O pequi carrega em si a contradição da delicadeza das flores e da brutalidade dos espinhos. Uma mordida em falso e haverá consequências. É um fruto de extremos: há quem ame e quem odeie. E se há quem goste de comê-lo puro e de adicioná-lo a receitas, outros o usam de forma completamente diferente e inovadora. Na Universidade de Brasília (UnB), um estudo já identificou propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias no óleo extraído do pequi. Na Universidade de São Paulo (USP), provaram seus efeitos na prevenção de câncer.
O fruto também ganhou espaço no segmento dos cosméticos. Além do poder hidratante inerente a todo óleo, o do pequi apresenta a vantagem de modelar os fios dos cabelos. Por isso, foi adicionado a diversas formulações de xampus, especialmente nos específicos para o público dono de cacheados, já que o efeito modelador é mais natural.
Na culinária, o pequi está presente não só em receitas tradicionais e caseiras, mas até em drinques. Inclusive, ele já representou o Centro-Oeste em episódio do MasterChef Brasil, pelas mãos da chef brasiliense Mara Alcamin. Na ocasião, ela preparou um frango caipira, arroz e creme de milho acompanhado, claro, de pequi. ;É uma combinação do que se come no interior;, explicou.
Segundo a nutricionista Andréa Marim, o pequi é quase um remédio, com muitos efeitos positivos para saúde. ;Ele tem um teor elevado de ácidos graxos monoinsaturados, os mesmos encontrados em nozes, em azeitonas e em compostos orgânicos que ajudam a diminuir os níveis de colesterol no sangue e a proteger o coração;, explica.
Portanto, ele pode não agradar ao paladar, mas ainda há bons motivos para acrescentá-lo à dieta. A professora e consultora de alimentos do Senai Helena Malvar recomenda o ingrediente especialmente para quem, assim como ela, é vegetariano. ;É um alimento muito rico em proteína vegetal; então, supre bem a falta da proteína animal;, esclarece.
A própria Helena admite que, carioca e sem a tradição de comer o fruto, não gosta muito do sabor, mas reconhece o casamento perfeito do pequi com o frango e dá uma dica: ;Em conserva, ele tem um gosto muito mais suave e nenhum cheiro, o que permite que, até quem não gosta, possa saboreá-lo. E o legal de comida é isso: testar e descobrir que algo, que você acha que não aprecia, é gostoso, se preparado de outra forma;.
Um amor pelo pequi que vem de família
Na casa da médica Andrea Kavamoto, 53, os pratos ganham um gostinho especial o ano inteiro. Enquanto muitos só saboreiam o pequi na época da colheita ; que vai de outubro a março, segundo o Sebrae ;, a médica goiana sempre o inclui em receitas de frango, de risoto e até em pastéis.
O amor pelo pequi vem de família. Andrea chegou a Brasília quando tinha 10 anos, mas trouxe a paixão pelo sabor típico de lá. Ela conta que aprendeu a apreciá-lo com a avó, a mãe e a tia. ;A gente sempre comeu, mas confesso que, quando era criança, não gostava do caroço;, lembra. Para resolver esse problema, encontrou alternativas e adaptou as receitas da avó. ;Ela usava o fruto com caroço e tudo. Eu fui tentando fazer sem. É bom para os iniciantes se assustarem menos com o pequi; afinal, o importante é o gosto;, comenta, referindo-se aos espinhos que podem machucar os desavisados e mais inexperientes.
Os pratos preparados por ela fazem sucesso. A médica só não conseguiu agradar a filha, mas o marido e os vizinhos fazem questão de participar da ;farra do pequi;, como ela mesmo define. É uma forma deliciosa de apresentar aos amigos não goianos o prazer de saborear o fruto mais famoso da sua terra natal.
No cardápio dessa festa gastronômica, os pastéis recheados com carne e pequi são servidos como entrada. Como recheio, o fruto não fica com um sabor muito forte, mas deixa um gostinho singular e especial. Entre os pratos, Andrea destaca o risoto caipira. Na receita, ela usa frango, carne de boi e de porco e, claro, pequis bem temperados.
