Bastou provar a sobremesa que preparava, à base de laranja, para, horas depois, Camila Figueiredo passar tão mal a ponto de pedir desculpas aos clientes e ter de fechar o restaurante, do qual era dona, para ir ao hospital. Intolerante à fruta, assim como a uma série de outros alimentos, a chef viu naquele episódio mais um motivo para fazer uma mudança radical não só na dieta, mas na vida.
;Intolerância alimentar não é algo fácil, principalmente para um chef de cozinha;, admite a jovem, que tem formação clássica na gastronomia. Apaixonada pelas panelas desde a infância, ela até tentou seguir outra carreira. Quando terminou o ensino médio, ingressou na faculdade de química. Foi justamente nessa época que desenvolveu a síndrome do intestino irritável.
As causas da doença ainda são pesquisadas pela ciência, mas uma coisa é certa: o estresse desencadeia e agrava as crises. ;Eu estava muito estressada e infeliz com o curso. Sabia que não era aquilo que queria para a minha vida. Daí, eu falei para a minha família que, me apoiando ou não, eu ia seguir carreira na gastronomia.;
A família não só apoiou como, com uma boa dose de esforço, matriculou Camila na melhor escola de gastronomia do mundo: a Le Cordon Bleu, em Paris. À época, ela tinha apenas 21 anos, não falava nada de francês nem dominava o inglês. Mas valeu o esforço. Durante um ano e meio, a jovem mergulhou de cabeça nas principais técnicas clássicas da cozinha. De volta ao Brasil, chegou a abrir um restaurante de comida contemporânea, na Asa Sul, mas acabou fechando o Occitano no início de 2017.
Ao encerrar as atividades do restaurante, Camila passou a atuar como personal chef e a pesquisar a gastronomia de vários países. Com a intolerância alimentar latente, ela buscava alguma que usasse matéria-prima mais saudável e equilibrada. ;A cozinha francesa é deliciosa, mas muito gordurosa;, pondera. Assim, a chef foi testando uma dieta que atenuasse seus problemas alimentares e, nesses estudos, chegou até a culinária asiática, mais precisamente a coreana. ;É uma cozinha muito natural, rica em vegetais, em que a proteína funciona mais como um acompanhamento. Sem falar na riqueza da fermentação;, detalha.
Nesse processo de pesquisa, ela tem contado com a parceria de uma amiga socióloga. Juntas, elas mapeiam os restaurantes coreanos existentes no Brasil ; o resultado é compartilhado no Instagram ; e estudam um pouco da cultura do país por meio da gastronomia ; tudo publicado em um site. A jovem entrou tanto de cabeça no projeto que até aprendeu a falar coreano. ;Quando eu morei em Paris, convivi com muitos asiáticos. Em algumas épocas do ano, eles chegam a ser maioria entre os alunos da Le Cordon Bleu. Nós frequentávamos os restaurantes asiáticos na França;, conta.
Same Same
Durante as pesquisas, Camila descobriu um restaurante aberto havia apenas dois meses, na Asa Norte, e foi lá visitar. O Same Same but different tem no cardápio pratos vietnamitas, tailandeses e um coreano, o tradicional bibimbap ; uma mistura de sabores e texturas à base de arroz branco, vegetais e carne preparados em uma tigela. Ao conhecer a casa ; e mais precisamente a proprietária, Raquel Garcia Siqueira ;, a chef ficou encantada com a filosofia do local.
;No Same Same, eles colocam em prática tudo aquilo que eu acredito. Os alimentos são frescos, o desperdício é zero, eles se importam com o meio ambiente e ainda oferecem uma comida deliciosa;, enumera. Camila, então, nem titubeou em fazer um pedido a Raquel: trabalhar na cozinha do restaurante, nem que fosse como auxiliar.
Antes de abrir as portas, Raquel contou com a expertise do chef Yuji Honda ; um brasileiro, filho de japoneses, que foi morar no Japão aos 6 anos, estudou a cozinha clássica na Europa e viveu em Bangkok. Durante quatro meses, ele fez consultoria na casa. Criou o cardápio, cuja ideia é oferecer comida de rua asiática bem-feita e saborosa, e treinou os funcionários.
Como a primeira etapa dos serviços dele no Same Same tinha sido concluída, a proprietária não só atendeu ao pedido de Camila como a colocou ;na torre de comando; do restaurante, como costuma comparar. ;Aqui, nós trabalhamos com praças bem definidas, com uma pessoa responsável por cada uma delas. Eu precisava de alguém que coordenasse tudo isso;, explica Raquel.
Camila foi a escolhida. ;Eu tenho muito o que aprender aqui;, encanta-se a chef. E, para uma pessoa com tantos problemas alimentares, ela não poderia estar em um lugar melhor. E justifica: ;Todos os vegetais usados aqui são frescos e fornecidos por produtores locais; a carne é abatida segundo o preceito halal (sagrado dos muçulmanos) e entregue sempre no início da semana; não usamos sal refinado, mas apenas o retirado da fermentação dos próprios alimentos; e todos os ingredientes não frescos são importados dos países asiáticos;.
As mudanças, que começaram na forma de ver e ingerir os alimentos, acabaram refletindo na vida profissional de Camila, que, garante, não poderia estar mais feliz. ;Eu acredito no trabalho que faço.;
Serviço
Restaurante Same Same
711 Norte, Loja 59
Telefone: (61) 3546-9125
Aberto de terça a sábado, das 12h às 15h e das 19h às 23h30
Site e Instagram do projeto de Camila Figueiredo
www.descobrindohansik.com
@maunsik
Receita
Som Tum ; Salada de mamão verde
Ingredientes
* 150g de mamão verde
* 100g de cenoura
* 30g de vagem
* 30g de tomate-cereja
* 1 dente de alho grande
* 60ml de molho de peixe
* 2 colheres cheias de açúcar demerara
* 1 colher de sopa de limão
* 2 colheres de sopa de suco concentrado de tamarindo
* 30g de amendoim torrado e triturado
* Amendoim inteiro a gosto para decoração
Modo de fazer
* Tire as sementes do mamão e corte à julienne. Corte a cenoura também à julienne, a vagem em três pedaços iguais e o tomate-cereja ao meio. No pilão, amasse o alho, acrescente o molho de peixe, o açúcar, o limão e o suco de tamarindo. Bata mais um pouco. Coloque a vagem e o tomate-cereja. Depois, o mamão, o amendoim triturado e a cenoura. Misture com uma colher e o pilão, jogando de baixo para cima. Finalize com amendoim inteiro e coentro.