Os livros que não escrevi
Tenho para mim que meus melhores livros jamais serão escritos. Disse também um dia que as minhas bandas imaginárias sempre foram brilhantes, por mais que, na vida real, eu nunca tenha feito propriamente um show e a dúzia de canções que compus estejam longe de qualquer clássico. É difícil mensurar o valor de algo que não existe. Mas, de algum modo, é bonito pensar na incapacidade de tocar certas ideias adiante não como frustração, mas como um potencial oculto cuja melhor forma é de fato etérea, intangível.
Devo ter parado pelo meio pelo menos uns seis ou sete romances, isso sem contabilizar as narrativas curtas. Por incompetência ou por falta de disciplina, não sei bem, as coisas não fluíram e abandonei esses textos. Pensei aqui em dizer que “abandonei esses projetos” no lugar de textos, mas existe algo mais brochante do que transformar arte — mesmo que sejam só tentativas de — em burocracia? Editais, licitações, a tristeza de um pregão para definir quem é o melhor poeta…
Vá lá, deixei meus projetos para trás. Eles, porém, não me abandonaram. Há muitas noites em que sonho com Joana, personagem de uma das primeiras histórias que imaginei. Nos meus delírios ela diz frases complexas, penteia meu cabelo desajeitado com as mãos, diz que me ama e vai embora. Invariavelmente, Joana me deixa, como se quisesse me avisar que está ali, mas não está e que, como o livro que abandonei, nunca vai existir como coisa material, sólida.
No livro (não deveria chamá-lo assim, pois ele não existe), o narrador é um escritor por encomenda que não consegue produzir o Grande Romance de um autor de autoajuda depois de emplacar sete best-sellers sofríveis. A frustração é múltipla. Escrever o que não presta, não assinar e ver o sucesso de um charlatão que finge vender felicidade — ou coisa que valha — sem nem sequer conhecê-la. Quando comecei a história, os coachs não estavam na moda, mas o Grande Autor era o que eles hoje tentam ser.
Durante o bloqueio, o narrador começa a se lembrar de Joana e a escrever um texto sobre ela e sobre a ausência dela. Só que, assim como para mim, Joana aparece para ele apenas em lembranças difusas, em cartas que deixou, em sussurros existenciais. O bloqueio, a solidão e o amor pela mulher que sempre some deixam o rapaz sem rumo e em certo desespero. Joana, saberíamos lá pelas tantas se eu tivesse escrito o livro mesmo, nunca existiu e era a personagem de um romance de adolescência do protagonista.
Gosto da lembrança que essa história me traz. Na prática, ela não existe, posto que não foi escrita e que tenho só algumas páginas um tanto malfeitas sobre tudo isso, mas me faz bem pensar no narrador e em Joana como se eles existissem para além da literatura, como se fossem amigos imaginários de infância que, no meio da tarde, surgem para bater um papo.
Pensei algumas vezes em retomar a narrativa, mas cheguei à conclusão de que é melhor não. Acho que os melhores textos nunca chegarão ao papel e tudo bem, apesar do paradoxo disso tudo, porque qualquer Joana escrita e materializada jamais terá o encanto da Joana inconclusa, que, vez em quando, me dá conselhos bonitos nos meus sonhos.