Márcia Cordeiro, 39 anos, tem dois filhos, Ian (11 anos) e Ícaro (6 anos). Ela conta que está bem atarefada com as crianças, a casa, o trabalho e em manter estáveis a saúde mental e física de todos na quarentena. “A mudança de rotina foi bem brusca para todos nós. A dinâmica familiar era bem agitada durante a semana. Eu e o meu marido trabalhamos o dia inteiro e as crianças ficavam na escola em período integral”, conta a arquiteta, graduada em arquitetura e urbanismo pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub).
Moradora da Asa Norte, ela e o marido se revezavam para estar com os filhos e resolver pendências, além de receberem ajuda de familiares e empregados. “Tínhamos uma funcionária durante a semana, no entanto, a dispensamos — com remuneração — nesse período de isolamento. Estou com meus pais idosos em casa e ficamos com medo do percurso que ela fazia todos os dias para chegar até o trabalho", explica.
O home office nem sempre é fácil. “Nos primeiros dias, foi muito complicado estabelecer um horário para estudo e atividades escolares. Depois de alguns dias, adaptamos e organizamos dentro do possível”, diz a servidora pública do Distrito Federal.
Ela conta que os filhos estranharam bastante não poder sair, nem descer para brincar. “Esse processo foi essencial para que eles entendessem a gravidade da situação e a diferença de estar de férias e de quarentena. ”O serviço doméstico é muito cansativo para Márcia. “Parece que nunca acaba. Quando tive que dividir a atenção das crianças com o trabalho e as roupas para lavar, a casa para limpar e as refeições para fazer, complicou bastante”, relata. Para arquiteta, o segredo é se organizar. “Criei uma rotina, mas não muito rígida”, analisa. “Estamos preocupados com o futuro acerca dessa pandemia e tudo o que ela acarreta. A meta é manter os compromissos com a sanidade e sem estresse.”
Com todos os afazeres domésticos, fica sem espaço para ela. “Queria ter mais tempo para ficar sozinha, para meditar ou ver um filme no meio da tarde sem ser interrompida. Mas essa vontade não surgiu com a quarentena, apenas se intensificou”, constata. “Toda mãe, por mais que ame os filhos, gostaria desse tempinho a mais.”
Home office com filhos
Com a mudança de rotina por causa da quarentena, algumas mães inseridas no mercado de trabalho se sentem sobrecarregadas e improdutivas. Não é fácil juntar o trabalho, tarefas domésticas e, principalmente, fazer com que as crianças compreendam que ela está em casa, mas a trabalho. Lívia Bolognini, 32 anos, é mãe de dois meninos, um de 3 anos e outro de 9, e conta que está se adaptando à nova realidade. “A minha loja física está fechada há um mês e meio. Tivemos uma queda considerável nas vendas. E, agora, vendemos pelo Instagram e WhatsApp”, diz.
A designer de moda observa que as coisas mudaram bastante. “Trabalho pelo computador ou celular, intercalando, com idas à loja física uma ou duas vezes por semana para separar as vendas, tirar fotos e organizar as entregas que estão sendo feitas por meio do entregador”, analisa. A empresária tem ajuda do marido que também está trabalhando remotamente. “Ele fica com as crianças nesses dias em que preciso sair.”
O processo de cuidar dos filhos, fazer tarefas domésticas e trabalhar pode ser muito exaustivo. “As demandas não diminuem, pelo contrário, é trabalho que nunca termina. Às vezes, acordo antes para conseguir ter um tempo maior para mim. Muitas vezes não consigo devido ao cansaço.”
Ela relata que as crianças não entendem quando está numa ligação importante ou precisa terminar uma planilha até determinada hora. “Paro o meu trabalho dez vezes por dia para atender às demandas da casa e das crianças. O mais novo quer a minha atenção toda hora. Tem sido um desafio e tanto”, diz. “Mas entendemos que ficar em casa é pela nossa segurança, das pessoas que amamos e do próximo. Além disso, o meu mais novo é asmático.”
Produtividade
Às vezes é difícil para as crianças entenderem a gravidade da situação atual e a necessidade de ficar em casa. Entediadas, elas podem atrapalhar o trabalho remoto. A Catho, empresa de tecnologia, dá dicas de como ter um dia de trabalho produtivo com a presença dos filhos:
1 - Converse com filhos (as): esclareça que, apesar de estar em casa, contínua com as responsabilidades profissionais. Por isso, precisa estar focado (a) e disponível no horário determinado para o trabalho. É necessário encontrar alternativas para entretê-los durante a quarenta.
