Um ano e três meses depois de ter dado entrada no pedido de adoção, os bancários Wilton Antônio de Souza Júnior, 38 anos, e Daniel do Valle Silvestre, 44, completaram a família. Tornarem-se pais de dois meninos, irmãos biológicos, hoje com 6 e 10 anos.
Quando os meninos chamam ;pai;, Wil e Daniel se viram em direção aos filhos, e o prazer e a naturalidade com que assumiram esse papel são mais uma prova de que ;era para ser;, como define Wilton. ;Ouvir a palavra pai foi a materialização de tudo que sempre sonhamos. Eles dizendo que queriam ser nossos filhos foi um momento incrível;, emociona-se, lembrando que os irmãos haviam recusado uma primeira família que queria adotá-los.
O casal conta que o momento em que a ficha da paternidade caiu de fato foi quando começaram a vivenciar os aspectos práticos da vida dos filhos. Na primeira vez em que levou os meninos para o colégio, Wil se sentiu completamente pai. ;Meu pai morreu quando eu era jovem, e o momento de levar e buscar na escola sempre foi marcante para mim. Quando levei os meninos, percebi que minha vida tinha mudado para sempre.;
Daniel confessa que a procura por uma escola tirou seu sono e o fez perceber que, sim, ele era pai. ;Foi difícil achar vaga. O ano letivo tinha começado e passei a noite em claro pensando onde eles estudariam. No dia seguinte, mesmo sem documentos, saímos para procurar.;
O desejo da paternidade sempre fez parte da vida de Wil. Filho único até os 13 anos, ele se sentia sozinho e dizia a si mesmo que teria muitos filhos para um fazer companhia ao outro. Porém, quando se descobriu homossexual, sentiu o sonho se afastar. ;A sociedade me dizia que, como gay, não poderia ser pai, e internalizei isso. Levei um tempo para desconstruir esse conceito e me ver novamente como possível pai;, conta. Daniel recorda-se que nunca tinha pensado na possibilidade de ter filhos até ouvir o sonho do marido.
Eles estavam juntos havia 11 anos quando ouviram a notícia de que um colega de trabalho, também homossexual, tinha adotado uma criança, e o desejo se reacendeu no coração de Wil. Os dois conversaram, e Daniel disse as palavras mágicas: ;Se a gente for ter filhos, acho que está na hora;.
Em outubro de 2016, eles entregaram toda a documentação necessária. Quando receberam a ligação, em janeiro de 2017, Wil se emocionou ao sentir que aqueles eram seus filhos. O Dia dos Pais é uma dupla alegria. ;Poder ser pai e viver isso na minha família homoafetiva é uma vitória, é amor, é família e estar junto.; Daniel completa: ;Não sei de onde vem o desejo de ser pai, mas eu sou incapaz de imaginar minha vida sem meus filhos;.
Daniel e Wil têm a guarda definitiva dos filhos, porém aguardam a conclusão da destituição do poder familiar para finalizar a adoção. Como esse processo ainda não foi finalizado, o casal optou por não expor o rosto dos filhos nas fotos.
Preparação
Ao entrar para o grupo de apoio à adoção Aconchego, o casal passou por uma preparação para o processo. ;Desconstrução é a palavra. Idealizamos muito e, no grupo, aprendemos que nenhum de nós é ideal ; nem os pais nem as crianças. Ter crianças reais na nossa cabeça ajudou muito;, lembra Wil.
Daniel acrescenta que passar por esse processo foi fundamental na criação de vínculos. ;Aprendemos a respeitá-los e a respeitar a história de vida deles antes de se tornarem nossos filhos.; O casal ressalta a importância do grupo de apoio. Em um primeiro momento, o casal queria adotar crianças mais velhas, mas, durante a convivência com garotos e garotas em abrigos, entraram em contato com a Vara da Infância e ampliaram ainda mais o perfil de idade. Também não fizeram distinção de raça ou gênero.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, 46.175 pretendentes estão inscritos no Cadastro Nacional de Adoção. Desse número, 51,32% são indiferentes quanto à raça da criança e 64,94% não possuem exigência quanto ao sexo. Somente no Centro-Oeste, são mais de 3.500 pretendentes habilitados. Já o número de crianças inscritas é de 9.633, sendo 841 delas do Centro-Oeste. Mais de 49% são autodeclaradas pardas e 16,58%, negras ; os perfis menos procurados pelos solicitantes que esperam na fila.
