Renata Rusky enviada especial
postado em 16/09/2018 08:00
Munique (Alemanha) ; O próximo dia 29 foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Dia Mundial do Coração para alertar as pessoas sobre os cuidados com um dos órgãos mais importantes do nosso corpo. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. De acordo com a OMS, a cada 40 segundos, uma pessoa morre por conta de enfermidades que afetam o sistema cardiovascular.
Por muito tempo, eles eram as principais vítimas. O simples fato de ser homem já era um fator de risco. Há cerca de 10 anos, a proporção era por volta de quatro ou cinco homens para cada mulher. No entanto, o número de casos de mulheres que também são acometidas pelas doenças aumentou e hoje está em praticamente um para um.
As doenças cardiovasculares são responsáveis por 30% das mortes de mulheres com mais de 40 anos. A taxa é maior do que a dos óbitos pelo tão temido câncer de mama, em quinto lugar nas causas de óbito. Existem várias teorias para isso, mas a principal seria a mudança cultural. ;As mulheres têm, naturalmente, um fator protetor, que são os hormônios, especialmente o estrogênio. Portanto, elas, antes da menopausa, tinham uma tendência menor a ter problemas cardiovasculares;, explica o cardiologista Thomas Osterne.
Antes, só essa proteção natural garantia a saúde cardiovascular das mulheres, pelo menos até a menopausa. No entanto, isso não tem sido suficiente. ;Os hábitos mudaram. O tabagismo era encontrado predominantemente entre os homens, as mulheres tinham a tendência a se alimentar melhor, se cuidar mais. Elas ainda trabalham fora e em casa, com dupla jornada, o que favorece o estresse;, exemplifica o especialista.
É por causa da relação entre a doença e o estilo de vida que o cardiologista britânico e professor da Faculdade Imperial College London insiste que saúde cardiovascular é um investimento. ;É preciso cuidar, desde hoje, do futuro;, afirma.
Há cerca de seis meses, a técnica de enfermagem Sônia Moreira Dda Silva, 60 anos, toma sete comprimidos por dia. Entre estatinas e aspirina, há também um antidepressivo, já que sua vida sofreu uma reviravolta da noite para o dia. Ela ainda perde o fôlego se caminha e fala ao mesmo tempo, tem episódios curtos de falta de ar, cortou o sal, o açúcar e a gordura do cotidiano.
Tudo começou depois de acordar não muito bem em 29 de março deste ano. Pulou o café da manhã, do qual, normalmente, não abre mão. ;É a refeição que considero mais importante e sempre acordo com muita fome.; Comeu só um pedaço de queijo, por desencargo de consciência, e saiu de bicicleta. Depois de apenas dois minutos pedalando, em ritmo devagar, já que não era uma atleta, começou a se sentir mal.
Diante do mal-estar, pediu a uma mulher que estava em frente do portão de uma casa para entrar. Explicou a situação. Sentia uma dor no estômago insuportável, além de azia. A dor se estendia a toda a região abdominal e o busto. Foi acolhida. No banheiro, vomitou água. Muita água. Teve a impressão de que vomitara toda a água do corpo. Um amigo a buscou.
Infarto
Sônia achava que era algum problema gástrico, pediu uma água com limão. Mas o líquido mal entrou no corpo e já saiu. Só então, ela pediu para ser levada ao hospital. Na triagem dos pacientes, a pressão sanguínea foi medida e estava em um patamar bom. Ela deveria, portanto, esperar. A condição dela não foi considerada urgente. Sentindo-se melhor, ela preferia voltar para casa a aguardar atendimento.
O amigo decidiu, então, levá-la a um hospital particular, onde a assistência seria mais rápida. Lá, Sônia recebeu vários remédios para estômago e chegou a mentir que a dor passara: só para não receber mais medicamentos que não a ajudavam. Finalmente, uma médica começou a desconfiar e chamou um cardiologista, que concluiu: era um infarto.
A técnica de enfermagem nunca imaginou que, silenciosamente, o coração estava doente. Enquanto infartava, não desconfiou que era isso que provocava todo o incômodo. Ela não sentiu a típica dor no peito que irradia para o braço esquerdo: a angina, dor no peito causada pela redução do fluxo sanguíneo para o coração. Por sorte, a demora em diagnosticar o infarto não foi fatal.
Embora a angina seja o sintoma mais frequente, em grupos como idosos, mulheres e diabéticos, as reações são diferentes. Isso faz com que médicos demorem a identificar o problema. ;O diagnóstico de infarto em mulheres é um desafio. Por isso, é importante que haja cardiologista no pronto-socorro, porque os outros médicos nem sempre estão preparados para identificá-lo sem os sintomas típicos;, diz o cardiologista Thomas Osterne.
Mas o problema não é só o diagnóstico no hospital. Muitas mulheres, por apresentarem sintomas que não costumam ser automaticamente relacionados a um infarto, demoram a procurar ajuda médica. Pensam que não é nada. Em geral, elas sentem um cansaço maior, começam a transpirar mesmo sem fazer esforço físico e sentem uma dor mais baixa, que parece ser gástrica. Costumam achar que se trata de gastrite ou refluxo.
Redução de colesterol
As estatinas são usadas para diminuir o colesterol daqueles que, mesmo com mudança de dieta e de hábitos, mantêm as taxas muito altas. O colesterol alto é um fator de risco para ataques cardíacos; por isso, é tão importante diminuí-lo. Sônia chegou a não se adaptar a uma das estatinas que usou. ;Uma vez, senti um desconforto muito grande e até achei que era outro infarto. Eu me desesperei;, relembra. Por fim, dos males, o menor: era só uma reação ao remédio que estava tomando. Trocada a medicação, o mal-estar passou.
Mais que um analgésico
Uma medicação tão simples, conhecida de todos, tornou-se uma boa aliada de pessoas com um risco relativamente alto de ter um infarto. A aspirina é capaz de prevenir um infarto, na medida que funciona como um anticoagulante e evita que coágulos de sangue obstruam uma artéria. O uso, contudo, não deve ser indiscriminado: o médico deve avaliar a necessidade e a indicação.
Congresso em Brasília
Hoje é o último dia do Congresso Brasileiro de Cardiologia, maior evento médico voltado para a especialidade da América Latina e o terceiro maior no mundo. Mais de 8 mil médicos do Brasil e Exterior participam da 73; edição, sediada em Brasília. Na pauta, avanços e tecnologias na área cardiológica.
Doença arterial periférica
Nem todo problema cardiovascular tem a ver diretamente com o coração. A doença arterial periférica atinge as artérias periféricas, que fornecem sangue para os membros. A circulação para os membros interrompida pode levar à gangrena e à amputação. Se progredir, pode causar complicações associadas à doença arterial coronariana, incluindo um ataque cardíaco. Estima-se que afeta mais de 202 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Doença arterial coronariana
Causada por um acúmulo de placa nas artérias coronárias, que fornecem sangue para o coração, pode causar eventos sérios, como ataque cardíaco e acidente vascular cerebral. É o tipo mais comum de doença cardíaca e levou 8,8 milhões de pessoas a óbito em todo o mundo em 2015, segundo estudo publicado no Journal of the American Heart Association, em 2016.
A repórter viajou a convite da empresa farmacêutica Bayer para o Congresso Europeu de Cardiologia.