Jornal Correio Braziliense

Revista

Representatividade na tela

Séries e minisséries estrangeiras e nacionais acendem a discussão sobre racismo sem didatismo exagerado, seja no drama, seja na comédia

[FOTO1]

Há muitos exemplos de séries em que a representatividade dá a tônica da trama, seja em comédias, seja em dramas. Uma das produções mais densas do ano, a série da Netflix Olhos que condenam (When they see us, para quem tem o catálogo em inglês) conta, em quatro episódios, o caso real de cinco jovens negros que foram condenados sem provas pelo estupro de uma mulher branca. Eles foram presos, num caso de extrema comoção nacional nos EUA. A direção certeira de Ava DuVernay dá à produção a proporção exata de como a vida dos meninos mudou por completo por um erro racista da polícia, ávida por resolver um caso de clamor popular. Olhos que condenam ganhou dois Emmy (melhor ator em minissérie para Jharrel Jerome e melhor elenco de minissérie).

Com duas temporadas disponíveis na Netflix e na Fox Play, Atlanta, do canal FX, já tem mais duas temporadas confirmadas, que serão gravadas ao mesmo tempo e levadas ao ar no ano que vem. A crítica social da série aparece por meio do rap e vem muito bem-humorada. O sucesso de Atlanta atende pelo nome de Donald Glover. O ator, diretor e roteirista rouba a cena na pele de Earnest Marks, ou simplesmente Earn, rapaz que tenta provar que é muito mais do que a cor da pele dele. Atlanta tem na estante dois Globos de Ouro conquistados na primeira temporada (melhor ator e melhor série de comédia ou musical) e cinco Emmys.

Desde o nome Cara gente branca (Dear white people), série que tem três temporadas e a quarta confirmada, avisa: o alvo do discurso é o público branco, que precisa aprender a identificar casos de racismo para que não os pratique. A série tem um tom bem didático, mas passa longe de ser chata ; muito pelos personagens, bem construídos. As três temporadas da série estão disponíveis na Netflix.

O Brasil não poderia ficar de fora dessa lista. O Globoplay, serviço sob demanda da Globo, tem no catálogo as quatro temporadas de Mister Brau, comédia de Jorge Furtado e Adriana Falcão estrelada por Lázaro Ramos e Taís Araújo. A representatividade da série não aparece apenas ao tocar no racismo, mas também na condição da mulher. Afinal, é Michelle (personagem de Taís) a verdadeira estrela da casa e da vida profissional da dupla.


Luta contra o racismo

No mês da Consciência Negra, Heslaine Vieira e Marco Gonçalves destacam a importância do tema

Por Melissa Duarte*

Apaixonada pelas aulas de teatro, a atriz Heslaine Vieira, de 24 anos, que se tornou conhecida por atuar em Malhação, buscava representatividade nas telas e nos palcos desde pequena. Bastou ver Taís Araujo como Preta, de Da cor do pecado (2004), para decidir o futuro: ;Disse para minha família que era isso que eu queria fazer. Imaginei o quanto outras meninas também quereriam se ver como eu, e como isso era importante;.

;Para uma sociedade que espera, principalmente do jovem negro, que ele sucumba, trago meu sorriso e isso é uma forma de protesto;, defende. Para ela, outro jeito de encarar o preconceito é se unir e lutar por igualdade e justiça. ;Minha missão é essa, estou aqui por esse motivo;, completa. É por isso que a apresentadora Oprah e as atrizes Viola Davis e Ruth de Souza ; pioneira no teatro, no cinema e na TV brasileira ; não deixam de inspirá-la.

O sonho da atuação foi compartilhado com o irmão, ator e apresentador Land Vieira. Nascidos em Ipatinga (MG), eles se mudaram com a família para o Rio de Janeiro em busca dos palcos. O começo de Heslaine foi na Filhos do Carnaval (2006), da HBO, mas o reconhecimento veio na temporada Viva a diferença de Malhação (2017-2018), quando viveu Ellen, uma estudante que amava informática, em uma trama que abordava sexualidade, gravidez na adolescência e diversidade. Ela volta a dar vida à personagem no spin-off do folhetim As five, que estreia em 2020 no Globoplay. ;Ela mostrou em rede nacional que a gente precisa de oportunidades e que, mesmo com poucas, talento não tem cor;, acredita.

Além da estreia nas telonas em Derrapada, Heslaine está escalada para Nos tempos do imperador prevista para a faixa das 18h em março de 2020. ;Ainda tenho muito a aprender. É claro que, quando olho para trás percebo o caminho que percorri, fico feliz, mas acredito que ainda há muitas coisas para serem feitas;, finaliza.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

Debate sob nova perspectiva

Por Adriana Izel

Cria do teatro de improvisação e da palhaçadaria, o ator Marco Gonçalves ganhou notoriedade no talk show Lady night, em que trabalha ao lado de Tatá Werneck. Na atração, Marcão, como é mais conhecido, é um dos redatores e também um dos humoristas fixos, dividindo os momentos de improvisação com a apresentadora durante os quadros. ;O Lady night traz esse componente do improviso, que é toda a espontaneidade da Tatá, que é natural. Nas primeiras temporadas, a diversão sempre esteve na frente da entrevista. A partir da terceira temporada, as histórias passaram a dar outra camada ao programa, mais emocional;, explica.

No último dia 12, Marco estreou nos palcos com a peça Montenegro e Iguassú, no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo. O espetáculo é uma inserção do trabalho do ator na temática negra. ;É a história de um homem miscigenado, meio negro, meio indígena, meio branco, bem brasileiro, e de um negro retinto. Eles se encontram num espaço de pensamento e de reflexão, para entender se a vida que eles levam tem a dignidade devida. É uma peça que não tenta ficar nos ressentimentos, nas questões de preconceitos, embora a gente passe por isso;, avalia. Na obra, ele divide a cena com o amigo e também ator Caio Juliano, a quem conhece desde os 7 anos.

Sobre a escolha de não abordar as mazelas, Marco Gonçalves explica: ;É uma peça que toca em questões delicadas e dramáticas, mas tem uma coisa que não posso fugir, sou um palhaço. Então, ela transita por muitos lugares. A ideia é dar uma rasteira no público com uma reflexão;, revela. A peça deve rodar o Brasil por cidades como Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Porto Alegre. Trazer temas como esse para o trabalho artístico é visto pelo ator como algo inerente ao ofício. ;O artista tem um papel social de ser um documento vivo do que está acontecendo. A nossa função é trazer perspectivas e olhares mais profundos do que o telejornal, que é uma descrição da realidade. A gente tem que trazer essa reflexão. O artista não fala literalmente o que está errado, mas ele tem que espelhar. A peça tem esse lado político-social que aborda a nossa dignidade, muitas vezes, ferida por comportamentos de exclusão;, completa.

Em breve, ele deve voltar às telas. Marco está confirmado em uma série que será lançada em dezembro. Por enquanto, é só o que o ator pode contar sobre o projeto. Uma nova temporada de Lady night é aguardada após a licença-maternidade de Tatá. Ele ainda participa todas às quartas da Noite de improviso, do Comedians, em São Paulo.