Jornal Correio Braziliense

Revista

Entregue ao chocolate

As delícias derivadas do cacau são o foco de chef de 35 anos que descobriu a paixão pelo produto depois de anos de profissão

Bastam alguns minutos de conversa com Gustavo Maragna, 35 anos, para receber uma verdadeira aula sobre chocolate e a sua matéria-prima, o cacau. Em uma loja no subsolo da Asa Norte, ele fabrica artesanalmente a iguaria, quase uma unanimidade em todo o mundo. Mas antes de se tornar ganha-pão e objeto de estudo do chef, o carioca teve uma longa jornada pela gastronomia, iniciada ainda muito jovem.

Na adolescência, Gustavo se mudou com a família para Brasília, onde o pai, médico, veio trabalhar. Pouco tempo depois, mais uma mudança. Desta vez, o destino era Barcelona, onde morou por mais de um ano. De origem italiana, ele lembra que teve a sorte de comer muito bem, frequentar bons restaurantes. ;Minha mãe e minha avó sempre cozinharam divinamente, e isso não é papo de chef. Meu pai entende muito de vinho. Minha avó Rosita é minha guia espiritual;, enumera.

A volta a Brasília, onde a família se estabeleceu definitivamente, durou pouco tempo para o então adolescente. Logo ele estava de malas prontas para os Estados Unidos, onde foi cursar o último ano do ensino médio. O ano era 2001 e o ataque às Torres Gêmeas tinha acabado de acontecer. ;Uma semana antes do atentado, eu estava em Nova York;, recorda-se.

Diante das experiências no exterior, o rapaz decidiu entrar na faculdade de turismo, pois achava que o setor tinha grande potencial no Brasil. Quando chegou à disciplina de alimentos e bebidas, porém, encantou-se pelo tema e recebeu todo o apoio do professor para se profissionalizar e ingressar no curso de gastronomia, que seria implementado no Iesb. Gustavo se matriculou na primeira turma.

Inquieto, depois de um ano de curso, Gustavo decidiu viver mais uma experiência no exterior. Embarcou para a cidade de Perth, na Austrália, onde, além de fazer cursos na área de gastronomia, trabalhou em hotéis, restaurante e bistrôs locais. Aproveitou para visitar parte da Ásia e se apaixonou pela culinária de lá. Passou um ano e meio em terras australianas, mas a saudade de casa ; sim, a esta altura, Brasília já era seu lar ; bateu. E ele decidiu voltar. ;Foi um período curto, mas intenso;, resume.

Longa jornada

Quando chegou à capital, em 2010, o Patú Anú, um restaurante de cozinha inovadora, estava abrindo as portas, no Lago Norte, e Gustavo recebeu o convite para trabalhar lá. Sentiu-se em casa, afinal, estava ao lado de chefs amigos e ex-professores. Depois de um ano e meio de ;enriquecedora experiência;, saiu em busca de outras oportunidades.

Um anúncio nos classificados do jornal chamou a atenção de Gustavo: tratava-se de uma vaga para comandar a cozinha da Embaixada da Austrália. Ele se candidatou e, com a chancela de quem conhecia bem a gastronomia do país, conseguiu a vaga. Por lá ficou até o fim de 2012, quando decidiu participar de outro processo seletivo, desta vez, para trabalhar no Senac. Um novo desafio.

De cara, o chef assumiu a cozinha do restaurante da Câmara dos Deputados, de intenso movimento. Em seguida, foi para o Ministério da Justiça, até que foi convocado a ser professor na escola do Senac na Asa Sul ; mais precisamente, Gustavo recebeu a missão de treinar os competidores brasileiros da área de gastronomia na WorldSkills, torneio internacional de educação profissional realizado a cada dois anos. E a responsabilidade era ainda maior, já que a competição daquele ano, 2015, seria realizada em território brasileiro. ;Rodei o país nas seletivas regionais;, relembra.

Naquele mesmo ano, Gustavo decidiu embarcar em um projeto pessoal: participar do Bocuse D;Or, concurso de gastronomia mais prestigiado do mundo. Concorreu com 26 mil chefs profissionais e conseguiu uma das nove vagas da etapa brasileira, que tiraria o representante para a grande final mundial, na França. Não chegou a vencer, mas o fato de estar entre os finalistas brasileiros e ter contatos com grandes profissionais, como Laurent Suaudeau e Alex Atala, que faziam parte do júri, foi uma grande vitória.

Após a competição, acabou transferido para o restaurante do Senado, que funciona também como uma espécie de escola de gastronomia do Senac. ;Eu comandava 25 cozinheiros, além de 10 a 12 alunos, e preparava mais de 300 refeições por dia. Fiquei completamente esgotado;, recorda-se. Nessa época, a paixão por chocolate aflorou. Ele, que tinha dado aulas no Senac sobre a iguaria, também tocava, paralelamente, a criação de uma marca própria. Decidiu, então, dedicar-se integralmente ao projeto.

