Entre linhas e agulhas, uma conversa, uma troca de conhecimento, um momento de descanso. Seja com grandes, seja com pequenos pontos, por hobby ou por profissão, o crochê tem se tornado a paixão de muita gente. E não pense que se trata apenas de mulheres mais velhas. Estamos falando de jovens, de homens, de crianças e, claro, das vovós também.
Em uma noite chuvosa de terça-feira, nem a tempestade impediu Rachel Bessa e as amigas de se reunirem para crochetar. O grupo, formado por cerca de 30 mulheres, junta as agulhas uma vez por mês para trocar experiências.
O encontro, por si só, é quase uma festa. Ou melhor, um happy hour do crochê, como denominam. No meio de conversas, risos e garfadas, elas trocam presentes feitos por elas mesmas, ensinam umas às outras técnicas e truques com as linhas. “Pega uma agulha mais grossa, assim ele fica com um caimento mais fluido”, aconselha Luz Weber, uma das talentosas artesãs presentes na reunião, a uma colega que se aproxima.
O tal do happy hour é apenas uma das facetas dessas mulheres. Jovens, elas se movimentam pela cidade para comprovar que o artesanato, principalmente o crochê, não é mais atividade exclusiva da avó. Pelo contrário, artesãs da cidade têm ressignificado a produção manual. Fernanda Vallú, uma das melhores professoras da turma, justifica: “Os produtos feitos à mão representam um forte valor afetivo. O público jovem se atrai por essa pegada handmade”.
As idades variam: de 16 a 50 anos. Homens e mulheres querem se aliar cada vez mais aos fios — sejam eles de bordado, de tricô, sejam de malha sustentável. A Revista foi atrás de personalidades de Brasília para comprovar que os produtos artesanais são o negócio, a linguagem e a paixão das atuais gerações.
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte
Jovens crocheteiros
Apesar da pouca idade, Beatriz pode ser considerada uma veterana das linhas. Ela começou a crochetar aos 8 anos, na escola de pedagogia Waldorf, que tem tricô e crochê no currículo. Hoje, ela tem a prática das agulhas como o grande hobby.
Mas, como toda menina, Beatriz tem sonhos. A estudante do ensino médio pretende cursar cinema e, para tanto, os livros tomaram conta da sua rotina. Abrir mão do crochê? Jamais. Os fios funcionam como um escape. E, quando os livros saem de cena, as agulhas e linhas entram em ação, o que, para Beatriz, é um momento de descanso. “Eu me sinto bem enquanto faço. É uma atividade que me distrai. Crochê é uma delícia.”
Na internet
Se para Beatriz o crochê é apenas um hobby, para a youtuber Bianca Moraes, 28, já virou coisa séria. Ela começou a fazer crochê em 2011, depois de se apaixonar pelo amigurumi, uma técnica usada para a confecção de bonecos em 3D. “Antes, eu não gostava de crochê, achava meio brega, meio coisa de avó, mas conheci o amigurumi e comecei a olhar com outros olhos para mantas e cestas”, comenta.
A jovem não só conseguiu fazer o amigurumi como também virou expert no assunto. De aluna, passou a ser professora. Hoje, além de confeccionar os bichinhos, ela dá aula e grava vídeos para o YouTube. O canal dela, o Two Bee, tem mais de 94 mil inscritos, a maioria deles entre 24 e 35 anos. Ela ainda conta que também tem o público mais velho em busca de novas técnicas.
Para Bia, como é conhecida, o melhor é o feedback que recebe dos seguidores. “A quantidade de gente que entra em contato comigo falando que está melhorando de depressão ou ansiedade por causa do crochê é muito grande”, comemora. Efeito positivo para os seguidores e para ela própria. Segundo a youtuber, mais que trabalho, a prática se tornou uma espécie de terapia. “É quase uma meditação.
O menino que conquistou a web
Eles não só podem, como devem
A oportunidade surgiu no próprio trabalho. Fabiano tem uma empresa que oferece cursos, entre eles, o de crochê. “Quando a nossa empresa começou a oferecer esse tipo de conteúdo, pensei: por que não? Então, decidi fazer. Tem sido superbacana porque, quando faço, eu relaxo”, relata.
Fabiano encarou o curso cheio de vontade de aprender e sem nenhuma resistência. A facilidade das mulheres em lidar com os fios era clara, mas isso não o assustou. Apesar de parecer mais complicado para ele, o empresário não desistiu. “Várias das alunas já tinham algum conhecimento. Acho que, culturalmente, elas já carregam isso. As pessoas ensinam, simplesmente pelo fato de elas serem mulheres. Para o homem, não.”
Mas os tempos são outros e, para Fabiano, o crochê saiu do contexto da “vovó” e vem ocupando o seu espaço, com formas e técnicas diferentes. A técnica escolhida pelo empresário foi o maxcrochê com fios de nylon. “Eu tenho uns projetos mirabolantes. Eu não penso em fazer sapatinho de bebê, mas posso fazer uma capa para o vaso da suculenta, um quadro superbacana de super-herói, enfim, posso inventar com o crochê”, destaca.
O empresário constata que o preconceito ainda existe. Em sua empresa, por exemplo, 99% dos alunos do curso de crochê são mulheres e, segundo ele, o assunto segue tabu nas rodas de conversas masculinas. Mas Fabiano não se importa e afirma que seria muito legal que outros homens entrassem no embalo das linhas. “Escolher algo diferente para fazer na vida é o que muda a gente. Não é por ser crochê ou bordado, é pela sua escolha de fazer algo diferente”, ressalta.
Nas redes
O Instagram é uma forte ferramenta de comunicação e divulgação dos trabalhos manuais em Brasília. Para acompanhar, abra o aplicativo e siga os perfis dos nossos personagens:
@luz.weber
@fernandavallu
@_patcoutinho
@amorgrafado
@benditofio
@biocroche
@lojapotira
@quadradinhosdeamorbsb
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@homemnaagulha
@_pupi_la
Unidas por uma causa
A produção é intensa: o grupo se reúne periodicamente para entrelaçar os fios. À medida que os objetos ficam prontos, marca-se a entrega. O sustento do projeto vem todo dos voluntários. Todos compram para doar — material e tempo. Elas explicam que, para cada manta, são usados de cinco a seis novelos de 100g. No total, o custo da peça inteira sai por R$ 90. “O nosso maior desafio, hoje, é conseguir doação de lã. Cada um tem doado do próprio bolso”, revela Soraia.
Além do custo financeiro, há o investimento de tempo. “Gosto de gente que faz, que considera o fazer para doar. O melhor de tudo é a doação de tempo”, afirma Simone. As três contam à Revista que o artesanato tem despertado mais interesse nos brasilienses nos últimos meses, principalmente no âmbito filantrópico.
“Nosso grupo cresceu muito rápido. Começamos em 12 de setembro de 2017, no Dia Mundial do Crochê, e hoje já temos muitos voluntários envolvidos. Estamos até recebendo doações de outros estados”, comemoram as artesãs. O grupo é aberto para quem quiser participar e não tem limite de experiência ou idade.
Além dos quadradinhos, Soraia e Rizia se apegaram ao crochê sustentável, feito com fio de malha reciclado. Soraia está montando o próprio ateliê, fruto do seu projeto Bendito Fio, e Rizia se aventura na produção autoral de objetos decorativos, como tapetes, cestos, almofadas e discos reutilizáveis de crochê — estes, segundo a artesã, substituem o algodão convencional e servem para remover maquiagem, evitando o descarte excessivo do material.