil, como, por exemplo, saber que dia 22 de abril, data em que os navegantes lusos deram com a costa brasileira, é também o dia da tontura. Não sei o que uma coisa tem a ver com a outra, mas devido aos acontecimentos recentes da política nacional, acredito que seja muito apropriado. 

 

A iniciativa é nobre, conscientizar as pessoas para que deixem de falar labirintite — que é a inflamação do labirinto — para que o tratamento possa ser mais eficaz. Mas tontura não é provocada só por esse órgão do ouvido, como bem sabe quem gosta de uma cangibrina. Ou por quem tem acompanhado o noticiário.

 

Os tontos estão por toda parte. E nem é preciso dar uma olhada nas lixeiras, com mais cascos vazios do que o normal, até porque ninguém vive só de álcool em gel – não os felizes, pelo menos. E esses tontos que não bebem são perigosos porque não saem do estado de euforia e nunca chegam àquela doce letargia de quem precisa tirar um cochilo depois dos goles.

 

Não há programa de 12 passos que dê jeito nessa turma que se embriaga de maluquice, deixando que a adrenalina dos outros penetre no próprio organismo. A ciência diz que há bilhões de moléculas de neurotransmissores trabalhando constantemente no cérebro para gerenciar nossas ações; está claro que, em muitos casos, trata-se de desperdício químico. 

 

Talvez um curto-circuito — afinal, são impulsos elétricos — explique essa necessidade de justificar as lambanças alheias, mas o mais provável é que se trate de tontice mesmo. É como o sujeito que entra no bar pedindo uma pinga atrás da outra com a desculpa que está com dor de dente. “Qual dente?”, pergunta o taberneiro, quando vê o homem tirar uma dentadura do bolso: “Todos esses”, diz.

 

Não há mais dúvida: o negócio é abrir os botequins logo. É questão de saúde pública. Pelo menos aqueles tontos a gente conhece pelo nome e basta pagar uma dose para que eles parem de encher a paciência.