Verdade é artigo em falta hoje em dia. Começou na política, onde o pessoal de gravata comprou aquela história de pós-verdade que se espalhou pelas redes sociais como vírus imune a vacina e tratamento. Como cada um escolhe sua verdade, seleciona também sua mentira. Na prática, foi a revogação do nono testamento.
E as coisas vão se ajeitando das maneiras mais esquisitas. Agora inventaram que aquele móvel que fica ao lado da cama não se chama mais criado-mudo porque é racismo. Comprou-se uma tese anunciada como politicamente correta sem se dar o trabalho de conferir o que a História ensina.
Segundo essa novidade, criado-mudo seria uma referência aos escravos negros que trabalhavam na casa grande e tinham que ficar calados, sendo repreendidos pelos patrões se dessem um pio. Não é bem assim. O pessoal esconde o fato que este tipo de móvel — uma mesinha de cabeceira — não é uma invenção brasileira; veio da Europa. Com nome e tudo.
A tradução, na verdade uma adaptação, vem da aristocracia. A mesinha era usada para manter a discrição de famílias inglesas, seus segredos e fuxicos, ao aparar o serviço de chá, dispensando a presença de empregados bisbilhoteiros na hora de lavar roupa suja. Lá, era chamado de dumb-waiter, ou seja, criado bobo.
E como sempre vemos no cinema, como no filme Downtown Abbey, os criados britânicos eram todos brancos. A adaptação brasileira, portanto, tem muito mais a ver com a criadagem do que com a cor da pele.
Se for assim, também teremos que parar de chamar aquele sofá sem encosto de otomana, porque pode ofender os turcos, sucedâneos dos belicosos otomanos que dominaram boa parte do mundo civilizado lá pelos séculos 16 e 17. A alternativa seria chamar o móvel pelos sinônimos: supedâneo ou escabelo, deixando os turcos em paz.
E também teremos que mudar a denominação das marquesas, aqueles canapés sem encosto, com assento largo e de palhinha, para que nenhuma senhora da alta nobreza reclame.
Também estamos sendo proibidos de nos referir às empregadas do lar como domésticas. Segundo a nova inteligência, seria uma referência às negras que trabalhavam para os brancos, desprezando toda a cultura formal, que mostra que a palavra vem do latim: domus, ou seja, lar, casa; domesticus, casa de família.
Até agora, o pessoal vinha reclamando de termos que usavam a palavra negro de uma forma pejorativa, mesmo quando não tem qualquer ligação com a cor da pele (até porque a raça humana, que vem do hebraico rek, o ser criado pelo divino, é uma só).
Assim, condenaram termos que definem áreas sombrias, como mercado negro, coisa preta, ovelha negra e magia negra à lista negra — ops! Pedem também para não usar mais a expressão “amanhã é dia de branco”, sem saber que ela vem de “dia de vestir branco”, a sexta-feira, sinal de respeito às religiões de matriz africana.
É como se mudando as palavras pudessem ser modificadas as atitudes; mais uma ilusão da tal pós-verdade ou verdade relativa — dois sinônimos de mentira cabeluda.