Quando, em 1995, Emanuel Jacobina e Andrea Maltarolli se depararam com um novo projeto da dramaturgia da Globo do qual participariam, não imaginavam que Malhação iria completar 25 anos no ar. A série teen da emissora já se passou em escola, academia de ginástica e até acampamento. Sempre com o mesmo propósito: falar de temas ligados à juventude num programa pensado especialmente para os jovens e protagonizado por eles, lançando vários atores na carreira.
A tarefa foi cumprida com louvor e tem em Jacobina um dos maiores expoentes. Ao todo, o pai de Malhação e criador do icônico colégio Múltipla Escolha esteve à frente de nove temporadas — seja como autor principal, seja como supervisor de texto: 1995, 1999, 2000, 2001, 2002, 2010, 2015, 2016 e da atual.
“Eu achava que seria um sucesso porque sou um otimista nato, mas ninguém esperava que durasse tanto. Acho que o segredo é se ter um senso de observação maior para os seres humanos que estão na faixa dos 15 aos 25 anos”, afirma Jacobina ao Correio.
Do alto de tantas temporadas de Malhação e da novela Coração de estudante (2002), Jacobina pode traçar um panorama da juventude brasileira nos últimos 25 anos: “Mudou muito. O entendimento médio de qualquer assunto pela população em geral é maior. Pelos jovens é muito maior, graças à internet.”
Além de Malhação e de Coração de estudante, Emanuel Jacobina colaborou nos textos da novela Kubanakan (2003) e de humorísticos, como Sai de baixo (1996 a 2000), Casseta e planeta urgente (1992 e 1993) e Doris para maiores (1991). Sobre os desafios dos 30 anos de carreira, Jacobina não tem a menor dúvida: o maior “é sempre o próximo”. Que venha ele!
As Malhações escritas por Jacobina
Toda forma de amar (2019)
A disputa pela guarda de uma menina é um dos motes da atual temporada de Malhação. Rita (a revelação Alanis Guillen) tem a filha doada na maternidade sem que ela saiba e a criança é adotada por Lígia (Paloma Duarte). Outro eixo da novela mostra um assassinato presenciado por Rita, Raíssa (Dora de Assis), Thiago (Danilo Maia), Jaqueline (Gabz), Anjinha (Caroline Dallarosa) e Guga (Pedro Alves).
Pro dia nascer feliz (2016)
Deborah Secco voltou da licença-maternidade para viver um dos principais papéis da temporada, Tânia. Ela recebe a protagonista Joana (Aline Dias) em sua casa, vinda de Fortaleza em busca de uma vida melhor no Rio de Janeiro. Na academia, Joana sofre com preconceito e se vê disputada entre os irmãos Gabriel (Felipe Roque) e Giovane (Ricardo Vianna).
Seu lugar no mundo (2015)
Os irmãos Rodrigo (Nicolas Prattes), Lívia (Giulia Costa) e João (João Vithor Oliveira) e os amigos deles se dividem entre duas realidades da educação brasileira: a elitista do colégio Leal Brazil e a escola pública Dom Fernão. Com o tempo, a rivalidade entre os alunos das escolas do mesmo bairro vão se apaziguar com a luta por uma educação de qualidade para todos.
2010
O casal principal da temporada é formado por Pedro (Bruno Gissoni) e Catarina (Daniela Carvalho). Os dois são de mundos diferentes: ele um DJ batalhador de família pobre; ela uma patricinha que gosta de fazer festas. Em comum, sonhos e gostos musicais bem compatíveis.
2000
Os professores Linda (Giselle Tigre) e Afonso (Giuseppe Oristanio) se casam, levando para viver sob o mesmo teto os filhos dele, Marcelo (Fábio Azevedo), Cabeção (Sérgio Hondjakoff) e Fernandinho (Helder Agostini), e a filha e a sobrinha dela, Bia (Fernanda Nobre) e Joana (Ludmila Dayer). Não demora muito para que os adolescentes se estranhem nem para que Joana e Bia se apaixonem por Marcelo, que resolve namorar Joana.
1999
É a temporada em que Pascoalete (Nuno Leal Maia) desiste da academia para dar lugar ao colégio Múltipla Escolha. Uma das alunas, Tatiana (Priscila Fantin), chega à cidade e se matricula na escola. Ela enfrenta vários problemas na família e, para esquecer, acaba namorando o capitão do time de polo aquático da escola, Touro (Roger Gobeth). Mais tarde, ela se descobrirá apaixonada por Rodrigo (Mario Frias), também atleta do time.
1995
A primeira temporada se passava na academia Malhação, onde Héricles (Danton Mello) é uma espécie de zelador. Lá, tem contato com um mundo completamente diferente do dele, marcado por azaração e gente rica. Ele e Isabella (Juliana Martins), que faz balé na academia, se apaixonam. Mas o namorado de Isabella, o lutador Romão (Luigi Baricelli), e Juli (Carolina Dieckmann), apaixonada por Héricles, vão atrapalhar o romance. Juli é irmã do lutador Dado (Cláudio Heinrich), um dos personagens mais marcantes da temporada.