Três gerações de história
A adoção faz parte da história de Pedro Rogério de Queiroz Almeida, 35 anos. O professor de história foi adotado com apenas um ano e seis meses, porque a mãe não podia engravidar. ;Desde sempre, os meus pais foram muito abertos e mantiveram um diálogo sincero. Então, para mim, não foi traumático. Muito pelo contrário.;
A mesma naturalidade ocorreu com o processo de adoção da filha, Ana Beatriz, hoje com 10 anos. Pedro e a mulher se sensibilizaram com o histórico da menina, filha biológica de uma pessoa próxima da família. ;Por ser minha primeira filha, não tinha experiência com a paternidade. Uma das coisas que sempre me esforcei para ensiná-la foi a não ter preconceitos, não julgar ou fazer qualquer diferenciação entre as pessoas de crenças e aparências diferentes.;
Para o professor, ser pai é uma grande honra, vocação e chamado. ;Busco fazer o melhor, não só o que ela quer, mas aquilo que acredito ser mais saudável. Mesmo com todas as dificuldades, é lindo ver um ser pequenininho se desenvolvendo.;
Um dos aspectos que diferem a criação de Ana Beatriz é a convivência com a mãe biológica. Desde que assumiu a guarda, Pedro nunca impediu que a filha mantivesse contato com a mãe sempre que solicitado. E assim como os pais estimulavam um diálogo aberto e honesto com ele, o professor cultiva essa cultura em família.
Entre as lições mais marcantes que aprendeu com a filha, uma sobressai. ;A forma como a Bia age com naturalidade é um aprendizado muito grande para mim. Mais aprendi do que ensinei. O simples, para ela, já é suficiente. Sentar com a gente e assistir a um filme se torna o programa mais prazeroso do mundo;, emociona-se.
Hoje, Pedro e a esposa estão à espera da primeira filha biológica, e Bia está muito ansiosa para a chegada da irmã. Apesar disso, no coração do pai não existe qualquer diferença entre as duas experiências. ;Se eu pudesse dar um conselho para homens e mulheres, diria para adotar. Existem crianças abandonadas que só querem uma família, só querem ser amadas. Para essa criança, é a chance de um renascer espiritual, de ser amparada, acolhida.;
Desafios da adoção
Além de um ato de amor, a adoção requer racionalidade. É preciso analisar e identificar quais são as reais motivações. Assim como acontece com os filhos biológicos, uma das partes do casal pode demonstrar vontade de adotar antes de outra. E a etapa de amadurecer emocionalmente para a paternidade faz total diferença para a chegada de uma criança.
Ainda na fase inicial do processo de adoção, é recomendado que os futuros pais frequentem grupos de apoio, que contribuem para tirar dúvidas, além de ser orientado corretamente e conseguir compartilhar a experiência com pessoas que estão passando pelo mesmo momento. ;Ambos precisam estar alinhados, e o desejo para criar e amar uma criança deve ser mútuo;, orienta Maria da Penha Oliveira da Silva, psicóloga do grupo de apoio Aconchego.
E, por mais que seja difícil, é preciso segurar a ansiedade. Na fase de espera, é normal que pais idealizem não somente o perfil como também a forma como o pequeno pode se comportar. Mas lembre-se: a criança também cria expectativas.
;Existe uma idealização de felicidade da própria criança. Elas esperam que a vida nova não tenha obrigações, regras e afazeres. Os pais têm de estar bem conscientes e seguros, mostrar autoridade e manter um diálogo aberto. É preciso construir a confiança aos pouquinhos;, afirma a psicóloga Miriam Pondaag.
Uma das maiores dúvidas dos pais adotivos é sobre o momento ;certo; de ser chamado de pai, assim como quando e com que frequência podem dizer eu te amo. A orientação das especialistas é que o afeto deve ser oferecido de maneira gradual e sem pressa. ;O amor é uma construção constante e lenta, os pais precisam se lembrar disso. A criança não vai responder na mesma medida, mas, em seu tempo, vão começar a demonstrar carinho;, detalha Miriam.
;Reforce para a criança que ela está segura, e você estará lá por ela. No fundo, todo mundo só quer se sentir parte, amado, pertencente. Entender o ritmo e a sincronia ajuda a construir um relacionamento sólido;, completa Maria da Penha.
Nos casos de adoção tardia, quando as crianças têm mais memórias de sua história, elas podem querer conversar com os pais sobre o seu passado ou sentimentos. Nesses momentos, busque validar os sentimentos dela e aproveite para mostrar que agora ela está segura e amada.