A pandemia do novo coronavírus e suas consequências pautam assuntos nos mais diferentes grupos da sociedade, e não seria diferente no mercado da moda. O cancelamento de eventos aguardados e o fechamento temporário de lojas e shoppings transformaram a rotina de diversos trabalhadores e, consequentemente, a forma de consumo de muitos clientes.
Há um consenso quase geral entre os especialistas sobre a necessidade do isolamento para contenção da transmissão, mas, os impactos financeiros nos negócios também são perceptíveis. “Meus trabalhos diminuíram drasticamente e minha renda, também, sorte que eu tinha alguma reserva”, revela Natália Fernanda, 35 anos, que é influenciadora e personal shopper especializada no público plus size.
Para tentar manter a renda das empresas, muitos buscaram alternativas digitais e passaram a usar os aplicativos como principal canal de comunicação. A influenciadora já tinha o Instagram como seu ambiente de trabalho, mas, ainda assim, fez adaptações para oferecer serviços de casa e sugeriu às lojas parceiras que começassem a oferecer o serviço de entrega.
“Os empresários mais próximos estão se reinventando. Uma das minhas parceiras trouxe um serviço de mala personalizada que fica 24hs com a cliente para experimentar as peças e, caso deseje comprar, recebe o link para pagamento”, explica, Outras marcas também passaram a confeccionar máscaras de tecido para atender à nova demanda.
Em uma corrente de solidariedade, várias pessoas passaram a dar preferência aos produtos do comércio local na tentativa de mantê-lo ativo. Sobre esse comportamento, Natália observa: “Posso estar enganada, mas acredito que a população abriu os olhos para as empresas locais e pode ser algo que continuará após o isolamento”.
Adaptações nas empresas
Não apenas os responsáveis sofrem com a queda das vendas, mas todos os envolvidos na produção, como costureiros, designers, consultores, estilistas, modelos, vendedores, entre outros. Para André Naegle, 55, diretor comercial da Avanzzo, reinventar-se é dever de todos: “É importante os consumidores das marcas apoiarem, divulgarem, compartilharem os looks da sua preferência, antecipar a aquisição de vale compras”.
Conhecida no cenário de moda brasiliense, a marca Avanzzo também fez mudanças para continuar atendendo aos clientes neste período. Por ter suas vendas concentradas no varejo físico há 30 anos, o fechamento de todas as unidades exigiu mudanças.
A equipe, então, deu início à formulação da loja on-line. “Nós nos dedicamos ao projeto on-line, que foi ao ar em 15 dias. Estamos construindo ótimos resultados nesse canal, porém, pouco relevantes se comparados ao faturamento da empresa”, esclarece André.
O e-commerce já era tendência de consumo crescente antes mesmo do coronavírus, mas, agora, a plataforma é essencial para garantir segurança das pessoas. A loja criou um protocolo para manter o vírus longe de suas entregas. “Nossa equipe trabalha devidamente equipada, com máscara e luvas, e assumimos diretamente a entrega de 95% dos produtos, o que garante esse cuidado em todo processo”.
Marcela Ulharuso, 39, e Ana Paula Guimarães, 40, são proprietárias da Whishes Oficial, uma loja on-line de roupas femininas com atendimento personalizado, e também implementaram cuidados especiais. “Mesmo as sacolas para presente são embaladas dentro de saquinhos e estes são esterilizados antes da finalização da embalagem”, explica Marcela.
Segundo elas, as vendas on-line também sofreram uma baixa relacionada ao temor das pessoas sobre a duração do isolamento e o que ainda pode vir a acontecer. Isso faz com que muitos consumidores gastem apenas o essencial.
As sócias estudam diariamente o cenário para tentar reverter a situação. Até que possam voltar ao funcionamento normal, elas mantêm a interação com o público por meio de enquetes. “O stories é uma ótima ferramenta de trabalho para divulgação. Além disso, mantivemos o WhatsApp normalmente”.
A pandemia também veio para mostrar quem já entendeu as novas tendência de consumo. Fundada há pouco mais de cinco meses, a marca Amor de Peça, idealizada por Rayane Carvalho, 24, se lançou com a proposta de proporcionar uma melhor experiência de compra digital. “O on-line não é mais o futuro, é o presente. A rua mais movimentada de hoje é a internet, e a crise veio reafirmar isso”, diz Rayane.
Com uma plataforma de venda que integra a criatividade do instagram e a agilidade do site, a loja virtual começa a se consolidar como uma das mais promissoras da capital em pouco tempo de funcionamento ao passar por um cenário de crise sem grande dificuldade. “Tivemos, sim, que adaptar algumas coisas, adotei coleções mais baratas, reduzi o custo do frete, tudo isso para incentivar as consumidoras a continuar comprando e vem dando certo, nosso faturamento está se mantendo estável”.
O segredo do jogo de cintura? Conhecimento e tato com o universo chamado internet. Assim que colocou a Amor de peça no ar, em novembro de 2019, Rayane juntou diversas influências e referências para montar um negócio que se encaixasse naquilo que ela acreditava ser a nova forma de consumir moda: on-line e de forma prática. O que ela não esperava era que isso se confirmasse de forma tão clara poucos meses depois.
Entre as estratégias digitais adotadas por ela, o marketing de influência de conteúdo é a que se destaca. Por ser digital influencer, Rayane recebia diversos press kits de marcas e a sensação de ganhar pacotes inteiramente personalizados aspirava um sentimento de cuidado e carinho, emoções que a fizeram ter o insight que mais ajudou a impulsionar a loja. “Eu queria que toda mulher pudesse se sentir especial ao receber sua encomenda, um recebido digno de blogueira. Assim trabalhei minhas embalagens, que foi o que me destacou muito no início”, conta.
Além da satisfação da cliente, a fundadora da Amor de peça criou a identidade da marca e o resultado foi o crescimento orgânico nas redes sociais por meio da divulgação espontânea das mulheres ao postarem a caixa. A famosa propaganda boca a boca se modernizou e hoje é o que inspira confiança e faz com que a clientes continuem consumindo. “Se eu puder dar uma dica para as empreendedoras de moda, seria melhorar o relacionamento com o cliente, estar presente todos o dias, fazer como que a marca não seja esquecida e tenha um lugar no imaginário da consumidora e, assim, sempre ir se adaptando à nova vida e realidade dela”.
Para saber mais
Olhar exterior
Modelo russa que mora nos Estados Unidos, Natastsya Volkonskaya acredita que “a moda nunca mais será como antes”. Com os trabalhos fotográficos parados por conta da pandemia, ela demonstra preocupação em relação à renda para se manter e diz que diversos colegas já estão passando por situações difíceis.
Mantendo esperança durante a crise, Natastsya acredita que ressignificar a vestimenta faz parte da solução. "Dependemos das marcas. A vestimenta precisa ser ressignificada, para que se transforme em um objeto de resistência, de autocuidado e de conexão com a nossa essência. Essa percepção é crucial e pode ser trabalhada na comunicação de vendas"
Segundo ela, a Paris Fashion Week de 2019, que foi focada em inspirações sustentáveis para 2020, não previu a pandemia, mas é a prova de que algumas marcas já estariam à frente do tempo. "O coronavírus vai provocar mudanças profundas no consumo. As indústrias vão precisar trazer uma lógica de consumo mais consciente e responsável para podermos passar pela crise", acredita ela, que acumula no portfólio ensaios para Vogue Spain, Elle e Hello.
*Estagiárias sob supervisão de Taís Braga