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Escrita terapêutica: conheças o benefícios dessa prática

Colocar os sentimentos no papel é um poderoso processo terapêutico que pode ajudar na solução de problemas represados

Silvana Sousa*, Melissa Duarte*
postado em 18/06/2019 15:14
Para Marina Mara, escrever é uma maneira de fortalecer um pouco a mente
;Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir;, assim escreveu o poeta Fernando Pessoa. Mais do que uma forma de contar histórias, a escrita também pode ser um meio de buscar autoconhecimento e entender sentimentos. Por isso, a expressive writing, ou escrita terapêutica, vem ganhando cada vez mais espaço nos tratamentos emocionais.

A terapia consiste em escrever livremente sobre os sentimentos, sem se preocupar com estrutura do texto, rimas ou regras gramaticais. ;O intuito é de que ela ocorra de maneira natural, sem programar o que será exposto;, explica a psicóloga Kelly Tirelli.

Esse tipo de escrita pode ser usada em momentos de estresse, em que se busca alívio para reorganizar pensamentos e expressar sentimentos. Também tem sido adotada em pessoas com doenças potencialmente estressantes ; pesquisa da Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, comprovou que pacientes com câncer tiveram aceleração na recuperação quando passaram a escrever sobre as emoções relacionadas à enfermidade.

Para Kelly Tirelli, escrever traz alívio, assim como a fala, mesmo que não tenha um leitor direcionado. ;É uma maneira de colocar para fora o que dói e incomoda, sem medo e sem filtros, sem receio de ser julgado ou mal-interpretado por pessoas do convívio;, explica.

Os exercícios de escrita mais comuns são os de desabafo, diário e organização das ideias. Mas existem uma gama de possibilidades, que vão depender da pessoa e do objetivo dela, como explica a psicóloga Danielle Farias. ;O segredo é começar. E, para que a terapia tenha resultados, é necessário ter disciplina, escrever todos os dias e sempre voltar dias depois para avaliar como os sentimentos escritos vêm se desenvolvendo;, explica.

Sobre o conteúdo, ela orienta que precisa ser focado no sentimento e não na situação. ;O paciente deve pôr no papel o que não pode ser observado. Por exemplo, escrever que sentiu muita raiva, em vez de ;gritei muito;, ou que sentiu muita tristeza, em vez de que chorou.;

Derramar os sentimentos no papel ; ou no computador ; pode ajudar a colocar os pensamentos em perspectiva e, assim, superar as dificuldades. Para o arquivista Gustavo Maia, a escrita representa catarse. E foi essa técnica que o ajudou a superar crises de ansiedade aos 19 anos. ;Foi assustador no início. Uma vez que você coloca no papel, dá a sensação de reconhecimento (dos problemas). Quando você reconhece, passa a lidar melhor com eles;, conta o jovem, hoje com 23 anos.

Observação

O que começou por indicação da chefe ajudou a mudar a vida dele ao longo de um ano. ;A escrita é uma maneira interessante de documentar as mudanças, os eventos pelos quais a gente está passando.; Maia alerta, porém, que a terapia literária agrega, mas não substituiu os tratamentos convencionais.

Já a aluna de publicidade e propaganda da UnB Izabella Beck sente que a escrita é terapêutica porque a coloca no papel de observadora. ;Quando é com a gente, ajuda a ver (a situação) melhor;, analisa a jovem, que escreve desde os 12 anos. Para ela, o melhor horário para criar ; texto corrido ou colagem, unindo a futura profissão à literatura ; é antes de dormir.

;Eu queria falar sobre as coisas que estavam acontecendo sem ter que contar para alguém;, continua Izabella. Maia vai além e sente que a escrita faz parte de um processo individual. ;Pelo fato de a escrita ser uma atitude quase solitária, eu acho que não agregaria compartilhar;, comenta ele.



Semeando emoções

Ricardo Fonseca começou a colocar os sentimentos no papel ainda muito jovem:

O escritor Ricardo Fonseca lembra que, desde muito novo, discorrer sobre o que sentia era algo natural. ;Naquela altura, ainda não sabia que o que praticava era a escrita terapêutica. Com o passar dos anos, continuei a escrever sobre as minhas emoções, e percebi que muitos dos meus processos de cura emocional se davam por conta desse meu hábito;, conta.

Foi a partir daí que ele se deu conta de que poderia usar essa forma de escrever para ajudar os outros a gerir as emoções e a também lidar com todos os processos emocionais de forma mais intuitiva. Ricardo juntou todos os relatos que acumulou em diários durante anos para escrever o livro Semeador de emoções, no qual detalha processos emocionais e sobre como a escrita o auxiliou em momentos difíceis e conflitantes.

;Meu objetivo é poder servir de guia e inspiração para as pessoas gerirem as suas emoções e poderem lidar como os dilemas internos de uma forma mais saudável, nutrindo a relação consigo mesmos, de modo a serem mais felizes;, conta.

Assim como Ricardo, a poeta e comunicadora Marina Mara também vê a escrita como uma ferramenta de cura. ;Poesia é ferramenta muito poderosa, tem poder muito forte como válvula de escape;, destaca. Marina é autora de diversos livros poéticos e, apesar de expor a escrita em obras, acredita que isso não tira o efeito que escrever tem sobre ela.

;Basicamente, é uma maneira de fortalecer um pouco a mente, quase como exercícios físicos;, pontua. ;A poesia consegue tocar em lados nossos tão sutis que, às vezes, muitas sessões de terapia não alcançam;, acredita a mestranda em arte e tecnologia pela UnB.

*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte


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