A tatuagem está há muito tempo na sociedade e tem conquistado os mais diversos públicos. Se antes era considerada um ato de rebeldia e se restringia a certas culturas, atualmente, ela está presente na dia a dia de milhares de pessoas e, acredite, não é coisa só de jovem.
O tempo pode até trazer as rugas, mas há quem prefira marcar o corpo por meio de desenhos. Mais do que contar o que já se viveu, eles expõem amores, momentos e personalidade.
;Com a tatuagem, você transfere sentimentos, emoções, acontecimentos. Tem muito a ver com identidade, pois significa que a pessoa quer expor aquele modo de ser;, afirma a antropóloga e socióloga da Universidade de Brasília (UnB) Mariza Veloso.
Para ela, o fato de a tatuagem ter ganhado novos públicos está muito ligado à forma como as pessoas estão lidando com o corpo. ;O corpo se torna objeto de identificação, de subjetivação, pode ter relação com as múltiplas identidades. As pessoas querem se diferenciar, e a tatuagem é uma forma de fazer isso;, ressalta Mariza.
Assim, as tatuagens foram além da juventude e hoje têm se misturado às rugas e aos cabelos grisalhos, sejam elas feitas atualmente ou há anos.
Nunca é tarde
Com uma taça de vinho na mão e uma rosa na outra, ela mostra sorridente o novo desenho. Agora, a tatuagem foi feita na perna direita ; uma flor, assim como a primeira, que fez tanto sucesso. ;Meu quintal é cheio de planta. Eu gosto muito, porque elas têm boas energias;, diz a poetisa sobre as figuras escolhidas.
Se a energia vem das plantas ou não, isso ninguém sabe, mas a realidade é que é impossível não se contagiar com a jovialidade dela. Ela lembra bem dos tempos em que nem podia imaginar em fazer uma tatuagem. ;Meu pai era um coroa muito ciumento, mas depois que eu cheguei à minha idade, que eu mando no meu nariz, eu faço o que eu quero.;
Aprovação
Enquanto no passado o pai não aprovava, hoje, o músico Engels Espirito, 45, neto de Epifânia, dá apoio total às atitudes da avó. ;No aniversário dela, eu perguntei o que ela queria de presente. Imaginei uma viagem, qualquer coisa, mas ela me surpreendeu com a tatuagem. De início, pensei que, quando ela visse a maquininha, desistiria. Mas não. Ela quis fazer e fez;, lembra.
Engels conta que ficou com medo de a família não aprovar, mas todos amaram a ideia. E olha que é bastante gente. Segundo o neto, são cerca de 100 pessoas, entre filhos, netos, bisnetos e até tataranetos.
Dona Epifânia ainda segue com o objetivo de entrar no Guiness. Engels explica que já foi enviada a certidão da avó, provando a idade dela, e um vídeo, além de outros materiais. Porém, a empresa responsável pela edição do livro afirma que precisa se certificar de que não há outra pessoa mais velha que tenha feito uma tatuagem ; pesquisa que pode durar um longo período. Dona Epifânia segue confiante. ;Uma velha da minha idade colorindo o corpo não é para qualquer um;, brinca.
Para marcar o amor
Esse é o caso do advogado aposentado Adélio Fonseca, 83. Com um sorriso aberto, ele mostra, com orgulho, o rosto da sua ;musa;, como ele descreve, estampado no braço. Ousadia ou não, a tatuagem foi feita aos 80 anos como uma forma de marcar o amor que ainda vive com Norma Fonseca, 80.
A disposição já não é a mesma dos 17 anos, quando conheceu a mulher, porém o tom galanteador da juventude permanece. Seu Adélio lembra bem de como se encantou por dona Norma. ;Ela é uma verdadeira gata, considerada a princesa do Leme;, comenta.
A companheira reconhece o carinho do marido, mas também brinca com a imagem, feita baseada em uma foto de quando ela tinha 18 anos. ;Está bonita, mas agora ele devia fazer uma de mim coroa. Ia ficar bonitinho uma velhinha aí;, diz, sorrindo.
Adélio afirma que se inspirou nos filhos para tomar a iniciativa de homenagear a mulher. ;Eu sempre paguei as tatuagens deles e nunca fiz uma. Então, peguei uma foto dela e coloquei no meu braço. É a marca de um amor que eu resolvi tatuar agora no final;, ressalta.
Os dois se conheceram no Rio de Janeiro. Dona Norma morava perto da casa de seu Adélio. O aposentado recorda que, na sua juventude, tatuagem era coisa de marinheiro, mas hoje os desenhos na pele ganharam um significado diferente e vêm conquistando cada vez mais espaço na sociedade.
A tatuagem feita para dona Norma não deve ser a única. Seu Adélio já está pensando na segunda. Dessa vez, do personagem que marcou a sua infância, o super-herói favorito, Fantasma, criado há mais de 80 anos.
História narrada na pele
Muitos dos acontecimentos deixam marcas na vida das pessoas, mas há quem faça questão de tatuá-los na pele, usando o corpo para expor histórias, momentos e amor pela família e pelos amigos. A professora de publicidade Selma Regina Oliveira, 56, é uma dessas. O corpo dela, repleto de tattoos, conta um pouco sobre ela mesma e sobre o que já viveu.