O fruto antes era colhido em casa, mas, com o passar do tempo, o pequizeiro secou. Porém, se há falta dele no quintal, tem de sobra na geladeira. Para garantir o ingrediente, Andrea tem uma carta na manga. ;Na época do pequi, eu os cozinho, depois raspo a massa, que vai se soltando facilmente do caroço, e congelo. Assim, eu tenho a polpa pronta o ano inteiro;, revela.
Andrea reconhece que muitos têm uma relação de amor e ódio com o pequi, mas acredita que ele merece uma chance de conquistar o paladar dos desacostumados. ;Às vezes, o pequi muito concentrado e refogado pode ser desagradável para muita gente. Experimente misturar os sabores. Fica mais interessante;, aconselha.
Andrea Kavamoto ensina a preparar pastel de carne com pequi
Ingredientes:
Carne moída (300g)
Pasta de pequi
Cebola
Alho
Sal
Modo de preparo:
Refogue a carne com a cebola picada, alho e sal. Em seguida, acrescente a pasta de pequi e adicione pequenas porções de água até a carne ficar totalmente cozida. Depois, é só rechear as massas de minipastéis.
Anti-inflamatório e antioxidante natural
O professor titular do Departamento de Genética e Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), Cesar Koppe Grisolia, pesquisa os valores nutricionais e benefícios do pequi há mais de duas décadas. ;Começamos com base no conhecimento popular e regional das suas propriedades fitoterápicas. É uma proposta de sustentabilidade, uma vez que o cerrado está sendo destruído pela agricultura. Existem nesse ecossistema muitas plantas com potencial para desenvolvimento de novos fármacos;, ressalta. Ele reforça também que é importante agregar valor ao pequizeiro e valorizar a preservação da espécie.
Ao longo das pesquisas, Grisolia identificou o potencial antioxidante e anti-inflamatório do óleo extraído do pequi. No ano passado, publicou um artigo científico baseado em testes feitos em camundongos jovens e idosos. ;Comparando os resultados, o óleo de pequi apresentou uma atividade antioxidante mais efetiva nos animais idosos;, relata.
Há 20 anos, as pesquisas eram feitas em ratos. Em 2000, Grisolia começou a avaliar voluntários, atletas amadores corredores de rua, que faziam uso do óleo em cápsulas. Depois, estudou-se um grupo de pacientes com lupus eritematoso sistêmico, tratados no Hospital Universitário de Brasília, que também tomavam a fórmula. ;Em todos esses casos, os resultados foram promissores. Verificamos que esse óleo tem propriedades nutracêuticas, isto é, além de um alimento, melhora muitas funções fisiológicas;, define.
Desde 2016, por conta das descobertas de Grisolia, o óleo do pequi em cápsulas passou a ser comercializado por uma empresa farmacêutica. Virgílio Ribeiro, consultor do Sebrae, 40, começou a tomá-las em agosto do ano seguinte para melhorar o desempenho em corridas. Há nove anos, após um atropelamento, correr foi uma das recomendações da fisioterapia, e nunca mais abandonou a prática. Já participou de meias-maratonas e maratonas por todo o país, inclusive a de São Silvestre.
A preparação para cada uma delas não é fácil. O exercício pesado e cansativo sempre lhe rendeu dores musculares. ;Eu sentia o desgaste natural do músculo depois de fazer muito esforço, e aí era descanso e massagem para melhorar;, relembra. Começou a tomar o óleo de pequi para ajudar na recuperação. Um comprimido antes do almoço e as dores pós-exercício diminuíram. As sessões de massagem tornaram-se menos necessárias. ;A dor vai existir, ela faz parte do ciclo de um atleta. É um desgaste grande, mas já melhorou bastante;, conta.
Virgílio nunca gostou do sabor do pequi, mas descobriu nele um aliado. Garante que as cápsulas são insípidas e inodoras. Em breve, ele começará a se preparar para uma competição na Serra da Mantiqueira e deve dobrar a dose do sumplemento.
