Talvez tenham sido os óculos redondos, parecidos com os de John Lennon. Certamente não foi a careca ampla, ladeada por dois tufos de cabelo como os personagens ; todos eles ; adultos e masculinos dos gibis da Luluzinha. E, mais certamente ainda, não foram as virulentas críticas ao fascismo e à degradação cultural provocada pelo capitalismo.
Ficamos sabendo recentemente que Theodor Adorno não foi apenas um filósofo alemão, expoente da chamada Escola de Frankfurt, grupo de pensadores que balançou as certezas do mundo. Ele era, na verdade, um beatle. Ou seja: eram Paul, John, George, Ringo e Theodor. Não se sabe ainda se ele usava uma peruquinha de franja.
Pelo menos é isso o que levantaram as pesquisas do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, na tentativa de reescrever a história segundo as próprias convicções. Adorno foi também um músico apaixonado pela técnica dodecafônica de Schoemberg e estudou com Berg, mas ninguém sabia que se tratava de um velhinho transviado, que caiu no roquenrol, sacudiu o esqueleto e saiu gritando ié-ié-ié.
A história vive em permanente revisão. Fundamentais no passado, por exemplo, os livros de história do Brasil de Francisco Varnhagen hoje são tidos como peças de ficção. Preconceituoso, torceu a verdade, criou teses, constrangeu fontes e deturpou fatos, tudo em nome de verdades que só interessavam aos aristocratas.
Varnhagem encheu personagens de adjetivos ; ;enérgico Tomé de Souza;, ;bom, religioso e justo D. João IV; ;, escamoteou crueldades, escravidão e genocídios, como se a história do Brasil tivesse acontecido sob a capa da perfeita harmonia geral ; começou ali a teoria da boa índole do brasileiro. Com o tempo, a verdadeira história foi sendo revelada.
Tiradentes, por exemplo, passou de ;figura antipática, feia, espantada e ambiciosa que tinha se dado mal no Exército e na mineração;, como descrito pelo historiador, a herói nacional. Por ele, os escravos seriam índios porque, como escreveu, africanos trouxeram ;costumes pervertidos, seus hábitos indecorosos e despudorados, seus abusos, vestuários, comidas e bebidas inadequados;.
Dessa forma, cada época tem o passado que lhe convém. No Brasil atual, o curioso é que se está tentando reescrever o presente, deslocando fatos, mentindo descaradamente ou simplesmente criando a tal ;verdade individual;, pós-verdade ou o ;é o que eu acho. E ponto;.
Há quem busque reescrever a própria história. O direito ao esquecimento vem sendo reconhecido em alguns países, como a França, justificado na privacidade. Assim, uma pessoa não ficaria presa ao próprio passado, como se fosse possível eliminar as circunstâncias da formação das pessoas, como ensinou Ortega Y Gasset.
Mas a novidade é inserir personagens em fatos históricos, como Forrest Gump, no filme O Contador de Histórias. O consolo é saber que quando um sujeito se dá ao trabalho de dizer que as músicas de um grupo de roqueiros cabeludos foram compostas por um filósofo ; este de verdade ; careca e sessentão, facilita a vida de quem não acredita em nada que ele diz.
Talvez tenha sido um dos The Knickerbockers ; um dos maiores imitadores dos Beatles ; cantando seu único sucesso, Lies (mentiras).