O acompanhamento das crianças com transtorno do espectro autista é fundamental para garantir maior autonomia na fase adulta. Para pessoas mais velhas, porém, as opções são limitadas. Pedro Sphair Cavalcante, 27, foi diagnosticado aos 3 anos. Desde então, a intervenção é contínua. Mas, com o passar dos anos, ficou cada vez mais difícil encontrar acolhimento.
;Com o tempo, eles se acostumam aos processos tradicionais de intervenção. As atividades acabam se tornando repetitivas, e eles pedem para sair do acompanhamento;, conta Margareth Sphair, 58, mãe de Pedro. ;O atendimento para adultos é quase inexistente.;
A intervenção no caso de um adulto, segundo Fabiana Andrade, psicóloga e mestre em ciências do comportamento, é voltada para garantir que os indivíduos alcancem a autonomia. Aprender a lidar com questões sociais torna-se ainda mais significativo na adolescência e na maturidade.
Hoje, Daniel faz natação e participa das atividades na Fundação Pestalozzi de Brasília, que, recentemente, passou a receber autistas. Desde bem novo, o desenvolvimento dele era diferente do dos irmãos. Mas os três filhos de Margareth e Edvaldo Cavalcante, 73, foram diagnosticados com algum grau do TEA.
No caso de Daniel, 31, e Leonardo, 28, o diagnóstico só veio após a maturidade. A psiquiatra explica que isso é comum, porque, antigamente, para uma pessoa ser classificada como autista, os critérios eram muito específicos ; o quadro deveria ser bastante acentuado. Atualmente, o diagnóstico inclui variações menos severas do TEA.
Tanto Daniel quanto Leonardo concluíram a faculdade, e o mais velho chegou até a trabalhar. Mas delimitar um diagnóstico para ele foi um desafio à parte. O caso de Daniel chegou a ser confundido com Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), aos 16 anos.
Antes de descobrir o que realmente causava o comportamento do jovem, ele usou medicações inadequadas. ;Os remédios estavam me fazendo mal;, conta Daniel. Já durante o curso na faculdade, um neuropsiquiatra foi responsável por identificar o caso dos dois. ;Ele se sentiu especial por ter a mesma síndrome do Bill Gates;, diverte-se a aposentada.
No caso de Léo, a indecisão e as relações sociais são o maior desafio. Daniel chama o garoto de filhinho da mamãe. ;Mas ele é um encantador de pessoas. Onde passa deixa suas marcas, e é muito querido;, diz. A música também é um fator importante de união da família. Leonardo toca piano, Daniel domina as baquetas da bateria e Pedro gosta mesmo é de ouvir uma boa melodia ; ele também tem sessões semanais de musicoterapia.
;Receber o diagnóstico nunca é fácil, a gente leva o impacto inicial. Mas eu me dei conta de que independentemente disso, eles seguem sendo as mesmas pessoas queridas, amáveis e capazes que eu conheço. Não podemos deixar resultados médicos interferirem e passar a tratá-los como pessoas limitadas. Devemos incentivá-los como qualquer um, entendendo as particularidades deles. Sem esse estímulo, eles acabam ficando na zona de conforto. É fundamental lembrar que eles têm muito espaço para crescer;, diz.
Para desmistificar
Em sua segunda edição, o livro O menino que nunca sorriu & outras histórias reais tem como objetivo lançar luz ao pouco falado mundo dos transtornos mentais na fase inicial da vida. As histórias contadas foram ambientadas em um hospital público do Rio de Janeiro e trataram de transtornos psíquicos como autismo, depressão e bipolaridade. Fábio Barbirato, chefe da psiquiatria da infância e adolescência da Santa Casa, no Rio, é um dos autores. ;Nossa ideia é desmistificar esses transtornos em crianças e adolescentes para que os pais possam lidar com isso sem preconceitos, o que evita problemas mais graves no futuro.;
Na telinha
A série The Good Doctor, que estreou na última quinta-feira na tevê aberta, conta a história de um médico talentoso que tem a chamada síndrome de Savant, frequentemente acompanhada do autismo. Ele é capaz de resolver casos difíceis graças a uma capacidade imensa de absorver informação técnica. Por causa disso, consegue emprego em um importante hospital da Califórnia. No entanto, tem que lidar diariamente com o preconceito.
Atypical é uma comédia dramática da Netflix que trata o autismo com delicadeza e humor. Sam é um jovem de 18 anos diagnosticado com TEA que está em busca de sua própria independência. Em família, ele enfrenta os desafios dessa jornada e vive toda a efervescência da idade e seu amadurecimento.
Vontade de conhecer o mundo
Este mês, Brasília recebeu o primeiro espaço da região Centro-Oeste para atendimento intensivo e precoce a crianças de até 5 anos com autismo, de iniciativa do Instituto Ninar. Abrigar centros como esse é uma conquista importante para desenvolver meninos com TEA na fase da neuroplasticidade ; uma criança tem mais ligações e sinapses de neurônios que um adulto. A intervenção mais cedo facilita o desenvolvimento e promove uma vida melhor em sociedade.
O diagnóstico precoce de Fabrício Caminha Campos, 8 anos, foi crucial para alcançar os patamares de desenvolvimento que ele tem agora. Desde bem pequeno, ele não atendia quando era chamado, não fixava o olhar, não interagia com os colegas e ignorava comandos simples. Associadas a essas características, a hiperatividade e a falta de interesse no mundo que o rodeava nortearam as desconfianças de que Fabrício tinha algo diferente.
Impulsionados na busca por um diagnóstico, a família foi até São Paulo visitar um especialista. Aos 3 anos, e ainda sem falar, Fabrício foi enquadrado com TEA. ;A partir daí, foi uma corrida contra o tempo. Não queríamos perder a janela da neuroplasticidade cerebral ; período em que a aprendizagem é facilitada, por conta da maior quantidade de atividade neuronal ;, e uma série de acompanhamentos foram necessários para incentivá-lo a se desenvolver;, conta a mãe, Mariana Caminha, 39.
Desde então, a rotina da criança é intensa ; tudo para que ele se sinta o mais confortável possível em sociedade. Fabrício encaixa na semana horários para fonoaudiologia, terapias ocupacional e comportamental, grupinhos terapêuticos voltados para atividades acadêmicas e habilidades sociais, acompanhamento com uma psicopedagoga, aula de inglês e natação. ;É uma matemática para ele conseguir fazer tudo e não se cansar. Mas as terapias são lúdicas, o que se torna mais diversão do que intervenção;, acredita Mariana.
As quebras de rotina não são bem-vistas por Fabrício, mas, por incentivo da família, desde pequeno, o garoto adora viajar. ;Ele é uma criança do mundo;, descreve a mãe. Em uma recente viagem para a África do Sul, o garoto se divertiu e aprendeu muito sobre a natureza e os animais. Para ele, vivenciar as coisas sobre as quais aprende é um reforço no processo de aprendizagem.