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Brasilienses aderem à ginecologia natural

Tomar as rédeas da própria saúde e resgatar o conhecimento milenar do uso de ervas e plantas são os preceitos básicos da prática. A prática deve ser feita com orientação de um profissional

Há quatro anos, Patrícia Loraine Ribeiro, 32 anos, cuidava da própria saúde como muitas mulheres: ia ao ginecologista periodicamente, tomava anticoncepcional e passava por exames preventivos com regularidade. Em 2011, ela se inscreveu em um curso de doula e nunca mais encarou o consultório ginecológico da mesma maneira. "Entrei em contato com mulheres que tinham uma relação com o ciclo menstrual diferente da que eu conhecia", resume. Hoje, Patrícia é doula, educadora perinatal e adepta da ginecologia natural (ou autônoma). A prática prega o resgate de conhecimentos antigos, uso de plantas medicinais e observação do próprio corpo na prevenção e na cura de problemas ginecológicos.


Ser apresentada a uma visão mais "amorosa" do próprio corpo, como define Patrícia, mudou sua forma de encarar a si mesma. Para ela, a ginecologia natural é uma forma de vivenciar o ciclo menstrual como algo sagrado ; até mesmo ligado à espiritualidade. "Deixei de lado a ideia de medicalização, de que tudo se resolve à base de hormônios", completa. A partir do uso de ervas, chás, unguentos e medicina chinesa (entre outras ferramentas), ela garante que sua saúde melhorou consideravelmente. "Não deixo de ir ao médico se achar necessário; a medicina tem seu papel", pondera. "Mas o autoconhecimento do meu corpo, do meu muco e da minha anatomia me ajuda a não precisar frequentar ginecologista nem usar essa medicina hospitalar e clínica."

A estudante de mestrado Juliana Floriano, 30 anos, dá aulas de ginecologia natural há seis anos, no coletivo Matriusca, formado por doulas. A partir de pesquisas próprias, oficinas e testes (nela própria), ela conta que os conhecimentos foram sendo adquiridos paulatinamente. "Na verdade, são receitas, formas de entender o próprio corpo e fugir um pouco da medicalização", resume. A ideia principal é buscar nas plantas, na alimentação e nas manifestações fisiológicas as respostas para os problemas de saúde. "Os médicos são mediadores de um conhecimento, mas quem conhece nosso corpo somos nós mesmas. Só é preciso saber escutar."

A uniformização dos tratamentos ginecológicos é o que mais a incomoda na medicina "tradicional". "Quase todos os ginecologistas receitam anticoncepcional para resolver problemas como ovário policístico, endometriose etc., mas várias mulheres sentem os efeitos do excesso de hormônio", exemplifica Juliana Floriano. "Por isso, muita gente está procurando a solução nas plantas." Ela admite que as fontes de informação são, em sua maioria, informais: workshops, grupos de Facebook e alguns livros sobre o tema são as principais vias de acesso à ginecologia natural. "A oralidade também é uma teoria, por isso, raizeiras, parteiras e as próprias avós também ajudam."

Túlio Americano chegou a cursar medicina, mas, ainda no primeiro semestre, trocou o curso pelo estudo da medicina natural. Atualmente, é terapeuta naturopata e especialista em medicina tradicional oriental, com mais de 35 anos de experiência. Segundo ele, a versão natureba da ginecologia só se diferencia da "convencional" por usar métodos de diagnóstico mais ligados aos sinais vitais da paciente, "embora aproveite também exames laboratoriais". Fitoterapia e alteração de estilo de vida, com alimentação e prática saudáveis, estão entre as bases da ginecologia natural.

As vantagens de dar um tempo dos consultórios e remédios são inúmeras, de acordo com Túlio. Ele elege duas principais: tratamento customizado e, quando existem, efeitos colaterais reduzidos. "Ninguém é tratado como se pertencesse a um grupo, mas como alguém em separado." A medicina mais conhecida pelos ocidentais, contudo, tem seu valor: segundo Túlio, tudo depende do que o próprio paciente precisa no momento. "A medicina ;convencional; é fantástica para salvar uma vida, mas não para curar. Com a medicina natural acontece o oposto", compara.

Ter certa autonomia a respeito da própria saúde é o grande objetivo ; e prêmio ; dos que optam por mergulhar na medicina natural. A cultura de sentir algo errado e correr para o consultório em busca da solução imediata é, de acordo com Túlio Americano, o maior erro da sociedade contemporânea. Evidentemente, de nada adianta ser independente sem ter noção do que está acontecendo. "Essa autonomia exige que a pessoa tenha um certo conhecimento para que a capacidade de usar ervas e plantas seja recuperada", alerta.