No mundo do cacau

E, para se aperfeiçoar, embarcou em várias viagens. Foi à Guatemala, um grande produtor de cacau, onde deu curso de chocolateria, e visitou plantações na Bahia. ;Fui para o meio do mato e conheci pequenos produtores, que se tornaram amigos;, relembra. Passou ainda um tempo na Europa, entre a Espanha e a Itália, e aproveitou para comprar utensílios para a pequena fábrica que pretendia montar. Por fim, Gustavo foi a Harvard, onde participou de um congresso no Fine Cacao and Chocolate Institute. Estava pronto para lançar a Rubato, fábrica de chocolate artesanal, ao lado de dois sócios.

Gustavo recebe o cacau, em sacas, de um produtor de Uruçuca (BA), município próximo a Ilhéus. ;Esse foi um dos que conheci nas minhas andanças pelo sul da Bahia. O cacau é de excelente qualidade, com um alto grau de pureza, sem falar que a fazenda mantém uma escola para as crianças da região;, frisa a preocupação com a origem da matéria-prima.

Ao chegar às mãos de Gustavo, a castanha é torrada a temperatura baixa e por pouco tempo ; só o necessário para liberar o sabor, o aroma e esterilizar o produto. ;Torrefações a altas temperaturas servem para maquiar um cacau de má qualidade;, ensina. Depois da torra, são retiradas as cascas da castanha, que passa pelo refino. ;No nosso chocolate, só vai cacau e açúcar orgânico, com variações de 60% a 100%;, explica. O chef também procura privilegiar a matéria-prima local. Utiliza baunilha-do-cerrado, baru e cajuzinho-do-mato em algumas das criações.

Além do chocolate, Gustavo produz bombons, brownies, macarons, pirulitos, tarteletes ; como o da receita compartilhada com os leitores da coluna. Na semana passada, inaugurou na loja/fábrica um bar, cujos drinques são, em sua maioria, feitos à base de cacau. ;Estou sempre criando;, garante o chef. Um paraíso para chocólatra nenhum pôr defeito.


Tartelete de chocolate 70%

Creme de confeiteiro de chocolate
Ingredientes
  • 180g de chocolate 70% Rubato
  • 10g de amido de milho
  • 30g de açúcar refinado
  • 2 gemas
  • 220ml de leite integral
  • 50ml de creme de leite fresco
Modo de fazer
  • Pique o chocolate e derreta-o lentamente em banho-maria. Reserve. Em uma tigela, utilizando um fouet, misture o amido de milho, o açúcar refinado e as gemas. Em uma panela, ferva o leite e o creme de leite. Dissolva a mistura de ingredientes secos e das gemas em ; do líquido fervente. Ferva o restante do leite e do creme de leite, depois despeje a mistura anterior na panela e cozinhe em fogo brando, com cuidado de mexer constantemente com o fouet até que a massa engrosse.
  • Mantenha o cozimento por mais alguns instantes sem parar de mexer, para que o creme não pegue no fundo da panela. Deve ficar cremoso e brilhante. Verta 1/3 desse creme quente sobre o chocolate derretido. Misture energicamente a fim de criar um núcleo elástico e brilhante. Incorpore o restante do chocolate. Utilize o mixer para homogeneizar e finalizar a emulsão.

Massa sucrée
Ingredientes
  • 240g de farinha de trigo
  • 1 pitada de sal
  • 100g de açúcar de confeiteiro
  • 130g manteiga sem sal, fria cortada em cubos
  • 1 ovo

Modo de fazer
  • Peneire a farinha, o sal e o açúcar juntos. Corte a manteiga gelada em cubos pequenos. Acrescente a manteiga sobre a mistura de farinha e misture um pouco para que os pedacinhos de manteiga não grudem uns nos outros. Incorpore com as pontas dos dedos o mais rápido que conseguir, até que se forme um farelo. Acrescente o ovo e amasse com delicadeza até formar a massa. Embrulhe em plástico filme e deixe descansar na geladeira por no mínimo uma hora. Quando for usar, abra em superfície ligeiramente enfarinhada. Forre as formas de tartelete com a massa. Preaqueça o forno a 180;C. Asse por 15 minutos. Deixe resfriar.

Montagem
  • Com o auxílio de um saco de confeiteiro, recheie as tarteletes com o creme de confeiteiro de chocolate. Decore-as com frutas vermelhas se desejar.
  • Rendimento: 8 unidades

Rubato Chocolate Bar
SCRN 708/709, Bloco G, loja 20 subsolo do Antonieta Café)
Instagram: @rubatochocolatebar
A loja abre de segunda a sábado, das 9h às 19h, e o bar funciona sexta e sábado, das 17h às 23h