Ao falar sobre as suas tatuagens, a professora lembra do personagem Maui, do filme Moana. Na animação, cada tattoo no corpo do grandalhão tinha sido registrada a partir de um fato da vida dele. ;Cada desenho que escolhi fala um pouco de mim. Eu acho que tatuagem são pequenas histórias que se juntam para contar uma grande história. Eu me narro para o mundo dessa forma;, destaca Selma.
A primeira tatuagem foi feita há alguns anos. Ela não se lembra da idade ao certo, mas acredita que tenha sido entre os 33 e 35 anos. Se a data é difícil recordar, o motivo do dragão desenhado no pescoço ela não se esquece. ;O dragão tem o significado de poder, inteligência. Coloquei-o atrás do pescoço, porque eu trabalho com a minha cabeça.;
Essa foi apenas a primeira. Atualmente, a professora tem cerca 19 tatuagens. Entre elas, o desenho de um ramo de oliveira no braço, para a família; o signo de uma amiga, para tê-la por perto mesmo estando em outro país; e uma fênix no pé. ;Eu estava em uma situação complicada, na qual precisava recomeçar minha vida. Então, tatuei uma fênix no pé porque ela ressurge e voa. Não tem lugar melhor lugar para voar do que no pé;, comenta.
A paixão pelos desenho não é de hoje. Selma conta que sempre gostou de tatuagens, mas o preconceito a impedia de fazê-las. A professora só começou a pintar o corpo depois dos 30, após sair da casa dos pais, passar pelo mercado de trabalho e ter estabilidade financeira.
A família de Selma demorou para aprovar a atitude da professora. Ela lembra que o pai já chegou a afirmar que não gostava das tatuagens dela. Porém, se enche de orgulho com as feitas para homenagear a família. Além do ramo de oliveira, Selma tem no corpo a assinatura dos pais e da irmã. ;Quando eu fiz, ele saía mostrando para todo mundo e ficou perguntando o porquê da assinatura. Eu respondi: ;Fez a obra, assina;;, diverte-se.
Os desenhos e o tempo
Se tem uma pergunta que Selma já respondeu várias vezes é: ;E quando você ficar mais velha?;. Para ela, isso não é motivo de preocupação. Muito pelo contrário. A resposta ela tem na ponta da língua: ;Vou virar uma índia velha. O pessoal fica meio passado, porque eu tenho o cabelo grisalho e as tatuagens. Eu meio que estou a meio caminho da índia velha;, brinca.
A professora explica que, de fato, as tatuagens se transformam com o tempo. Segundo ela, as pretas já estão desbotadas e a tinta de algumas também se alargou. Outras já se fecharam, mas, para ela, isso faz parte. ;Você tem dois caminhos: ou retoca ou mantém, porque elas estão envelhecendo com você. Eu prefiro deixá-las envelhecer comigo;, enfatiza.
Velhas ou não, as tatuagem de Selma são como um livro de figuras ou um álbum de fotos antigas que a faz voltar no passado. ;Além de momentos estarem marcados, histórias estão sendo contadas, amigos e entes queridos lembrados;, assegura.
Homenagem eterna
Mariety e o marido viveram juntos durante mais de 50 anos e tiveram cinco filhos. Para ela, o desenho foi só uma forma de homenagear o companheiro, porque, segundo a aposentada, mais que registrado na pele, o marido está no coração. ;Lembro dele sempre, está gravado dentro de mim.;
A aposentada fez a tatuagem quando tinha 79 anos. Ela afirma que o desenho foi uma surpresa, que não avisou aos filhos. A família aprovou a iniciativa, tanto que inspirou a irmã Marília a se tatuar também. ;Vi a da Mariety e falei: ;Vou invejar e fazer também;;, brinca.
Passos seguidos
Marília desenhou uma pantera no braço, referência ao apelido do companheiro. ;Quando ele era solteiro, todo mundo o chamava de pantera. Fiz uma para homenageá-lo em vida;, conta.
A atitude de se tatuar foi mesmo uma novidade para a idosa. Ela conta que, quando era jovem, nem pensava em fazer algo do tipo, mas o amor pelo marido e a atitude da irmã a motivaram. ;Ele está sempre comigo e me ajuda muito. Ele merece, é um homem muito bom;, ressalta.
Se o marido aprovou? Marília conta que ele ficou muito alegre. ;Gostou muito, falou que eu era doida, que isso doía, mas eu disse que não doeu. Todos pularam de alegria.;
Sobre outras tatuagens, as duas afirmam que, até o momento, não pretendem fazer um novo desenho.
A tatuagem na pele idosa
Não há dúvida de que a pele de um idoso não é a mesma de um jovem. De acordo com o tatuador Rogélio Paz Neto, porém, os cuidados são os mesmos. Ele trabalha com tatuagem há cerca de 40 anos e afirma que a população mais madura tem recorrido mais aos desenhos no corpo. ;As pessoas que gostavam de tatuagem no meu tempo hoje já estão com mais de 50;, justifica.
Rogélio admite, porém, que fazer tatuagem na pele de um idoso é um pouco mais difícil. ;A pele já não tem a mesma elasticidade. A falta de flexibilidade influencia no desenho;, justifica. Segundo o profissional, apesar de ser diferente, os cuidados após a tatuagem são os mesmos, como não praticar exercício depois de fazer o desenho, não abafar o local, entre outros.