Pode-se dizer que, em especial, nas duas últimas décadas, esse minucioso movimento reativo das células começou a ser compreendido por cientistas, imunologistas, psicólogos, psiquiatras e uma série de outros profissionais que acreditam que interferir no comando dessa ação pode ser essencial para manter o organismo cada vez mais blindado às agressões. Assim, uma série de drogas têm sido desenvolvidas com o intuito de fortalecer a imunologia e combater doenças como câncer e até mesmo depressão. Também há inúmeros trabalhos que comprovam como a alimentação e até mesmo os pensamentos positivos podem ser aliados no reforço dessa proteção.
O corpo se defende por conta própria. O tempo todo. Sem você se dar conta, ininterruptamente, as células de defesa são recrutadas para debelar vírus, bactérias, agentes estressores e irritantes que poderiam provocar incômodos e até complicações se não fossem combatidos, resultando em quadros patológicos. Não se percebe que, enquanto você come, anda, dorme, faz exercícios, trabalha, as unidades protetoras estão ativas e em alerta. Algumas vezes, uma dor, uma inflamação, um edema ou uma vermelhidão podem ser o sinal mais perceptível de que esse sistema entrou em ação e está reparando os danos de algum trauma ou de uma presença inadequada.
No entanto, há séculos, a medicina tenta encontrar maneiras de oferecer mais armamentos ao exército natural de proteção. A primeira delas, pode-se dizer, data do século 18. A vacina foi uma forma encontrada para colocar o organismo em contato com vírus e bactérias causadores de doença e, assim, ativar a produção de anticorpos que os reconheceriam caso houvesse um segundo contato com esses antígenos. "Mudou-se a relação do homem com o meio ambiente, prolongando a vida do ser humano por décadas. Hoje, podemos dizer que doenças como a varíola foram erradicadas do planeta, além da redução de difteria e tétano, e do fim da pólio e da rubéola nas Américas", comemora Renato Kfouri, pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
A dinâmica é de que, em contato com o antígeno, os leucócitos criam uma memória celular e se tornam aptos a reconhecer a presença daquela proteína em outras ocasiões. Assim, os anticorpos neutralizariam a ação do agressor, impedindo a instalação da doença. Isso explica o fato de quem já teve sarampo ou catapora, por exemplo, nunca mais estar vulnerável a desenvolver o mesmo quadro ao longo da vida.
Descobriu-se, então, que expor o organismo a agentes infecciosos ; mortos, enfraquecidos ou em partes ; mobiliza a mesma resposta imunológica. A partir de então, o empenho foi produzir proteínas semelhantes à maior quantidade de tipos de vírus e de bactérias possíveis para enganar o sistema imune, obrigando a fabricação de anticorpos, que deixam o organismo mais protegido. "A necessidade crescente de produzir vacinas em larga escala e as novas tecnologias trazem mais opções de imunizações. Além disso, a engenharia genética, técnicas de produção quiméricas, recombinantes, aumentam a velocidade da produção e a segurança da vacinas", explica Renato.
Se antes usavam-se bactérias inteiras para estimular a resposta imunológica do organismo ; como no caso da vacina de coqueluche ;, hoje, com as inovações, é preciso apenas selecionar partes do antígeno para injetar no ser humano, um avanço que reduz o risco dos efeitos colaterais, por exemplo. "A quantidade de antígeno utilizado diminuiu drasticamente. Hoje, só se utiliza uma parte para ter uma resposta imune", acrescenta o médico.
Nesse caminho de avanços e descobertas, contabilizam-se hoje mais de 20 doenças imunopreveníveis. Entre as vacinas recomendadas e disponíveis, cerca de 15 são aplicada na primeira infância; de sete a oito na fase adulta; e de quatro a cinco em idosos. Para certos males, o ideal é imunizar as crianças, que são o grupo mais vulnerável por causa da fragilidade do sistema imunológico e as pessoas com mais de 60 anos, que não escapam à denominada imunosenescência, que nada mais é que o envelhecimento e comprometimento do desempenho desse sistema com o passar do tempo.
Nesse caminho de descobertas e conquistas para manter o corpo saudável e capaz de combater doenças, um dos grandes desafios é criar anticorpos para destruir vírus e bactérias que apresentam mutações e subtipos muito diferentes. A variedade de apresentação do antígeno dificulta a criação de uma vacina eficiente para combater qualquer um dos possíveis causadores da mesma doença. É o caso do vírus do HPV, que se apresenta de inúmeras formas e cuja vacina já protege contra mais de 70% dos tipos de agentes que causam o câncer de colo uterino. No entanto, o futuro é promissor. "Há perspectivas para imunização de muitas outras doenças, como hepatite C, malária, aids e ebola. A da dengue, por exemplo, está para ser aprovada no Brasil em breve. A grande dificuldade nesses casos é que você precisa encontrar as variantes desses antígenos. São mais de 100 subtipos, muitos desses vírus têm mutações e é preciso encontrar vacinas que contemplem todas essas variações", explica Carlos Kfouri.
Leia a reportagem completa na edição n; 536 da Revista do Correio.