Ervas medicinais da ginecologia natural

Hemorragia uterina

Indicação: plantas com ação hemostática, estrogênica e progestogênica, sedativa, hepática, vasoconstritora, adstringente e tônica.

Exemplos: algodão, cavalinha, mil-em-rama, sálvia, erva-de-Macaé e vitex.

Miomas

Indicação: plantas de ação progestogênica hemostática, anti-inflamatória, depurativa, hepática, diurética, antiespasmódica.

Exemplos: erva-de-Macaé, algodão, cavalinha, mil-em-rama, erva-de-bicho, dente-de-leão e vitex.

Cisto de ovário

Indicação: plantas com ação estrogênica, progestogênica, diurética, depurativa, hepática e antinflamatória.

Corrimento

Indicação: plantas com ação antisséptica, anti-inflamatória, depurativa e adstringente.

Uso oral: calêndula, tanchagem, cana-de-macaco, algodão e algodãozinho.

Uso local: calêndula, barbatimão, manjericão, cana-de-macaco, hortelã graúdo e algodão.

Candidíase

Uso oral: erva-cidreira-verdadeira, calêndula e manjericão.

Uso local: erva-cidreira-verdadeira, calêndula, manjericão, alecrim, alho e açafrão.

Cervivite

Plantas com ação cicatrizante, anti-sséptica, anti-inflamatória e adstringente.

Oral: calêndula, tanchagem, mil-em-rama, algodãozinho.Local: barbatimão, hortelã-graúdo, mil-em-rama.

Plantas indicadas: algodão, cavalinha, sálvia, erva-de-Macaé.

Dor pélvica crônica

Indicação: plantas com ação antiespasmódica, antisséptica, anti-inflamatória, laxante, hepática, depurativa e diurética.

Exemplos: algodãozinho, dente-de-leão, mil-em-rama, mentrasto, folha-santa.

Fonte: Matricaria

Uma nova abordagem

A acupunturista, fitoterapeuta e doula Mariana Almeida Bezerra define a ginecologia natural como a melhor forma de promover o autoconhecimento. Escutar o corpo, segundo ela, faz com que a mulher perceba seus próprios padrões: quando o ciclo menstrual está para começar; se a gestação está correndo bem; se há alguma infecção etc. "É uma sabedoria ancestral. Desde que o mundo é mundo, as mulheres sabem que têm conexão com a Lua, por exemplo."

Mariana também acredita que a "institucionalização" da saúde é a culpada pela perda dos conhecimentos antigos a respeito das fases que o corpo feminino passa na vida. "Cada dia mais, a gente percebe que as coisas não se resolvem quando você passa a responsabilidade do seu corpo para outra pessoa", opina. A primeira providência para quem quer levar a vida de forma mais natural é prestar atenção à menstruação: entender quando ela virá, quando não veio, de onde vêm as dores e se desmamar de remédios contra cólica. "É preciso tirar as medicações que a impedem de ver que há dor e deixar o corpo voltar ao normal", ensina Mariana Bezerra.

O próximo passo é procurar um profissional em ginecologia natural e, claro, buscar o máximo de informação possível sobre o tema antes de tomar qualquer providência. Outra providência essencial, para Bezerra, é investir em um coletor menstrual. "Já é meio caminho andado para entender a ginecologia natural. As cólicas vão diminuir, porque não há produto químico, já que o coletor é de silicone." Para a ginecologista Téssia Maranhão, membro da Comissão de Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), misturar a medicina convencional aos conhecimentos holísticos e naturais facilitaria a comunicação médico-paciente, na medida em que a mulher também teria noção do que acontece com a sua própria saúde. "Deve haver um despertar para isto nas escolas de medicina", opina.

A medicina integrativa ; convergência entre a medicina convencional e a natural ; representa, segundo Téssia Maranhão, o resgate da abordagem humanística da medicina, com tratamentos personalizados e focados na valorização do sentimento do paciente. O pouco conhecimento das mulheres a respeito do próprio corpo, contudo, é um dos principais obstáculos na popularização da medicina autodidata. "Precisamos trabalhar os profissionais de saúde e também a população feminina para que todos tenham um melhor entendimento da medicina integrativa", defende a médica, também professora titular de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). "Temos que trabalhar o paciente por inteiro. Não podemos nos restringir ao sintoma, dentro de um protocolo técnico."