;O grafite é a voz da cidade, é um grito.; A frase é do artista urbano e grafiteiro Daniel Toys, 25 anos. Você pode nunca ter visto Daniel por aí, mas com certeza já passou por um de seus desenhos coloridos. Certamente, já leu sua assinatura ; Toys ; e até sabe o que ele pensa sobre vários assuntos. O grafite é conhecido por ser uma arte democrática, que todo mundo pode ver e sentir sem ter que pagar o ingresso de um museu (algo ainda muito elitizado no Brasil). O morador de rua, o estudante, o trabalhador, o governador, os políticos e até o presidente da República estão expostos aos painéis, à opinião do artista, ao local que se ressignifica quando recebe uma arte em tinta.
Muito se fala sobre o lugar do grafite e da pichação, ainda mais em tempos cinzas como os atuais. O programa ;São Paulo Cidade Linda;, do prefeito João Doria, que vai apagando as pichações e alguns dos grafites mais característicos da capital paulista, reacendeu, em nível nacional, uma discussão há muito adiada sobre os rumos da arte urbana. A ideia do prefeito é fazer uma espécie de Wynwood Walls (veja box) paulista, um local onde a arte seria legalizada. Ele pretende, de três em três meses, liberar algumas paredes para o desenho. Mas faz sentido limitar o grafite? E a pichação deve, de fato, ser coibida com tanta força?
;O Brasil é um dos poucos locais onde se diferencia pichação de grafite. Começaram juntos, mas as estéticas foram se distanciando. A experiência do grafite e a do pixo (com ;x;, como é grafado nas ruas) se separaram muito por aqui;, explica o professor Pedro Russi, coordenador do curso de comunicação da UnB e autor dos livros Paredes que falam: as pichações como comunicações alternativas e Grafitis ; trazos de imaginación y espacios de encuentros. Essa distinção passa pela própria definição do que é belo e o que é feio, do que é arte.
;O Brasil é um dos poucos locais onde se diferencia pichação de grafite. Começaram juntos, mas as estéticas foram se distanciando. A experiência do grafite e a do pixo (com ;x;, como é grafado nas ruas) se separaram muito por aqui;, explica o professor Pedro Russi, coordenador do curso de comunicação da UnB e autor dos livros Paredes que falam: as pichações como comunicações alternativas e Grafitis ; trazos de imaginación y espacios de encuentros. Essa distinção passa pela própria definição do que é belo e o que é feio, do que é arte.
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Para ele, o grafite e a pichação são mais do que a tinta na parede. São uma ação. ;É algo que cria uma pergunta. É algo que incomoda;, afirma. Por isso, a essência dos dois tipos de arte urbana é ser ilegal, estampar as paredes, viadutos e muros sem autorização. É o grito da cidade. Segundo a antropóloga Glória Diógenes, pesquisadora da Rede de pesquisa Luso-brasileira em Artes e Intervenções Urbanas, o pixo e o grafite são linguagens da cidade contemporânea. ;As cidades não são mais lidas só pelas fachadas, pelos contornos das vias, pela arquitetura. São lidas a partir das inscrições urbanas. Mostre-me os tipos de grafites e pixos que digo que cidade é."
Para ele, o grafite e a pichação são mais do que a tinta na parede. São uma ação. ;É algo que cria uma pergunta. É algo que incomoda;, afirma. Por isso, a essência dos dois tipos de arte urbana é ser ilegal, estampar as paredes, viadutos e muros sem autorização. É o grito da cidade. Segundo a antropóloga Glória Diógenes, pesquisadora da Rede de pesquisa Luso-brasileira em Artes e Intervenções Urbanas, o pixo e o grafite são linguagens da cidade contemporânea. ;As cidades não são mais lidas só pelas fachadas, pelos contornos das vias, pela arquitetura. São lidas a partir das inscrições urbanas. Mostre-me os tipos de grafites e pixos que digo que cidade é."
Uma expressão não domesticada
O que muito se discute é a destinação de um local para ser grafitado. De acordo com Toys, isso equivaleria a um ;zoológico de arte urbana;. A impressão geral é que é bonito, sim, mas perde o caráter ilegal do grafite. ;Muitos artistas contam que ganham as latas de tinta, conseguem fazer uma arte com calma, sem a pressa de ser flagrado, mas que, depois, usam o resto das tintas com murais em lugares não permitidos mesmo. O ilegal é a alma do grafite e do pixo;, explica Glória Diógenes.
Pedro Russi conta que, em sua leitura, a pintura em um local pré-determinado é um mural, um quadro. Mas perde completamente a tensão de levar as coisas ao limite, algo inerente ao grafite e ao pixo. ;Se eu escrevo ;Aqui pode pichar; em uma parede, estou dando uma ordem, encaixando em um limite. Quando estão em um local proibido, o pixo e o grafite questionam, fazem uma pergunta. Eles não são apenas tinta: são o ato. Não tem a mesma força pintar um lugar permitido;, argumenta o professor.
Nem o grafite nem a pichação têm a pretensão de ser imortal, de durar para sempre. Existe uma ideia muito forte do fazer e refazer, analisa Glória. É uma linguagem mutante, que se transforma conforme a cidade evolui. ;A perspectiva é que se passe a dar notoriedade à arte urbana. Agora que começamos a admitir que essa linguagem é uma face das metrópoles, cada vez mais ela estará em discussão. Mesmo que você não aceite, o grafite e o pixo estão no centro do que é público e do que é privado;, provoca.
