A história do pão é quase tão antiga quanto a própria humanidade. Não se sabe com exatidão em que momento se descobriu que a mistura entre farinha e água resultaria em um dos alimentos mais nutritivos de que se tem notícia, mas os primeiros registros datam do Egito Antigo, cerca de 3.150 a.C. O pão tem também importante significado para a história da religião, uma vez que era um dos principais alimentos dos hebreus. Atualmente, a busca por uma alimentação mais consciente, saudável e orgânica está impulsionando um retorno à antiga tradição de preparar, macerar e assar o pão sem máquinas ou produtos químicos. Brasília não ficou de fora: nos últimos anos, a capital viu diversas de suas esquinas serem tomadas pelas padarias especializadas em pães feitos de maneira artesanal, ao modo "ancestral".
O nome que se dá ao fermento natural varia de acordo com a localidade: sourdough (em inglês), pain au levain (francês), massa madre (espanhol), biga (italiano) ou massa lêveda, em bom português. Obter fermento é complicado e exige atenção e muita, muita paciência. Jorge Luiz Farias Costa, professor de técnicas básicas de panificação e massa do curso de gastronomia do Centro Universitário Iesb, explica que os grãos misturados à água entram em contato com leveduras presentes no ar, que se integram à mistura para se alimentar dos açúcares naturais dos grãos. No processo, os fungos convertem essas substâncias em ácido lático, causando a liberação de álcool e dióxido de carbono ; este último, responsável por fazer a massa crescer.
Até 1896, todo pão era feito assim. Tudo mudou quando os irmãos Maximiliano e Charles Louis Fleischmann criaram o que viria a ser o divisor de águas na história do alimento: o fermento biológico seco. A novidade se espalhou com a mesma rapidez que a Revolução Industrial exigia: entre os séculos 18 e 19, o movimento de substituição do trabalho artesanal por maquinários eficientes estava, com o perdão do trocadilho, a todo o vapor. Fabrício Campos de Brito, proprietário do Dylan Cafe & Bakery, acredita que o interesse pela produção de pães artesanais é relativamente recente no Brasil. Para ele, o fascínio vem do movimento em prol de uma alimentação mais natural, sem glúten, lactose ou química, bastante em voga nos dias de hoje.
Além de tudo, é terapêutico. Encontrar o ponto certo da fermentação demanda paciência, observação e aceitação caso o processo, por qualquer motivo, não dê certo (o que acontece com bastante frequência entre os iniciantes). Colocar a mão na massa ajuda, também, a personalizar ainda mais o produto final. Quanto mais sovada, mais bactérias do ar e da mão do padeiro entram na massa, tornando cada pão único. Respeitar o tempo dos alimentos e a fragilidade do processo é essencial. "Tem dias que está mais quente, dias em que está mais frio, a farinha pode ter mais ou menos água. Então, você tem que estar atento a cada etapa do processo para chegar ao melhor produto possível", detalha o padeiro Fabrício de Brito.
O encanto dos cascudos
A relação entre o padeiro Fabrício Campos de Brito, 36 anos, e o pão começou de maneira inesperada. O brasiliense queria sair da zona de conforto, trocar de ares. Mudou-se para a Austrália, onde passou 10 anos. Lá, matriculou-se na Le Cordon Bleu, uma rede internacional de escolas de culinária. Arrumou um emprego em um restaurante, fez amigos na área e descobriu a panificação. "Tenho amigos que são padeiros, então vira e mexe eu passava um final de semana com eles e fui pegando o jeito de fazer isso", detalha. Depois que se casou com uma argentina, Fabrício e a esposa quiseram testar um retorno ao Brasil.
De volta a Brasília, em 2013, Fabrício começou a pesquisa de mercado e descobriu que ainda não havia nada parecido com o tipo de pão que se acostumou a fazer na Austrália. "Percebemos também que estava acontecendo uma onda de cafés pela cidade", completa o empresário. O casal resolveu, então, unir as duas coisas. Nascia o Dylan Cafe & Bakery. O carro-chefe da casa, claro, é o sourdough, mas a padaria também investe em adaptações para agradar ao paladar tupiniquim, pouco acostumado à acidez típica da massa fermentada naturalmente. "É um pão azedo, cascudo, escuro e grande. Totalmente diferente do que estamos acostumados, que é um pão branco, fofinho, doce e mole", reforça. Não à toa, o público do Dylan é, majoritariamente, estrangeiro.
Unir café e padaria também facilitou a aceitação do produto em terras brasilienses. Ovos mexidos, torradas, sanduíches, versões doces e muitas outras adaptações visam tornar a novidade mais atrativa aos que ainda não a conhecem. "Percebo que, para muita gente, o pão não é convidativo por conta da cor e da textura. Muitos acham que o pão é duro, mas ele é superúmido, só que cascudo. São coisas diferentes", explica Fabrício.
Justamente por conta do longo processo de fabricação, o empresário prefere investir em encomendas do que em novas fornadas de 5 em 5 minutos. No balcão, são várias as opções, mas em pequenas quantidades: em média, são feitas 100 unidades para a venda no varejo. Às sextas-feiras, a padaria investe em pães nórdicos, 100% centeio, extremamente densos e amargos. Na massa, o padeiro mistura ainda lichia, farinha de centeio, semente de girassol e de abóbora. "Dá muito trampo fazer tudo isso, mas os estrangeiros vêm atrás desse tipo de produto", justifica. "Tenho um cliente que vem todas as sextas, paga o que pegou na semana anterior e já leva o que vai pagar na próxima sexta." Embora 80% da clientela seja estrangeira, Fabrício nota que, pouco a pouco, o brasiliense começa a dar uma chance ao pão de fermentação natural. "Entendo que o mundo gira com velocidade e é preciso produzir, mas quem busca algo mais saudável acaba caindo no sourdough."
Leia a reportagem completa na edição n; 567 da Revista do Correio.