Ana Flávia Castro *
postado em 10/11/2019 07:00
Viajar pelo mundo, ser campeão de atletismo, participar de uma companhia de dança ou se tornar um artista premiado são sonhos que podem ser alcançados por qualquer um, inclusive por quem tem algum tipo de necessidade especial. Os personagens dos curtas, médias e longas-metragens da nona edição do Assim Vivemos ; Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência provam que acessibilidade e aceitação da sociedade são caminhos fundamentais para a autonomia das pessoas com alguma diversidade limitante.
O festival começa na próxima terça-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil, e a programação se estende até 24 de novembro ; com a exibição de 38 produções de 20 países participantes, escolhidas entre os 1.066 inscritos. Os temas são variados: amor, esporte e arte são alguns exemplos. Porém, o protagonismo das pessoas com deficiência é critério primordial nas exibições.
A existência do Assim Vivemos já estimulou a presença dessa parcela da população na produção cinematográfica, e o número de inscrições de filmes com essa característica no Brasil evoluiu bastante. ;Com a proposta do projeto, nós esperamos modificar a visão das pessoas e diminuir essas barreiras, tanto de acessibilidade com relação à atitude e ao preconceito quanto aos ambientes ; fisicamente nas cidades e de inclusão no mercado, nas escolas e nas universidades;, defende a fundadora e curadora do festival, Lara Pozzobon.
Acessibilidade
No projeto, a inclusão é um fator primordial dentro e fora das telonas. O Assim Vivemos é o primeiro festival de cinema no Brasil a oferecer acessibilidade para pessoas com deficiência visual ; disponibilizando audiodescrição em todas as sessões e catálogos em braille ; e auditiva ; com legendas inclusivas nos filmes e interpretação em Libras nos debates.
A servidora pública Maíra Bonna Lenzi tem deficiência auditiva bilateral severa profunda de nascença e comparece ao evento desde a primeira edição, em 2003. Ela já participou uma vez como debatedora e incentiva fortemente os amigos a prestigiarem. ;O festival oferece recursos de acessibilidade, tema que ainda é uma luta diária para as pessoas com deficiência que aspiram por cultura, como eu. Em qual situação, além desta, eu tenho legendas em tempo real em qualquer evento cultural?;, questiona.
Para ela, um evento como esse é fundamental por diversos motivos, e um deles é a representatividade. ;Ainda não vemos muitos de nós em telas de cinema, no teatro, em novelas e em manifestações culturais em geral. Observamos em muitos dos documentários exibidos no projeto potenciais atrizes, atores, diretores e fotógrafos, que poderiam estar inclusos em um meio não exclusivamente para pessoas com deficiência.;
A servidora pública acredita que ainda existe muito preconceito quando o assunto é deficiência. ;No caso da surdez, por exemplo, ainda existe a visão de que surdo é mudo. Não somos mudos, nós falamos, seja em língua portuguesa, seja em Libras. Nós temos voz, não somos calados;, defende.
Maíra ainda completa: ;Hoje, ações como o desenho universal, as tecnologias assistivas, a reabilitação e a sensibilização da comunidade fazem com que qualquer um de nós possa ser representante, com dignidade, dessa sociedade. A luta é diária, mas, aos poucos, plantamos sementes para que possamos colher, hoje, os frutos;.
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Contando a própria história
Durante os dias de festival, serão exibidos filmes feitos por e com pessoas com deficiência. O documentário autobiográfico Meu nome é Daniel é uma das 32 produções apresentadas durante os dias de programação. O diretor e protagonista, Daniel Gonçalves, é o primeiro no Brasil que tem alguma deficiência a dirigir um longa-metragem sobre a própria vida.
Para ele, é primordial que o protagonismo dessa parcela da população se expanda também nos bastidores do cinema. ;É muito significativo, porém muito triste, ocupar essa posição sozinho. Eu espero que esse número aumente e que possamos ter voz. É muito importante que sejamos capazes e tenhamos espaço para contar as nossas próprias histórias, além de sermos retratados;, acredita.
O enredo do documentário acompanha o desenvolvimento de Daniel e a busca dele por um diagnóstico, que até hoje não foi encontrado. Ele tem uma deficiência de origem desconhecida que afeta a coordenação motora. ;É uma história sobre como é ter deficiência, conviver com ela, desconstruir os conceitos do que é ser ;normal; e também sobre a importância da família nesse processo;, explica o protagonista.
A produção foi lançada no último mês, mas gravada em 2018. Desde a produção, o filme já passou por cerca de 15 festivais e ganhou cinco prêmios. ;Eu fui jurado do Festival Assim Vivemos em 2015, e apresentar um filme nesse projeto, para mim, é muito significativo. É o festival mais antigo e que reúne nomes muito importantes e passa por grandes capitais do Brasil;, ressalta.
O Assim Vivemos já passou pelo Rio de Janeiro e, após as exibições em Brasília, segue para São Paulo. Além dos filmes, o projeto promove debates com temas como inclusão pela arte, família e estímulo, autismo e moradia assistida e duas oficinas. Veja a programação completa no site do caderno Diversão & Arte.
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte