Jornal Correio Braziliense

Revista

De Brasília para o mundo

A moda sustentável da capital faz sucesso no exterior com projetos inovadores e criativos a partir de materiais reutilizáveis. Conheça alguns deles

Não há mais dúvida de que Brasília é um celeiro de criatividade. Aqui, a arte, em todas as suas formas, floresce, seja na arquitetura, na música, seja no teatro e também na moda. A partir de suas criações, estilistas e designers candangos expressam sua forma particular de ver o mundo e alcançam renome nacional e internacional, como a estilista Sandra Lima, 50 anos, a artista plástica Lurdinha Danezy, 60, e a designer de bolsas e calçados Eunice Pinheiro, 55. Elas não só levaram o trabalho autoral para fora do Brasil como, ainda, ajudam a preservar o meio ambiente.

A produção de peças feitas a partir de materiais reciclados fez tanto sucesso que as três amigas e parceiras no projeto foram convidadas a expor o trabalho em Nova York e Barcelona. Tudo começou quando, no ano passado, Sandra, Eunice e Lurdinha estavam visitando o Inspira Mais, salão de design realizado semestralmente em São Paulo, e conheceram um empresário da Top Shoes Brasil, marca de calçados, que as convidou para criar peças a partir das sobras da fabricação de tênis.

O material, um tecido chamado nit, é cortado em uma única forma para criar toda a estrutura do tênis. Ao conhecer a fábrica, no Rio Grande do Sul, elas auxiliaram a projetar um novo desenho para as formas, que permitia uma maior economia. ;A sustentabilidade começa primeiro em reduzir. Sugerimos que ele redesenhasse o corte para sobrar menos material;, detalha Sandra. ;O nosso objetivo é criar cada vez menos resíduos e, consequentemente, menos lixo. Conseguimos isso diminuindo a forma, e passamos a reaproveitar a sobra do material;, completa Eunice.

Desafio

Depois de conhecer o tecido, as três artesãs aceitaram um desafio: cada uma adaptaria a sobra do tecido para sua área de atuação. ;Fizemos um brainstorm e resolvemos colocar a mão na massa;, conta Sandra. Lurdinha desfiou o nit e usou as linhas para criar acessórios, brincos, colares e pulseiras. Sandra emendou as sobras do tecido para produzir roupas com modelagem tridimensional, uma delas feita com 48 pedaços de tecido que iriam para o lixo. Eunice usou o nit para modelar bolsas e sapatos exclusivos. ;Um único tecido vira coisas muito diferentes e nem sequer parece o mesmo material no fim;, ressalta Eunice.

Um ano depois, as amigas levaram as peças para o Inspira Mais 2019. A inciativa fez tanto sucesso que rendeu um convite da Stoll, fabricante de máquinas que produzem o nit, para expor as criações em Nova York, em uma das maiores feiras da indústria têxtil.

O empresário que havia encomendado o trabalho também se surpreendeu com o resultado. ;Ele ficou impressionado. Disse que precisávamos expor, que estava mais profissional do que ele imaginava. Acho que as pessoas não esperam que peças recicladas tenham um acabamento tão refinado;, pondera Eunice.

Pela proximidade do evento, Eunice, Lurdinha e Sandra não conseguiram ir aos Estados Unidos, mas as peças delas nem voltaram para Brasília. Do Inspira Mais, em São Paulo, foram direto para Nova York. As peças também foram parar na Feira ITMA, em Barcelona, a maior do mundo de maquinário têxtil.

Realização

Para as empreendedoras, mais do que o sucesso internacional, a realização profissional vem do sentimento de que estão ajudando a salvar o planeta a partir da redução de lixo. Em 2006, Sandra fez um desfile no Capital Fashion Week, antiga semana de moda de Brasília, com o tema ;A última flor do mundo;. Na época, conta, ela foi vista como louca por apostar em um trabalho voltado para a reciclagem e a diminuição de resíduos, e por afirmar que a moda não se tratava apenas de consumo. ;É incrível ver que, mais de 10 anos depois, o que sempre acreditei está no centro do mundo da moda;, afirma.

Em 2001, Lurdinha ganhou um prêmio internacional de design de joias com peças criadas a partir de ferro encontrado no lixo, e acredita que a valorização do trabalho fruto de reciclagem e reaproveitamento vai continuar crescendo conforme a indústria e a população percebam a importância da diminuição de resíduos. ;Consegui esse reconhecimento competindo com ouro e pedras preciosas. Isso mostra que inovar com o que temos, além de preservar o meio ambiente, pode ser lindo e ter muito valor;, completa a design.

Já Eunice conta que, quando diz que é de Brasília, ainda escuta expressões de surpresa. ;Ir para Nova York é um grande lance, é muita visibilidade. E ver nosso trabalho ao lado de tantas outras coisas dignas é muito bom. Isso comprova que o que produzimos se encaixa e pode fazer sucesso em qualquer lugar.;

A feira
O Inspira Mais reúne mais de 180 expositores, vindos do sul ao norte do país, que oferecem soluções em materiais para os segmentos de calçados, confecções, móveis e bijuterias. São mais de 900 lançamentos em materiais inovadores, produzidos de acordo com as pesquisas do Núcleo de Design do Inspira Mais. A próxima ocorrerá em janeiro de 2020.