Entrevista // Emanuel Jacobina
Você fez a primeira temporada de Malhação e também está à frente da atual. Escrever para jovens mudou nesses 25 anos?
Mudou muito. O entendimento médio de qualquer assunto pela população em geral é maior. Pelos jovens é muito maior, graças à internet.
Malhação — Toda forma de amar traz assuntos polêmicos, como homossexualidade, racismo e adoção. Falar de temas como esses para a juventude é necessário? Como fazer para que não caiam no didatismo?
O que importa, do meu ponto de vista, é que a voz do narrador/autor não seja mais importante que o drama vivido pelos personagens.
O amor está no subtítulo desta temporada de Malhação e está presente em várias relações e de diferentes formas na novela. Estamos precisando de mais amor?
Estamos precisando de mais amor e de menos acusações irresponsáveis, baseadas em generalizações e estereótipos, como as acusações que foram feitas aos jovens em Alter do Chão, que estavam lá, generosamente, tentando evitar que incêndios acontecessem.
Malhação costuma ser citada como uma novela capaz de revelar talentos jovens. Para um autor, é mais complicado escrever papéis para atores que não tenham tanta experiência?
É mais difícil, sim. Um ator jovem está em processo de aprendizado e não tem o domínio da representação, do tempo dramático, tão grande quanto atores experientes.
Esta é sua 9ª temporada de Malhação e você ainda escreveu a novela Coração de estudante. O universo jovem chama a sua atenção, não? Como é sua relação com esse tema?
Nelson Rodrigues é um gênio e nosso maior dramaturgo, mas não concordo com o conselho para que os jovens envelheçam. Eu sempre considerei a juventude uma espécie de filtro ou de antídoto. Ela impede que os velhos se tornem ranzinzas, conservadores e reacionários sem serem decantados – ou encantados – pelos jovens.
Vocês esperavam que o projeto de Malhação tivesse tanta longevidade? Qual é o segredo desse sucesso?
Eu achava que seria um sucesso porque sou um otimista nato, mas ninguém esperava que durasse tanto. Acho que o segredo é ter um senso de observação maior para os seres humanos que estão na faixa dos 15 aos 25 anos.
Você tem muito contato com jovens?
Meus filhos, os namorados deles e todos os amigos, que não são poucos.
Você já fez Malhação, novelas das 18h e das 19h. Sente falta de uma novela das 21h? Existe uma pressão por isso, especialmente quando autores novos estão entrando nesse rol, como Manuela Dias e Lícia Manzo?
Quem está fazendo ou fez novela das 18h, 19h e 21h tem muitos méritos, ou não estaria lá. As minhas qualidades e defeitos o tempo vai decantando. Mas, lógico, me esforço pra merecer a confiança de quem decide sobre isso na Rede Globo.
Você fez humor crítico em programas como Casseta e Planeta e Doris para maiores. Estamos vendo o ressurgimento desse tipo de humor em programas como o Isso a Globo não mostra. Essa verve crítica do humor reflete o (mau) humor do brasileiro com a política do momento?
Não existe nada mais datado que o humor. Se você assistisse a Oscar Wilde há 100 anos, morreria de rir. Hoje, acha inteligente, mas não produz gargalhada. No Brasil, os preconceitos aceitos há 20 anos para produzir humor são aceitáveis hoje em dia apenas em salas pequenas ou na internet – que é uma sala pequena dentro do seu celular. Na TV aberta, falando para um público maior, agredir negros, homossexuais, mulheres, judeus ou gaúchos, mesmo com uma boa piada, é inaceitável.
Que balanço faz desses 30 anos de carreira?
Está em andamento. No fim do ano passado, renovei contrato com a Globo por seis anos.
Você já disse que assiste a muitas novelas e séries. Dá para escolher uma novela ou série preferida?
Do passado, várias! Muitas mesmo! Silvio (de Abreu), Cassiano (Gabus Mendes), Ivani (Ribeiro), (Carlos) Lombardi, Aguinaldo (Silva), Glória (Perez)... Mais recentes, me agradaram demais Cordel encantado, da Thelma Guedes e da Duca Rachid; Cheias de charme, da Isabel Oliveira e do Filipe Miguez; Pega pega, da Claudia Souto; Rock story, da Maria Helena Nascimento, Êta mundo bom e Amor à vida, do Walcyr Carrasco, Tempo de amar, do Alcides Nogueira. Estou louco para ver Bom sucesso, do Paulo Halm e da Rosane Svartman, que não consegui acompanhar por conta do trabalho. Série, para mim, a melhor do ano passado foi, sem dúvida, Segunda chamada, da Carla Faour e da Julia Spadaccini.
Qual foi o momento de maior desafio desses 30 anos?
É sempre o próximo.