O fim do cinza
O debate sobre grafite e arte urbana cresce aos poucos em Brasília. Ainda são muitas as paredes que seguem branquinhas, sem intervenções. Toys lembra que, há 10 anos, era muito difícil grafitar e pichar na capital. Mas quanto mais fazem, quanto mais a população conhece, mais aceita e aprende a gostar. ;Virou a arte da nossa geração. Tem gente que gosta de cidade cinza, mas o grafite é uma comunicação que mostra que a cidade é viva, que ali passam pessoas com histórias, com opiniões.;
Brasília é dona de uma arquitetura com curvas e retas que desafiam a normalidade, muito representativa do modernismo e, por isso, é tombada como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Talvez por isso, o contraste do grafite se torna bastante evidente. ;Não acredito muito em cidades tombadas;, conta o professor Pedro Russi. ;É tombada, mas tem um sistema público que não funciona e eu não vejo muito sentido. Nesse cenário, a pichação e o grafite podem criar um incômodo diferente ; eles têm um desafio maior.;
Para quem passa todo dia pelas linhas coloridas que contrastam tão bem com o cinza do concreto de Niemeyer, os grafites são fonte de alegria, de reflexão. A professora e cantora Haila Ticiany, 37 anos, por exemplo, caminha bastante pela cidade e acredita que o grafite é o melhor jeito de decorá-la. ;A cidade fica mais feliz com as cores, e colocar a arte nos muros é um jeito de deixar a pichação menos marginal, de trazer para o centro;, explica. Apesar de a capital ser planejada, Haila considera que o grafite é um complemento. ;Brasília tem uma arquitetura muito ousada, que abre espaço para intervenções ; as cores do grafite dão um toque underground muito interessante;, afirma.
A operadora de caixa Elisangela Alberta, 29, também convive com os grafites diariamente. No caminho para o trabalho, passa pelas passarelas subterrâneas do Plano Piloto e por paradas de ônibus. ;A cidade fica mais bonita, mais alegre. Acho que o grafite dá um realce na cidade, e o que eu mais gosto é que os artistas costumam retratar o momento que o país está passando. Concordo quando dizem que a rua é uma galeria de arte a céu aberto;, conta.
O professor e escritor Gustavo Dourado, 56 anos, foi grafiteiro em Brasília nos anos 1980, ainda durante a ditadura, e hoje enxerga uma diferença grande entre quem faz grafite e quem picha. Ele acredita que o grafiteiro trabalha com arte, com criação, ao contrário do pichador. ;O grafite é uma forma de o artista manifestar a criatividade e o pensamento de uma maneira que muita gente vai ver. É algo de fácil acesso, mas que precisa ser melhor entendido. Não há nada melhor do que uma arte de bom nível. Não resolve os problemas da vida e da cidade, mas ver uma obra de arte melhora o humor. O grafite precisa ser valorizado e, como dizem, não se pode controlar a arte.;
Brasília é dona de uma arquitetura com curvas e retas que desafiam a normalidade, muito representativa do modernismo e, por isso, é tombada como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Talvez por isso, o contraste do grafite se torna bastante evidente. ;Não acredito muito em cidades tombadas;, conta o professor Pedro Russi. ;É tombada, mas tem um sistema público que não funciona e eu não vejo muito sentido. Nesse cenário, a pichação e o grafite podem criar um incômodo diferente ; eles têm um desafio maior.;
Para quem passa todo dia pelas linhas coloridas que contrastam tão bem com o cinza do concreto de Niemeyer, os grafites são fonte de alegria, de reflexão. A professora e cantora Haila Ticiany, 37 anos, por exemplo, caminha bastante pela cidade e acredita que o grafite é o melhor jeito de decorá-la. ;A cidade fica mais feliz com as cores, e colocar a arte nos muros é um jeito de deixar a pichação menos marginal, de trazer para o centro;, explica. Apesar de a capital ser planejada, Haila considera que o grafite é um complemento. ;Brasília tem uma arquitetura muito ousada, que abre espaço para intervenções ; as cores do grafite dão um toque underground muito interessante;, afirma.
A operadora de caixa Elisangela Alberta, 29, também convive com os grafites diariamente. No caminho para o trabalho, passa pelas passarelas subterrâneas do Plano Piloto e por paradas de ônibus. ;A cidade fica mais bonita, mais alegre. Acho que o grafite dá um realce na cidade, e o que eu mais gosto é que os artistas costumam retratar o momento que o país está passando. Concordo quando dizem que a rua é uma galeria de arte a céu aberto;, conta.
O professor e escritor Gustavo Dourado, 56 anos, foi grafiteiro em Brasília nos anos 1980, ainda durante a ditadura, e hoje enxerga uma diferença grande entre quem faz grafite e quem picha. Ele acredita que o grafiteiro trabalha com arte, com criação, ao contrário do pichador. ;O grafite é uma forma de o artista manifestar a criatividade e o pensamento de uma maneira que muita gente vai ver. É algo de fácil acesso, mas que precisa ser melhor entendido. Não há nada melhor do que uma arte de bom nível. Não resolve os problemas da vida e da cidade, mas ver uma obra de arte melhora o humor. O grafite precisa ser valorizado e, como dizem, não se pode controlar a arte.;