2 - Tenha disciplina: é fundamental para fazer o seu trabalho, pois renderá mais.
3 - Crie um “escritório”: mesmo que improvisado, para determinar quando inicia e quando encerra o dia de trabalho. O espaço deve ser confortável e adequado para conseguir melhor desempenho. Para que mantenha o seu nível de produtividade é fundamental que você trabalhe durante períodos de 40 a 50 minutos sem interrupções (podendo fazer intervalos de 10 a 20 minutos para atender às necessidades do bebê, se tiver um).
4 - Atenção: exceto em alguns casos em que a criança demande maior atenção, a mãe, pai e responsável são quem deve controlar e policiar o tempo, e nunca a criança. Portanto, se necessário e possível, contar com a ajuda de outra pessoa para tomar conta enquanto trabalha.
5 - Garanta conforto: que a cadeira tenha boa ergonomia. Não trabalhe deitado ou com notebook no colo. Cuidado com a postura!
6 - Ajuste temperatura e iluminação: a temperatura ideal é entre 20° e 23°. A iluminação deve ser uniforme sem contraste ou ofuscamento.
7 - Internet: garanta boa qualidade.
8 - Marque reuniões diárias ou semanais on-line: isso ajudará a organizar o tempo e a programar uma agenda.
9 - Mantenha-se distante de possíveis distrações como televisão e smartphone.
10 - Faça um checklist das tarefas que devem ser feitas e estabeleça prazo para todas as atividades.
Ajuda e organização
Há mulheres sobrecarregadas, que fazem jornadas duplas ou triplas, tendo menos tempo para si, se sentindo improdutivas e frustradas. Em alguns lares, essas mães não têm ajuda com os afazeres domésticos e com o cuidado das crianças ou não há auxílio com tanta efetividade da parte do companheiro. Em outras famílias, há parceiros e familiares que ajudam com os cuidados dos filhos e da casa.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, a situação no mercado de trabalho pouco impactava nessa jornada doméstica. Mesmo trabalhando fora, a mulher cumpria 8,2 horas a mais em tarefas domésticas que o homem também ocupado. A diferença era maior entre homens e mulheres não ocupados. Nessa condição, elas trabalhavam 11,8 horas a mais do que eles.
Já a participação dos parceiros no país é de 78,2%, menos cumprimento das atividades em casa, que no Distrito Federal, que tem um índice maior de homens que cumprem afazeres domésticos (88,3%). Além de ser a segunda com menores diferenças entre ambos gêneros nesses serviços. De acordo com IBGE, esse número teve um aumento de cerca de 5% em relação ao ano de 2017, que tinha 83,1%.
Lorrayne Janaína de Souza Paiva, 32 anos, tem dois filhos, Igor (3 anos) e Lia (2 anos). “Eu tenho apoio da família e do meu marido. Lembro dos relatos da minha avó, mesmo vendo meu avô interagindo com meus filhos hoje em dia. Antigamente, ele nem pegava os filhos. A função do cuidado e da criação era estritamente da mulher, e, quando se envolviam, era na punição”, observa.
Para ela, há uma diferença: o parceiro troca as fraldas, dá banho e participa ativamente. “Dentro do que eu vou permitindo, porque tem coisas que tomo para mim mesma, como o horário e a qualidade da alimentação. Mas é ele quem coloca para dormir, por exemplo”, lembra risonha.
Lorrayne é professora da rede particular de ensino e sentiu bastante com o isolamento. “Estou trabalhando em casa, fazendo os planos de aula, e indo periodicamente à escola gravar vídeos das aulas", conta.
O home office pode ser um processo puxado juntando outras funções, como cuidar da casa, dos filhos e de si. “Existem coisas sobre os cuidados com as crianças que não podem esperar: a vontade de ir ao banheiro, o horário das refeições, a demanda de atenção durante as brincadeiras e as tarefas da escola”, analisa.
Para conseguir fazer as coisas fluírem, ela nota que o ambiente precisa estar organizado. “Agora, que estão mais crescidinhos, quando possível, coloco para participarem comigo”, afirma. Porém isso dá um trabalho! “Eu me importo em criar memórias positivas desse período da vida deles, como tenho da minha infância”, explica.