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Vidas que podiam ser poupadas

As chances de cura são altas, mas a demora no diagnóstico e uma série de problemas no sistema de saúde pública fazem com que o câncer de mama ainda mate muito no Brasil. Campanha tenta reverter esse quadro

Entre as brasileiras, é o tipo de tumor mais comum. Só perde para o câncer de pele não melanoma. Em números, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 57 mil mulheres são diagnosticadas com a doença todos os anos. Embora as chances de cura sejam animadoras, o câncer de mama ainda mata. São, em média, 12,1 mortes para cada 100 mil habitantes, vítimas, especialmente, de diagnósticos tardios, quando o câncer já está em estágio avançado e em fase metastática. Lamentavelmente, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), cerca de metade das usuárias do SUS diagnosticadas no país em 2010 já estava em estágio avançado.

Justamente para informar e mobilizar governo, sociedade civil e médica sobre a importância da detecção precoce da doença e garantir acesso igualitário ao tratamento para as pacientes com câncer de mama avançado, a Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) lança campanha Para Todas as Marias (www.paratodasasmarias.com.br). Uma das apostas do projeto é reunir na internet informações para orientar essas pacientes sobre os direitos que elas têm, assim como reuni-las, ainda que virtualmente, para trocar experiências e oferecer apoio mútuo.

Em entrevista à Revista do Correio, a mastologista Maira Caleffi, presidente voluntária da Femama, fala da campanha, da realidade enfrentada pelas pacientes da doença no Brasil, incluindo a dificuldade de acesso ao tratamento e ao diagnóstico o mais cedo possível. "É preciso garantir às pacientes o acesso aos tratamentos mais modernos por meio do sistema público de saúde. As mulheres com câncer de mama metastático estão sendo discriminadas no SUS em relação àquelas que contam com convênios", acrescenta Maira.

A realidade brasileira
"A paciente enfrenta obstáculos já na fase de diagnóstico, em função da demora para obter exames e consultas na rede pública. A partir do diagnóstico, a Lei n; 12.732/13 determina que se inicie o tratamento em até 60 dias, o que, apesar de ser uma grande conquista, não é garantia de agilidade. Uma pesquisa da Femama, de outubro, demonstrou falhas na implementação dessa lei. A norma regulamenta apenas o primeiro tratamento, ficando as demais etapas sem amparo. Nessas condições, muitos tumores acabam evoluindo para o estágio avançado, com chances de cura muito reduzidas e urgência na administração do tratamento. Nessa fase da doença, só as usuárias de planos de saúde têm acesso a medicamentos modernos. Milhares de pacientes que dependem do sistema de saúde pública não têm a mesma oportunidade. Alguns medicamentos inovadores estão disponíveis apenas para os estágios iniciais, mas quando a paciente atinge a fase metastática, na qual os mesmos remédios teriam indicação, ela não tem o direito de adquiri-los pelo SUS. O diagnóstico do câncer de mama traz muitos desafios à mulher, que além da luta pela vida, percebe um impacto direto em sua renda, saúde emocional e qualidade de vida."

Estágios avançados
"Receber o diagnóstico do câncer de mama é devastador, mas, na fase avançada, o impacto é ainda maior, e a urgência por um tratamento eficiente também. É preciso conscientizar os gestores da rede pública de saúde da ampliação do acesso ao tratamento de câncer de mama avançado para mudar essa realidade."

Diagnóstico tardio
"Entre os motivos, estão o baixo nível de informação sobre a saúde em geral e a dificuldade de acesso ao sistema público de saúde. Conhecer seu corpo e procurar o médico regularmente é uma iniciativa da mulher no Brasil e, por isso, campanhas de conscientização são tão importantes. Portarias que restringem direitos conquistados dificultam o acesso mais amplo ao diagnóstico precoce. A Lei n; 11.664/08, que garantia a realização de mamografias a partir de 40 anos, sofreu restrições pela Portaria n; 126/13, que passou a determinar que a mamografia de rastreamento, que detecta tumores em mulheres assintomáticas e sem casos da doença na família, seja realizada só em mulheres de 50 a 69 anos. A mamografia detecta nódulos ainda não perceptíveis pelo toque, em estágio inicial, mas esse direito está sendo negado a milhares de mulheres. Além disso, é comum nos depararmos com queixas de pacientes com a demora muito grande para obter consultas e realizar a biópsias no sistema público. A distribuição desigual de equipamentos de mamografia e a falta de manutenção nos equipamentos existentes agravam a situação."

Os tratamentos disponíveis
"Hoje, existem inovações na ciência que permitem a realização de tratamentos mais precisos, que adiam a progressão da doença e oferecem menos efeitos adversos. Exemplos de medicamentos são o Trastuzumabe, a combinação de Pertuzumabe com Trastuzumabe e o Everolimo. Eles mudaram a história do tratamento do câncer de mama avançado por oferecerem alternativas mais eficazes e menos agressivas, mas nenhum deles está disponível no SUS para pacientes metastáticas. O Everolimo, que é uma droga oral e poder ser administrada em casa, ainda libera vagas hospitalares. Uma parceria público-privada instituída entre a FURP (Fundação para o Remédio Popular) e o laboratório de referência permitirá o desenvolvimento desse medicamento no país, reduzindo os custos de aquisição para que o remédio possa ser incorporado na rede pública. Em função disso, uma das primeiras ações que a campanha Para Todas as Marias propõe é uma petição pública on-line que convida toda a população a participar da mobilização pelo tratamento igualitário do câncer de mama avançado e apoiar a incorporação neste momento do Everolimo no SUS."

Os direitos da paciente
"Além de ter direito a um tratamento adequado e de qualidade, a paciente deve exigir que seja iniciado rapidamente. Uma conquista importante foi a Lei n; 12.732/13, que determina prazo de 60 dias para início do tratamento. A Lei n; 12.802/13 determina a reconstrução mamária imediata na rede pública após realização da mastectomia, sempre que houver condições técnicas e vontade da paciente. Há ainda tratamentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para reembolso obrigatório pelos planos de saúde, mas que ainda não estão disponíveis no SUS, o que caracteriza discriminação. Uma das lutas da Femama é pela igualdade de direitos para todas as brasileiras, sejam elas usuárias de planos de saúde, sejam do sistema público."

Mudança no tratamento no Brasil
"O câncer não pode esperar para ser tratado. O câncer de mama tem 95% de chances de cura quando diagnosticado precocemente, mas para isso são necessários investimentos e melhorias no acesso à informação, a exames de qualidade, a tratamentos modernos e à reabilitação."