Um grupo de amigos criou uma startup para fugir das relações consumistas e de desperdício. Resultado: cerca de 2.500 seguidores em poucos meses de funcionamento, fazendo escambo com tudo que você possa imaginar
"Você não precisa da furadeira, mas do furo." A frase de Rachel Botsman ajudou a difundir o conceito de economia colaborativa (ou compartilhada). Em essência, é simples: se pensarmos e agirmos de forma integrada, podemos chegar a soluções mais rapidamente e com menos recursos. Em outras palavras: faça parcerias; receba e retribua; passe para a frente o que já não usa.
A estudante Amanda Elyss, 21 anos, abraçou a causa. Foi durante um curso de empreendedorismo, em maio passado, que ela teve a ideia de criar um aplicativo que facilitasse o fluxo de objetos "encostados". Nascia assim a plataforma de aluguéis Boomerang, com o slogan "O que vai, volta". Amanda compartilhou o projeto com o amigo Gustavo Bill, 31 anos, que a ajudou a maturar a start-up. Depois, a equipe ficou completa com a chegada do desenvolvedor de internet João Paulo Apolinário.
O objetivo do trio é desenvolver um aplicativo para smartphones, que deve estar disponível dentro de três meses. Enquanto isso, eles testam a iniciativa em um grupo fechado em uma rede social. O protótipo é chamado de menor projeto viável (MPV). Os participantes do grupo gozam de certa autonomia e os três moderadores praticamente não interferem nas negociações ; a comunidade é livre para criar suas necessidades e soluções. A única regra é não realizar compras e vendas. Recomenda-se também que o valor cobrado seja simbólico (de 1% a 4% do preço total do produto) e que a negociação seria feita diretamente entre as partes.
A passagem de uma plataforma gratuita para um aplicativo próprio exige um investimento que a turma ainda não tem ; algo em torno de R$ 20 mil. Enquanto isso, eles tentam financiamentos por editais e concursos de inovação, cuja premiação poderia alavancar o aplicativo. A hipótese de crowdfunding entre os membros não agrada, pois ficaria em torno de R$ 200 por cabeça. "Seria desembolsar muito para uma experiência não muito diferente (da disponível de graça)", observa Apolinário. Bill lembra que um dos princípios do financiamento coletivo é retribuir as doações, o que ainda não sabem bem como fazer.
Uma das boas surpresas do Boomerang é que as pessoas procuram não apenas objetos, mas também socialização. Semana passada, um rapaz doava um ingresso de cinema, desde que pudesse acompanhar a pessoa durante a sessão. Outra usuária buscava um par de patins tamanho 34 e companhia para praticar a atividade. Muitas das transações são empréstimos ou doações, caso da bota ortopédica que está na posse de sua terceira dona (trata-se de uma corrente: a condição para ficar com o acessório é passá-lo adiante quando a fratura estiver curada). Há um participante que disponibiliza seu livro preferido para empréstimo, desde que o leitor retorne a obra com anotações pessoais do que sentiu e pensou durante a leitura.
Na internet, existem muitos grupos de comércio, com anúncios para todo tipo de produto. O Boomerang tem pretensões diferentes: trabalha atualmente com menos de 2.500 usuários ; perfis criados há mais de um ano e com rede de amigos em comum, analisados cuidadosamente pelo trio. "A gente quer evitar que saia do colaborativo. Por exemplo, alguém comprar um galpão e encher de coisa para alugar", brinca Apolinário. O foco não pode ser o lucro, mas facilitar a vida dos usuários. Apolinário cita o caso do site Airbnb, cujas hospedagens podem sair mais caras do que a rede hoteleira convencional.
Os jovens empreendedores não descartam a hipótese de tornar o aplicativo disponível nacionalmente, mas observam que, primeiro, é necessário estruturar a ideia em Brasília. Seria preciso que, em cada cidade, houvesse um gestor de comunidade, disposto a monitorar usuários que desrespeitam as regras. O planejamento é uma das prioridades para Amanda, Apolinário e Bill, que querem focar no serviço e desenvolver o produto antes de permitirem uma explosão no número de usuários ou criar fama em eventos de outras empresas. Apolinário acredita que, mais do que a experiência social, a experiência empreendedora também é enorme. "Conheça seu vizinho, não tenha medo. A lição que fica é ouvir nosso usuário, trabalhar da base para o topo, e não do topo para a base";, conclui.
Novo modelo
A fundadora do Collaborative Lab desenvolve soluções para startups e presta assessoria em consumo colaborativo. Ficou popular uma palestra dela sobre o assunto no TED. O vídeo pode ser assistido aqui.
Minha experiência
"Aluguei minha Polaroid pra um desconhecido com o maior medo do capeta! Ele devolveu certinho, me mostrou onde tinha filme pra ela, porque ela é antiquíssima! E ainda fomos pro cinema juntos"
; André Barros, jornalista, 24 anos
"Eu aluguei um iPhone enquanto o meu estava no conserto. Achei bacana a confiança que rolou, perguntei se ela queria que eu levasse um comprovante de endereço ou deixasse um cheque-caução, sei lá, alguma segurança pra ela, mas ela não quis nada e deixou que eu pagasse na devolução. Restaurou minha fé na humanidade."
; Luís Felipe Mansur, estudante, 21 anos
"Recebi a doação de uma bota ortopédica um dia depois de ter torcido o pé, com a promessa de que, quando ficasse boa, iria repassar a doação e ajudar outra pessoa. Dito e feito! No dia que anunciei a doação, uma amiga viu o post aqui e me ligou, perguntando se era doação mesmo, pois uma amiga dela tinha acabado de ligar do hospital. A amiga da amiga, então, foi até minha casa buscar. Doações do bem, colaboratividade e muita gente feliz."
; Roberta Cavalcante, empresária, 31 anos
"Eu, que tinha zero capinhas de iPhone, descolei duas lindíssimas
de graça."
; Luciana Tavares, estudante, 21 anos