A origem é difícil de definir com exatidão. É possível encontrar diferentes datas referentes a várias partes do mundo, desde 7000 a.C, no norte da China, até referências em livros religiosos indianos, escritos entre 1700-1100 a.C. Uma das hipóteses, defendida pelo americano Mark Beran, produtor da bebida, é de ela tenha surgido espontaneamente, na África, há mais de 20 mil anos. Condições climáticas extremas formaram o ambiente ideal: o clima seco facilitava a formação de buracos em árvores, que seriam ocupados por colmeias e, depois, inundadas durante a estação de chuvas. Assim, mel e água estavam prontos para fermentar e serem descobertos pelo ser humano.
A fabricação mundial ainda é tímida, mas tem aumentado com rapidez. A revista americana Forbes chegou a classificar a bebida com uma das 10 tendências alimentares de 2011. Canadá e Estados Unidos são os principais fornecedores. No segundo, a quantidade de adegas produtoras de "vinho de mel" (honey wine ou mead, em inglês) triplicou desde 2009, de acordo com relatório da American Mead Makers Association. No Brasil, ainda não existem dados oficiais. Sabe-se que são poucos os fabricantes e um deles é José Arnildo Marquezin, 67 anos, que se divide entre a residência no Distrito Federal e a fazenda em Goiás, próxima ao salto do Itiquira. Ele afirma que o clima seco da região é ótimo para a atividade. "Em áreas úmidas, as abelhas não conseguem desidratar o mel, que pode até azedar. Aqui, ele cristaliza rápido e atinge o ponto ideal."
Desde 1982, Marquezin usava o tempo livre como professor de literatura francesa para praticar a apicultura. Ele aprecia a técnica, que exige ao mesmo tempo força para manejar o peso das colmeias e delicadeza para segurar ; sem ferir ; as asas de uma abelha rainha. Ele começou a produzir hidromel nos anos 1990. Cada garrafa leva pouco mais de 12 meses para ficar pronta, desde a fabricação do mel até o grau adequado de fermentação. Aposentado desde 2012, ele expandiu a produção, que hoje chega a 2 mil unidades por ano. "O hidromel era produzido muito antes do vinho, que é moderno em relação a ele. As colmeias eram fáceis de serem encontradas na natureza e existia uma vegetação melhor que a nossa de hoje", exalta Arnildo, um apaixonado pela mítica do líquido.
Um mundo em risco
As técnicas da produção de hidromel e da apicultura passam por sérias ameaças. O apicultor José Marquezin quase desistiu da atividade. Em dezembro do ano passado, ele perdeu 25 colmeias, quase 100 mil abelhas, que estavam próximas a uma plantação de soja com uso de substâncias tóxicas. "Mas o problema não para por aí", aponta Marquezin. Ele acredita que, com a morte das abelhas, milhares de outros insetos podem ter sido afetados. Esses, por sua vez, são alimento para os pássaros. A reação em cadeia pode incluir a contaminação das águas e do próprio cultivo, que vai servir direta ou indiretamente de alimento para os humanos.
O desaparecimento das abelhas é hoje considerado um problema mundial cujas causas ainda estão sendo estudadas, sendo que o uso de pesticidas e doenças provocadas por bactérias são algumas das possíveis explicações. O pequeno inseto é responsável pela polinização de cerca de 70% das espécies vegetais agrícolas. Alguns produtores acreditam que o aumento da demanda por hidromel seria uma forma de incentivar a apicultura e a agricultura sustentáveis, necessárias para manter as colmeias ; e o frágil equilíbrio do mundo que pousa no voo das abelhas.
Na mitologia
A bebida deixou importantes marcas culturais e tem lugar de destaque nas narrativas nórdicas. Dizem que, para selar a paz entre dois grupos de deuses, cada um deles cuspiu em um caldeirão e a substância ganhou forma humana: o sábio Kvasir. Ele era gentil e superava todos os homens em sabedoria, a qual compatilhava em viagens entre os mundos. Porém, ele foi assassinado por dois anões invejosos, que recolheram o sangue dele em três potes e misturaram no mel. Um gole era capaz de dar conhecimento a qualquer indivíduo e transformá-lo em poeta.
Os anões, no entanto, precisaram entregar o hidromel como troca para se salvar da punição de terem matado dois gigantes. O líquido ficou escondido no centro de uma montanha e guardado por uma bela gigante até que o deus Odin a seduziu para roubá-la e levar a mistura para o reino dos deuses, Asgard. As valquírias, lindas donzelas guerreiras, procuravam os heróis mortos em combate para recebê-los em nome do deus Odin e oferecer a bebida, que também é associada à expressão "lua de mel". Ela era consumida em larga escala nas celebrações de casamento e o casal deveria bebê-la durante um mês para garantir a fertilidade.
O simbolismo é tanto que incentiva pessoas a tentarem produzir artesanalmente em casa. Vários tutorias estão espalhados na internet e um deles foi seguido pelo autônomo Franciso Silva. Após assistir ao filme O décimo terceiro guerreiro, em que o líquido é amplamente consumido, ele se inspirou para tentar fabricar a bebida, mas lamenta não ter tido muito sucesso. "Não ficou muito bom. Precisa de muito tempo e é complexo, tem que ter experiência", conta.
Onde encontrar
Ceasa, aos sábados de manhã, com o apicultor José Arnildo Marquezin.
Telefone: 3367-2234.