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Trocando palavras

A essa altura, todo mundo já conhece o Cuca Beludo, personagem inventado por espíritos de porco para enganar apresentadores de rádio e TV mais distraídos, principalmente durante transmissões esportivas. Mais recentemente entrou em campo Benjamin Arrola, que teve o nome pronunciado com toda a pompa pelo narrador de futebol Teo José, sem notar a bobagem que tinha falado.

Há dezenas desses nomes cacofônicos, alguns que nos acompanham desde a tenra infância e que fazem parte da família paranomásia, que o povo chama de trocadilho, e que junta sons fonéticos em frases que escritas dizem uma coisa, e ditas têm significado bem diferente. São brincadeiras sonoras, por muitos consideradas a forma mais pobre de se fazer humor.

Mas o trocadilho já teve nobreza quando, em seu Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade usou ;tupi or not tupi; para expressar seu nacionalismo com humor. Hoje é muito mais usado para brincar com nomes de estabelecimentos comerciais, como um antigo boteco de advogados em Brasília, o EnBARgado, ou o slogan de um restaurante: ;Tudo a kilo que você gosta;.

Esse é o problema do trocadilho: quando é pobre, é de marré deci. Mas é por beirar o absurdo que ele desperta o interesse do Galo Cego, apelido pouco edificante para um arquiteto e advogado de formação, e que agora passou a colecionar exemplos de trocadilhos. E a pesquisa deve ser feita no bar, até porque ele não tem saído muito de lá.

Seria um problema dele, se não tivesse a pachorra de querer dividir com todos nós as recentes e mais infames descobertas. E com ele não tem essa censura dos politicamente corretos: ;Nessa vida tudo muda, inclusive a surda-muda;, disse ele antes de disparar uma gargalhada.

É quase tudo nesse nível desanimador, sem graça e beirando a idiotice. Alguma coisa ainda se salva, em dia de bom humor: ;Como disse o gerente do banco, não é da sua conta;, ;Como dizia Beethoven, para tudo tem conserto;; ou a manjada ;Na vida nem tudo é passageiro, tem também o motorista e o trocador;.

Trocadilho pode ser uma arte. Trabalhei com um artesão de palavras chamado Ronan Soares que, além de ser um exímio editor, era um criador de frases e textos que pareciam vir do nada, ou melhor, de uma leve coçada na têmpora, cacoete que antecipava uma sacada.

Se eu fosse minimamente esperto, andaria atrás dele o dia inteiro com um bloquinho de anotações para registrar o que ele falava, sem levantar a voz, mesmo no meio do burburinho de uma redação de TV.

Ronan foi muita coisa, inclusive compositor, e de uma música de sucesso na época, e que revela sua capacidade de moldar palavras: Lesma Lerda, parceria com o tecladista Ruban e que foi gravada pelas Frenéticas. O trocadilho era usado com inteligência, muita malícia e nenhum freio.

Não anotei nada e, de memória, eu me lembro de poucas das frases que ele criou, nenhuma publicável. Devo apresentá-lo ao Galo Cego para ele ver que pode haver vida inteligente na paranomásia.