Segundo Romy Tokarski, diretora da RTK Indústria, cada cápsula tem 400mg de óleo de pequi. Ela explica que o uso do fruto na alimentação é recomendado, e consumir a fórmula é uma opção, já que não há oferta dele in natura o ano inteiro.
;Atletas têm um processo de oxidação mais acentuado, mas todos nós estamos em um processo de envelhecimento e podemos nos beneficiar dos efeitos anti-inflamatório e antioxidante do pequi;, afirma. Ela recomenda a ingestão da cápsula em alguma refeição: ;Por ser um óleo, a absorção vai ser mais eficiente.;
Prevenção de câncer
Uma parceria científica entre a UnB e a USP apresentou bons resultados do óleo de pequi na prevenção do câncer de fígado. ;Sabíamos que era um alimento com potencial, com propriedade antioxidante e anti-inflamatória, e, com o professor Grisolia, começamos a estudar sua interação na função hepática, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp);, relata a bióloga Simone Morais Palmeira, mestre em ciências pela Faculdade de medicina da USP.
O experimento em camundongos,consistiu em dividi-los em dois grupos e tratá-los com carcinógenos (produtos capazes de provocar câncer). Os animais, então, desenvolveram lesões pré-neoplásicas, aquelas que precedem a doença. A um grupo era administrado o óleo de pequi, ao outro, não. ;No fim, comparamos os dois e as lesões neoplásicas estavam reduzidas nos animais que tomavam o óleo. Além disso, eles tinham adenomas e neoplasias menores;, explica Simone.
A conclusão é a de que o óleo de pequi tem um potencial preventivo e pode inibir o aparecimento de uma lesão neoplásica no fígado. Agora, no doutorado, Simone procura entender as vias metabólicas que ajudam esse processo. ;Queremos saber como reduziram, quais os mecanismos e as vias pelas quais isso acontece;, afirma a pesquisadora. ;É importante deixar claro que o óleo de pequi não cura o câncer, mas, dentro de uma proposta de estilo de vida saudável, seu uso pode contribuir para evitar a ocorrência de certas doenças degenerativas. Nesse período, publicamos cerca de 15 artigos científicos, e o ponto comum entre eles é que o produto protege o DNA contra lesões causadas por estresse oxidativo;, acrescenta Grisolia.
Belezura do cerrado
Cabelos definidos, além de uma pele macia e hidratada. Essas são algumas das promessas dos produtos de beleza feitos à base de pequi. O fruto brasileiro invadiu a indústria dos cosméticos. Xampus, máscaras, pomadas que o acrescentaram às suas fórmulas garantem bons resultados.
O óleo utilizado na produção dos cosméticos é extraído da polpa do fruto. Segundo France Batistelli, diretora de pesquisa e desenvolvimento do grupo Mutari, o produto pode ser usado tanto no cabelo quanto na pele. A composição de ácidos graxos oleosos é muito semelhante à do sebo da pele, daí seu benefício.
No cabelo, o óleo permite uma modelação de forma natural, sem pesar ou deixar os fios com aspecto ensebado. ;Existem ácidos graxos que são elementos gordurosos. Dependendo da composição, formam um filme sobre o cabelo e garantem maleabilidade à fibra;, explica France.
De acordo com a pesquisadora, ainda foi descoberta a eficácia dessas formulações em realçar os cachos. Para quem tem o cabelo liso, a substância permite manter os fios alinhados. ;É uma matéria-prima muito interessante. O fruto contém alguns ômegas na composição, que hidratam e nutrem o cabelo, sem deixá-lo oleoso.; Para France, é fundamental aproveitar os recursos que a biodiversidade brasileira oferece. ;O pequi é nosso;, destaca.
Além da cor amarela e do sabor singular, o odor é uma das fortes características do fruto. Porém, de acordo com a pesquisadora France Batistelli, não há com o que se preocupar: os cosméticos não têm o mesmo cheiro do fruto. Na Mutari, fragrâncias são usadas para bloquear o aroma. ;A gente manda o produto sem fragrância para o nosso fornecedor de essências. Em cima da formulação, ele vai desenvolver a melhor para eliminar o cheiro natural do pequi;, esclarece.
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